Jornal Estado de Minas

COMO MANDA A TRADIÇÃO

Portugueses já estão com estoque de bacalhau garantido para a Semana Santa


Semana Santa combina com bacalhau que remete a Portugal. De tradição em tradição, os brasileiros fazem questão de comer o peixe no feriado da Páscoa e lotam os restaurantes portugueses. Chefs que fazem comida lusitana em Belo Horizonte garantem: já estão com o estoque garantido para matar a fome de bolinho de bacalhau e bacalhau à lagareiro, os pratos mais procurados.




Para dar a dimensão da importância do bacalhau para a cultura portuguesa, Cristóvão Laruça, chef do Caravela e do Capitão Leitão, brinca: você já nasce com uma lasca na boca. Lá, come-se o peixe o ano inteiro, mas, ao contrário do Brasil, a tradição está mais ligada ao Natal.

Cada região tem a sua forma de preparo. No caso dele, que vem da Costa da Caparica, vila de pescadores a 15km de Lisboa, é a couvada de bacalhau.

“Cozinhamos algumas variedades de couve (portuguesa e galega) em um grande caldeirão de barro com nabo, batata, cenoura e as postas altas de bacalhau, regadas com bastante azeite e alho”, descreve.

No dia seguinte, todos comem o que se chama de roupa velha de bacalhau. As sobras da noite de Natal se misturam e vão ao forno, transformando-se em um mexido assado.

Muito comum em Lisboa, o molho de pimentões leva sabor para o bacalhau à lagareiro do Tasca do Miguel (foto: Luciene Ferreira/Divulgação)

Por mais que tente mostrar que não se come apenas bacalhau e batata em Portugal, Cristóvão já se conformou: é isso que os brasileiros querem em um restaurante português. Mais especificamente, bacalhau à lagareiro.



“Tenho vários pratos com bacalhau no Caravela, mas o que mais vendemos é o à lagareiro. Para você ter uma ideia, ele vende o dobro do segundo prato mais pedido.”

Dá para entender a escolha da maioria. O chef desvia um pouco da tradição para incluir elementos que elevam o sabor do prato. Na sua receita, o bacalhau está acompanhado de cebolas caramelizadas (sem adição de açúcar ou manteiga), vinagrete de salsinha e pó de azeitona desidratada.

Para quem quiser variar, aí vão duas sugestões. Uma delas é o bacalhau com broa, o favorito do chef. A posta vai ao forno coberta por uma crosta de broa portuguesa, pão típico da região Minho, ao Norte do país, feito com fubá de milho e farinha de centeio. Completam o prato couve, tomate confitado e batata.

Tem também o bacalhau em creme de caldeirada, vinagrete de bochecha de porco defumada e farofa de pão de fermentação natural.

Impressionado com a saída do bolinho de bacalhau, Cristóvão arrisca dizer que os brasileiros gostam mais do petisco do que seus conterrâneos. E tem que ser quentinho. “Lá em Portugal não existe a obrigatoriedade de fritar a massa na hora. Comemos de qualquer jeito, mesmo que já esteja frio”, conta.



Só na Sexta-Feira da Paixão, o Restaurante do Porto vende uma tonelada e meia de bacalhau (foto: Restaurante do Porto/Divulgação)

O chef faz duas versões da receita portuguesa básica, com bacalhau, batata, cebola e salsa, que pode ou não ter ovos. No Capitão Leitão, a massa leva claras em neve, por isso fica mais fofinha e aerada, parecida com a de sonho. Como não tem ovos, o bolinho do Caravela é mais denso e cremoso.

Sem dúvida, a Semana Santa é a época mais movimentada nas casas de Cristóvão. Pelos seus cálculos, Sexta-feira da Paixão, Sábado de Aleluia e Domingo de Páscoa equivalem a praticamente duas semanas de trabalho.

Com isso, a quantidade de bacalhau mais que dobra, ultrapassando os 300 quilos nos dois restaurantes. Se não fizer reserva, é provável que você tenha que enfrentar fila de espera.

Outro chef de Portugal em BH, Alexandre Miguel já está abastecido para a Semana Santa. “Nunca deixamos faltar o nosso carro-chefe”, avisa, em referência ao bacalhau.



Pelo menos 60 quilos

Sim, o Tasca do Miguel é mais uma casa portuguesa da cidade lembrada pelas receitas com o peixe salgado. A expectativa do chef para este ano é servir pelo menos 60 quilos nas duas unidades do restaurante, uma no Mercado Distrital do Cruzeiro e outra no São Bento.

No Caravela, o bacalhau à lagareiro tem cebolas caramelizadas, vinagrete de salsinha e pó de azeitona desidratada (foto: Nereu Jr/Divulgação)

Como todo português, Alexandre cresceu envolvido pela cultura do bacalhau. “Estive em Portugal no fim do ano e fui ao museu do bacalhau. Lá, vemos por que ele é tão importante para os portugueses, não só como alimento, mas pelo lado financeiro”, comenta o chef, que nasceu em Lisboa e está em BH desde 2017.

Na Páscoa, porém, eram outros peixes que entravam em cena, entre eles robalo, dourado, garoupa, pargo e peixe-espada. O peixe salgado só não podia faltar na ceia natalina.

Há 23 anos trabalhando na cozinha, com passagens pela Suíça, Inglaterra e Alemanha, Alexandre trouxe para BH a cozinha tradicional portuguesa.



