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Estado de Minas EXPERIÊNCIA

Chef promove jantares com clientes de olhos vendados

Artista e cozinheira, Daniela Kohn estimula clientes a usarem todos os sentidos durante a refeição, menos a visão


19/02/2023 04:00 - atualizado 19/02/2023 16:21

público aprecia o menu
O público aprecia o menu de olhos fechados: música de relaxamento de fundo (foto: Túlio Santos/EM/d.a press)
 
O senso comum defende que a visão é o primeiro sentido acionado no ato da alimentação, mas uma experiência gastronômica proposta pela artista e cozinheira Daniela Kohn provoca o público a abandonar essa certeza.
 
Daniela tem feito jantares mensais em Belo Horizonte onde propõe que seus convidados livrem-se de amarras. Uma vez aceito o convite, o público presente é vendado. Lenços são amarrados sobre os olhos, e nada do que é ingerido é visto antes. O cardápio só é revelado no fim do jantar às cegas.
 
Rolinho de mostarda
Rolinho de mostarda com cuscuz marroquino e batata doce com tomates assados são alguns dos itens do jantar (foto: Túlio Santos/EM/d.a press)
 
A reportagem acompanhou uma edição do evento, batizado de “Jantar às Escuras”.  Um amplo quintal com jabuticabeiras recebe o público, que aceita ser vendado para entrar na experiência inquietante.

De bebida, somente água. Não há talheres, portanto a única opção é usar as mãos para levar a comida à boca. “Nossas memórias eurocêntricas do talher fizeram com que as memórias primitivas fossem rasuradas, não apagadas. Essas memórias estão aí no corpo”, instiga a cozinheira. 
 
O jantar tem início. Daniela caminha ao redor das mesas segurando uma pequena caixa de som, de onde emana uma música relaxante. Sobre a mesa, começa o envio de pratos, em pequenas porções divididas em seis tempos. O menu proposto atravessa a caminhada feita pela família de Daniela Kohn do Marrocos até os dias atuais. Ela é carioca, reside em Belo Horizonte e tem família de origem árabe. 

O MENU

Devido a tais influências, o menu tem início com um rolinho de mostarda e cuscuz marroquinho feito com grão de bico e berinjela. Antes, Daniela entrega um ramo de alecrim na mão de cada pessoa. Ela pede que os convidados coloquem as mãos sobre a mesa com as palmas viradas para cima. “Esfreguem as mãos”, sugere. “Vocês vão experimentar essa memória primitiva das pontas dos dedos”, continua a cozinheira.
 
Ela explica o passeio gastronômico que está em andamento. “Essa ordem dos pratos mostra o percurso que meus ancestrais fizeram, saindo do Marrocos, indo para o Peru e chegando até a Amazônia”, diz. Enquanto isso, o público se esforça para entender o formato e a textura do charuto, o primeiro prato servido. Uma menina passa o dedo na comida e leva à boca. As pessoas se dedicam a uma mastigação aparentemente mais cuidadosa.
 
A parte andina tematiza a próxima etapa da refeição, que reúne batata doce com tomates assados. Uma cliente passa os dedos sobre o prato para conferir se algum naco de comida restou. Ela levanta o braço para pedir ajuda, pois não está encontrando o copo de água. Um ajudante resolve o problema imediatamente. 
 
A todo instante, a cozinheira e artista incentiva que as pessoas usem o tato para compreender o que irão comer. “Brinquem com o alimento”, provoca. Fã da diversidade da mandioca, Daniela usa o tubérculo no terceiro prato, junto da castanha do Pará. O silêncio que ocupa o cômodo abre espaço para se ouvir ruídos de lambidas e mordidas. Até o salivar demonstra-se audível. “A visão é um sentido autoritário”, filosofa Daniela.

INFLUÊNCIAS ÁRABES

A família de Daniela vai se mudando até chegar ao Rio de Janeiro, e o estado fluminense a inspira a criar uma conserva de cenoura e beterraba, com biscoitos de sementes de abóbora e girassol e flor de capuchinha. Uma mulher se esforça para adivinhar qual o melhor jeito de abocanhar a receita que ela não vê. O som da mordida dá a entender que trata-se de algo crocante. 
 
A canjiquinha com cebola caramelada representa a vinda de Daniela para morar em Minas Gerais. Ela está com bebê recém-nascido e, por isso, os próximos jantares irão ocorrer sob agendamento prévio. “Pensem se esse alimento vem de muito longe ou de perto”, provoca. As reações são instantâneas. “Quê isso?”, questiona um jovem. Daniela leva óleo essencial de folha de pêssego às narinas dos comensais e os acalma. “Trabalho com sabores, texturas, sons e memória, e nisso a performance vai acontecendo”, explica a artista.
 
Encerrado o jantar, o público é apresentado aos pratos que consumiram sem ver. “Foi um convite para perceber o alimento além do sustento, como ato, tato, gosto e olfato. Foi uma experiência sensorial, artística e performática. O mistério dá tempero para a vida, acho que faz parte do jantar às escuras”, avalia a historiadora Fernanda Micoski, uma das participantes.
 
Jantar às Escuras, com Daniela Kohn
Contato: acozinhanomade@gmail.com
instagram.com/acozinhanomade 

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