Jornal Estado de Minas

VELHO CHICO

Expedição faz mapeamento gastronômico e cultural ao longo do São Francisco

Um grupo de expedicionários tem se aventurado pelas margens do Rio São Francisco com o intuito de fazer um mapeamento gastronômico e cultural das comunidades ribeirinhas. A viagem teve início na última quinta-feira (9/3) saindo da nascente do rio em Piumhi, na Serra da Canastra, Minas Gerais, e deve durar até o fim de março, quando encerra o percurso de cerca de 3 mil km na foz do curso d’água, em Alagoas.





O grupo conta com seis participantes fixos que em dois veículos 4x4 seguem o percurso do São Francisco explorando a região em um roteiro overland, que faz uso misto de estradas e trilhas em percursos pouco percorridos e que possibilitam uma imersão com as comunidades locais. Para o idealizador da expedição e chefe do restaurante Xapuri, especialista em comida mineira, Flávio Trombino, a ideia é fazer um turismo além do convencional.

“É uma experiência em que o turista interage mais com a cultura local. Ele não simplesmente se hospeda em hotéis e come em restaurantes. O turista compra os ingredientes, faz a comida dele, acampa, vai em mercados, conhece artesãos locais. É um turismo mais profundo”, afirma Flávio.

A expedição foi batizada de “Opará”, em referência a denominação que os primeiros habitantes da região deram ao Velho Chico e que significa “rio-mar”. Atualmente o grupo já passou por 8 municípios e está pela região de Januária, no Norte de Minas, prevendo passar por pelo menos outras 26 cidades de cinco estados Brasileiros: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas.




O roteiro overland foi criado pelo especialista neste tipo de expedição, Silvio Vezalli, idealizador do projeto Canastra Overland, que destacou a oportunidade que a experiência dá de expandir os conhecimentos sobre a região. 

“É um grande desafio nosso unir no roteiro um ponto de vista muito mais gastronômico, cultural, afetivo. Essa incursão permite que a gente pesquise, navegue e replique e que tenha todo tipo de interação com as regiões e suas adversidades”, explica Silvio.

Balão, comida e amigos

Apesar de grande parte do percurso da Opará ser explorado pela terra, a expedição foi iniciada pelos ares mineiros com sobrevoos de balão comandado pelo piloto Jonathan Padulla, do projeto Via Aérea Balonismo. 





O trajeto aéreo “embaralhou” a contagem da quilometragem percorrida pelos expedicionários. “No cálculo da rota começou a dar quilometragem negativa e só depois percebemos que ‘pó nós estamos andando de balão também’, então ficou uma coisa meio surreal”, comenta Vezalli.

Frango preguento com macarrão e queijo canastra (foto: Adriano Kirihara/Divulgação)
Para dar conta da operação os veículos 4x4 são equipados com uma cozinha e uma queijaria móvel, que segundo Flávio Trombino só de panela tem transportado quase 200kg. A experiência tem rendido belos e saborosos pratos como o frango preguento com macarrão e queijo canastra, criado ainda quando o grupo passava pela região da Serra da Canastra. 

“Às vezes até vamos nos restaurantes para conhecer a gastronomia local, mas intercalamos com refeições que a gente mesmo produz. A gente traz esses ingredientes e vamos cozinhando ao longo do rio”, contou o chef Flávio Trombino

Ao longo da rota o grupo também terá participações pontuais de amigos, como os produtores de queijo da região da Serra da Canastra, Guilherme Ferreira - do Capim Canastra - e Diego Martins, que irão auxiliar na criação de pratos exclusivos que buscam narrativas de cada cidade ou região em que os viajantes passarem. 




O São Francisco

Durante muitos anos o maior rio do Brasil foi uma importante rota comercial que ligava o sudeste e o nordeste, sendo estrategicamente utilizado durante a colonização devido seu deságue no Oceano Atlântico, onde hoje é a divisa entre Alagoas e Sergipe. Em 1675, por exemplo, jazidas de ouro são encontradas em afluentes do Velho Chico e amplamente exploradas por bandeirantes que o navegavam.

Silvio Vezalli mora ao lado do rio na Serra da Canastra e relata que o corpo d’água incorpora a dignidade, cultura e a história das comunidades ribeirinhas. “Ele movimenta uma outra economia que a gente nem imagina. Um dos objetivos da expedição é detalhar ao máximo a rota, a gente entra de cabeça e vê a valorização do rio nas pessoas e comunidades”, comenta.

Já o chefe Flávio ressalta que esta não é sua primeira expedição gastronômica. Aficionado por viagem e Minas Gerais, o cozinheiro já passou por quase todos os municípios do estado e, também, fez rotas até o Rio Xingu, passando por Goiás e Mato Grosso. Suas experiências são registradas no projeto “Minas de Cabo a Rabo” que traça um mapa da gastronomia, história e cultura mineira.





Para o aventureiro, o especial dessa viagem pelo São Francisco está na oportunidade de percorrer o rio em uma viagem só, conversando com as pessoas e conhecendo a região por meio de cada território. “A cada quilômetro que a gente passa a temperatura muda, a vegetação muda, e muda junto o aspecto social”, completou Flávio.

Documentário

Toda experiência da Expedição Opará tem sido registrada em fotos e vídeos pelo fotógrafo Adriano Kirihara e o diretor de cinema Gilmar Jr. No final o material será transformado em um documentário e um livro gastronômico e sociocultural, que recebem o mesmo nome da viagem. A aventura pode ser acompanhada de perto pelas redes sociais dos expedicionários.


*Estagiário sob supervisão do subeditor Diogo Finelli