Já que estamos falando de bacalhau, não poderia faltar o legítimo pastel (como os portugueses chamam o bolinho). Sua receita não leva farinha, apenas peixe, batata, ovo e salsa. Fica crocante por fora e cremoso por dentro. Ligando Portugal a Minas, ele também serve os pastéis de bacalhau recheados com queijo do Serro.

Ainda nas entradas, existe a opção de pedir as punhetas de bacalhau, mistura do peixe desfiado com azeite, alho e couve.
Passando para os pratos principais, não tem como escapar do bacalhau à lagareiro, seu prato mais vendido. São, em média, 30 quilos por semana.

'Nunca deixamos faltar o nosso carro-chefe', avisa o chef Alexandre Miguel, enquanto prepara os famosos 'pastéis' de bacalhau (foto: Luciene Ferreira/Divulgação)

O chef explica que lagareiro vem de lagar, lugar onde se produz azeite. “Muitos anos atrás, esse bacalhau era feito só em azeite, o que chamamos hoje de confitado, diretamente no forno. Depois passamos a usar técnica de assar em parrilla”, detalha Alexandre, acrescentando que quase todo restaurante em Portugal tem esse tipo de grelha.



Existem mil e uma formas de fazer essa receita. Assim como aprendeu no seu país, o fundador do Tasca do Miguel assa em parrilla o bacalhau, que fica com um sabor defumado. “Brasileiro gosta desse sabor, afinal, não tem um lugar aqui que não tenha churrasco.”

Depois ele é finalizado no forno e servido com um molho de pimentões coloridos, versão muito comum em Lisboa. Para acompanhar, batatas ao murro, brócolis, alho frito e bastante azeite.

História de amor

Na década de 1960, José da Costa Duarte, o Saldanha, veio de Santa Maria do Suaçuí para BH e foi trabalhar como garçom no restaurante Tasca da Beira. Lá ele conheceu Glorinha, que nasceu em Viseu, cidade ao Centro de Portugal, irmã do dono.

Fundado em 1969, o Restaurante do Porto serve até hoje a mesma receita do bacalhau à lagareiro (foto: Restaurante do Porto/Divulgação)

“Ali surgiu uma história de amor. Os dois se apaixonaram, meu tio descobriu, mandou meu pai embora. Com as economias que ele tinha, abriu um bar, mercearia e sorveteria que se chamava Porto. Não tinha nada de português.”



Anos depois, quando Saldanha e Glorinha se casaram, eles passaram a servir bacalhoada, bolinho de bacalhau e outras receitas portuguesas.

Assim, há 53 anos, começou o Restaurante do Porto, lugar que vive intensamente a tradição da Semana Santa. Só na Sexta-Feira da Paixão, quando os pedidos ainda de manhã, eles vendem uma tonelada e meia de bacalhau (para efeito de comparação, consome-se três toneladas por mês nas duas unidades, Lourdes e Cidade Nova).

“A tradição católica ainda é muito forte no Brasil e, além disso, o nosso público tem mais de 35 anos. O que faz o restaurante ser essa potência é a memória afetiva”, aponta um dos filhos dos fundadores, Leonardo Duarte, que é veterinário, chef e administra as casas há 15 anos.

O bacalhau se desdobra em uma variedade enorme de receitas. A bacalhoada grelhada com arroz de Braga é descrita no cardápio como o prato campeão dos campeões (abocanha 80% das vendas). Grelhado no azeite, o lombo do peixe chega à mesa com arroz misturado a carne desfiada, brócolis, tomate, cebola e batatas coradas.



Bacalhau em creme de caldeirada com vinagrete de bochecha de porco defumada e farofa de pão de fermentação natural, servido no Caravela (foto: Nereu Jr/Divulgação)

Depois desse, é o bacalhau ao Porto que mais atrai olhares famintos. O peixe vai ao forno com camarão, brócolis, batatas, cebola, tomate, açafrão e, claro, bastante azeite.

Há dois meses, a casa acrescentou uma novidade no cardápio. “Em outubro, quando estive em Portugal, conheci o prato Figueira da Foz, com bacalhau cozido no vapor, deitado em molho caseiro de tomate com camarões grandes, purê de batata, molho branco e gratinado com muçarela”, explica.

Na Pizzaria do Porto, outro negócio da família, tem pizza com pedaços de bacalhau, molho de tomate, muçarela, alho fatiado e tomate em rodelas.

Leonardo usou seus conhecimentos como veterinário para desenvolver um tanque de dessalga com água triplamente filtrada. Dessa forma, impede a proliferação de bactérias e o peixe fica sem odor (o que costuma incomodar quem não gosta de bacalhau).



Outro “segredo” da casa é usar apenas azeite português, na cozinha e nas mesas. Para ele, “é o melhor que tem no mundo”.

Nesta Páscoa, eles estão reforçando a equipe de entrega para que os clientes que não quiserem enfrentar fila de espera possam fazer o pedido pelo delivery.

Bacalhau à lagareiro (Restaurante do Porto)

Ingredientes
600g de bacalhau dessalgado; 1 pimentão vermelho; 1 pimentão amarelo; 2 tomates; 3 batatas; 2 dentes de alho; 1 cebola; 500g de azeite; pimenta-do-reino e sal a gosto; salsa, azeitonas pretas e ovo cozido

Modo de fazer
Corte todos os legumes. