Marina Mendes estava em Londres quando um vulcão entrou em erupção. Para conseguir voltar a Dresden, na Alemanha, a única opção era passar por Paris. A viagem não planejada acabou mudando a história da então advogada: ela se apaixonou loucamente pela confeitaria francesa.
“Foi algo tão forte que só pensava em trabalhar com isso”, conta a fundadora do ateliê Sá Marina, que vende doces franceses em BH. Unindo técnicas da França e ingredientes do Brasil, ela faz o que chama de pâtisserie tupiniquim.
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A vida parecia seguir sem surpresas quando Marina se jogou em direção ao desconhecido. Deixou o interior da Bahia para terminar a faculdade em uma cidade grande, BH, seguindo os passos do namorado (hoje marido).
Daqui o casal iria direto para a Alemanha. Enquanto ele se dedicaria ao doutorado, ela faria especialização em direito e estudaria alemão. Pelo menos esses eram os planos.
“Chegando à Alemanha, o mundo se abriu. Viajamos muito, para todos os países da Europa, e fiquei enlouquecida com o que via. Ia parar dentro das cozinhas dos restaurantes, conversava com os chefs, tirava fotos e anotava tudo no meu caderninho”, conta, com a mesma eloquência daquela época. A empolgação rege seu tom de voz, que ainda preserva o sotaque baiano.
Daqui o casal iria direto para a Alemanha. Enquanto ele se dedicaria ao doutorado, ela faria especialização em direito e estudaria alemão. Pelo menos esses eram os planos.
“Chegando à Alemanha, o mundo se abriu. Viajamos muito, para todos os países da Europa, e fiquei enlouquecida com o que via. Ia parar dentro das cozinhas dos restaurantes, conversava com os chefs, tirava fotos e anotava tudo no meu caderninho”, conta, com a mesma eloquência daquela época. A empolgação rege seu tom de voz, que ainda preserva o sotaque baiano.
Naquele momento, ela entendeu que confeitaria não eram só os bolos da avó. “Fiquei encantada com o que dava para fazer com manteiga, ovos, açúcar e leite. Não tinha ideia de nada daquilo. Foi uma avalanche de descobertas.”
Marina provou de tudo. Muitas vezes, deixava de almoçar para comer doces (não tinha dinheiro para os dois), mas fazia a escolha “feliz da vida”. Não saem da sua cabeça o kalter hund (versão alemã da palha italiana), os folhados turcos e os gelatos italianos.
Marina provou de tudo. Muitas vezes, deixava de almoçar para comer doces (não tinha dinheiro para os dois), mas fazia a escolha “feliz da vida”. Não saem da sua cabeça o kalter hund (versão alemã da palha italiana), os folhados turcos e os gelatos italianos.
Na França, a baiana viveu, de fato, uma paixão arrebatadora. Encantou-se com tudo: as cores, os sabores, os formatos, as receitas.
Admirava a riqueza de detalhes, a forma de apresentar os doces como se fossem joias, ao mesmo tempo em que tentava entender como eles conseguiam não usar leite condensado, ingrediente que julgava ser obrigatório. Seu sonho era levar essa confeitaria para o Brasil, mas ninguém acreditava que isso poderia dar certo.
Um ano e meio depois, ela voltou para BH e para a carreira de advogada. Marina não tinha mais aquela paixão pelo direito, nem era mais a mesma pessoa, mas insistiu. Mesmo que continuasse a ter a cozinha como refúgio.
Admirava a riqueza de detalhes, a forma de apresentar os doces como se fossem joias, ao mesmo tempo em que tentava entender como eles conseguiam não usar leite condensado, ingrediente que julgava ser obrigatório. Seu sonho era levar essa confeitaria para o Brasil, mas ninguém acreditava que isso poderia dar certo.
Um ano e meio depois, ela voltou para BH e para a carreira de advogada. Marina não tinha mais aquela paixão pelo direito, nem era mais a mesma pessoa, mas insistiu. Mesmo que continuasse a ter a cozinha como refúgio.
Nesse meio tempo, ela teve uma filha, criou um blog de receitas e abriu uma empresa de brownie e cheesecake. Até que o destino voltou a agir. O marido iria para um pós-doutorado na França e aquela era a chance de se aprofundar na confeitaria francesa.
Levou um tempo para Marina acreditar que estava vivendo seu sonho: morava em Toulouse e estudava em um centro de formação de pâtisserie. Em casa, fez vários cursos on-line e devorou livros.
Para que pudesse colocar a mão na massa, teve a ideia de presentear os amigos com doces. Logo, já começaria a se aventurar com encomendas. Sua segunda passagem pela França se encerrou com um estágio na Émily Pâtisserie, do chef Guillaume Momboisse, reconhecido com uma estrela Michelin.
Para que pudesse colocar a mão na massa, teve a ideia de presentear os amigos com doces. Logo, já começaria a se aventurar com encomendas. Sua segunda passagem pela França se encerrou com um estágio na Émily Pâtisserie, do chef Guillaume Momboisse, reconhecido com uma estrela Michelin.
Enfim, confeiteira
De volta a BH, a advogada se assumiu de vez confeiteira. Enquanto transformava o anexo da casa onde moraria, no Bairro Santo Antônio, em uma cozinha industrial, ela passou por um processo “doloroso” de adaptar as receitas para a realidade do Brasil.
“Tive que começar tudo de novo. Fiz vários testes para descobrir a farinha ideal, a melhor manteiga, o chocolate e aprender a lidar com a umidade.”
“Tive que começar tudo de novo. Fiz vários testes para descobrir a farinha ideal, a melhor manteiga, o chocolate e aprender a lidar com a umidade.”
O ateliê ganhou o nome de Sá Marina, o mesmo da música eternizada na voz de Wilson Simonal. Leve e “colorida”, como descreve a confeiteira, que sempre teve uma ligação forte com artes.
No menu, ela combina receitas clássicas da confeitaria francesa com ingredientes brasileiros. Isso explica o termo pâtisserie tupiniquim, que surgiu quando fazia estágio na França.
No menu, ela combina receitas clássicas da confeitaria francesa com ingredientes brasileiros. Isso explica o termo pâtisserie tupiniquim, que surgiu quando fazia estágio na França.
Marina percebeu que os franceses tinham muita curiosidade de conhecer produtos brasileiros e gostavam de usar nas receitas sabores que para eles eram exóticos. Lá tinha um entremet de abacaxi com rapadura da África. Rapadura, algo tão comum para a baiana, que não enxergava todo esse valor.
“Pensei: venho de um estado que tem tanta fruta maravilhosa, por que não dar chance para o cajá e o cupuaçu, em vez de usar frutas vermelhas? Comecei a ver como isso era potente.”
Com a pele morena, cabelos lisos e olhos levemente puxados, Marina sempre ouviu falar que tem uma “beleza tupiniquim”. Agora, ela brinca com a palavra, usada em referência aos seus traços indígenas, para falar da confeitaria que apresenta aos belo-horizontinos.
É francesa, sim, mas tem um delicioso sotaque brasileiro, com um tempero baiano que “apimenta” as receitas e uma mineiridade que vem, não só por morar em BH, mas pela origem da família do pai.
É francesa, sim, mas tem um delicioso sotaque brasileiro, com um tempero baiano que “apimenta” as receitas e uma mineiridade que vem, não só por morar em BH, mas pela origem da família do pai.
A confeiteira consegue levar poesia a tudo o que faz, desde os desenhos das embalagens, os ensaios fotográficos (o último inspirado em Marie-Antoine Carême, “pai” da alta cozinha francesa) até chegar aos complexos doces, com camadas que se sobrepõem e resultam em uma beleza de cair o queixo.
A baiana faz mesmo arte com as mãos (que, de tão grandes, já foram motivo de vergonha, mas hoje são seu mais valioso instrumento de trabalho).
A baiana faz mesmo arte com as mãos (que, de tão grandes, já foram motivo de vergonha, mas hoje são seu mais valioso instrumento de trabalho).
Exigente, Marina testa “milhões de vezes” cada preparo e não aceita nada menos que a perfeição. Não é à toa que chama seus doces de bijou (joia em francês). Temos que concordar, eles são preciosidades para se admirar com os olhos e com a boca.
Com esse esmero, seu plano é ajudar a elevar o nível da confeitaria brasileira. “Temos produtos maravilhosos aqui e conseguimos fazer doces com qualidade. Não precisamos ficar só no trivial”, opina.
Com esse esmero, seu plano é ajudar a elevar o nível da confeitaria brasileira. “Temos produtos maravilhosos aqui e conseguimos fazer doces com qualidade. Não precisamos ficar só no trivial”, opina.
Assim como descobriu um novo mundo ao conhecer a confeitaria francesa, Marina quer que as pessoas se surpreendam com o que tem a oferecer.
Cheia de ideias, com a técnica afiada, transbordando sensibilidade, muita delicadeza ao pensar nos detalhes e vontade de ousar, ela mostra que a mistura de França e Brasil pode ser muito mais apetitosa do que se imagina.
Parafraseando a música Sá Marina, com seu jeitinho tão faceira, a confeiteira faz o povo inteiro se deliciar.
Cheia de ideias, com a técnica afiada, transbordando sensibilidade, muita delicadeza ao pensar nos detalhes e vontade de ousar, ela mostra que a mistura de França e Brasil pode ser muito mais apetitosa do que se imagina.
Parafraseando a música Sá Marina, com seu jeitinho tão faceira, a confeiteira faz o povo inteiro se deliciar.
Cupuaçu com castanha-do-Pará
Se for para escolher um item do cardápio que melhor traduza o termo pâtisserie tupiniquim, chegamos facilmente à torta de cupuaçu com castanha-do-Pará.
O recheio entrega toda a bossa da fruta azedinha do Norte do Brasil, que Marina se acostumou a comer em forma de doce na infância, misturada com a crocância da castanha e a potência do chocolate. Na base, patê sucrée de farinha de amêndoas, um dos clássicos da confeiteira francesa.
O recheio entrega toda a bossa da fruta azedinha do Norte do Brasil, que Marina se acostumou a comer em forma de doce na infância, misturada com a crocância da castanha e a potência do chocolate. Na base, patê sucrée de farinha de amêndoas, um dos clássicos da confeiteira francesa.
Essa mesma massa, bem caramelizada e crocante, como aprendeu com os franceses, abriga outro recheio que tem uma brasilidade afetiva. Explico: o pistache aparece ao lado da laranja (em forma de bolo e geleia).
“Provei essa combinação lá na França, mas a laranja me traz lembranças do bolinho que a minha mãe fazia e da geleia que ela colocava por cima da torta de maçã”, aponta.
“Provei essa combinação lá na França, mas a laranja me traz lembranças do bolinho que a minha mãe fazia e da geleia que ela colocava por cima da torta de maçã”, aponta.
Também podemos falar do entremet de café. O ingrediente foi escolhido para homenagear o pai, que já teve fazenda na Bahia (a filha cresceu acompanhando as colheitas). Por cima de um fino disco de massa, empilham-se camadas de crocante, caramelo, ganache e creme com o sabor do ingrediente principal.
“Entremet não é bolo. A beleza dele está em colocar vários elementos de pé em uma massa tão fina que praticamente não se vê”, destaca Marina, que segue com exatidão as técnicas francesas.
“Entremet não é bolo. A beleza dele está em colocar vários elementos de pé em uma massa tão fina que praticamente não se vê”, destaca Marina, que segue com exatidão as técnicas francesas.
Ainda tem a La Tropezienne, torta que combina o frescor do Brasil, representado pelo maracujá e pela manga, com a maciez de um legítimo brioche francês.
Marina não sossega e já planeja explorar outros ingredientes brasileiros nas receitas francesas. Deu para sentir um gostinho de curiosidade quando ela cita castanha de pequi, tapioca, queijo e até brigadeiro.
Marina não sossega e já planeja explorar outros ingredientes brasileiros nas receitas francesas. Deu para sentir um gostinho de curiosidade quando ela cita castanha de pequi, tapioca, queijo e até brigadeiro.
Neste primeiro momento, a confeiteira optou por lançar clássicos franceses, mas tentando sempre fugir do comum. A massa choux, mais conhecida aqui no Brasil pelas bombas e carolinas, surge em formato de paris-brest.
Nos recheios, que podem ser de avelã com chocolate ou banana com noz pecã, ela apresenta o chamado creme praliné, a “alma da pâtisserie”. “Faço com todas as amêndoas: tosto, caramelizo, trituro e transformo em um creme que dá sabor e tem riqueza sensorial.”
Nos recheios, que podem ser de avelã com chocolate ou banana com noz pecã, ela apresenta o chamado creme praliné, a “alma da pâtisserie”. “Faço com todas as amêndoas: tosto, caramelizo, trituro e transformo em um creme que dá sabor e tem riqueza sensorial.”
Se quiser um dos doces, tem que encomendar com antecedência. Marina trabalha sozinha na cozinha, por isso a produção é limitada. Além disso, o ateliê não funciona como loja nem café, as portas se abrem só para as entregas.
“Percebi que as pâtisseries na França não têm lugar para sentar e comer e achei esse conceito muito interessante. As pessoas compram seus doces e se sentam nos parques, no passeio ou levam para comer em casa”, descreve.
“Percebi que as pâtisseries na França não têm lugar para sentar e comer e achei esse conceito muito interessante. As pessoas compram seus doces e se sentam nos parques, no passeio ou levam para comer em casa”, descreve.
As sobremesas são entregues com um cartão que decodifica suas camadas em desenhos feitos pela própria confeiteira. Assim fica fácil de identificar quais sabores e texturas te esperam na mordida.
Ali também está explicado quanto tempo antes deve-se tirar o doce da geladeira e com qual tipo de faca partir. O convite é para deixar os talheres de lado e comer com as mãos. E se lambuzar com os recheios.
Ali também está explicado quanto tempo antes deve-se tirar o doce da geladeira e com qual tipo de faca partir. O convite é para deixar os talheres de lado e comer com as mãos. E se lambuzar com os recheios.
Pain perdu
Ingredientes
14g de leite; 400g de creme de leite; 90g de gema de ovo; 55g + 2 colheres de sopa de açúcar mascavo; 3 colheres de sopa de manteiga
Modo de fazer
Esquente em uma panela o leite e o creme de leite. Em um bowl, misture as gemas e as 55g de açúcar com um fouet. Adicione aos poucos a mistura de leite e creme de leite. Corte fatias espessas de pão e mergulhe nesse creme. Derreta na frigideira a manteiga e mais duas colheres de sopa de açúcar mascavo. Em seguida, toste as fatias de pão. Vale combinar com caramelo, pasta de chocolate com avelã, doce de leite, sorvete, mousse de maracujá ou o que mais você tiver vontade.
Serviço
Sá Marina
(31) 98430-6874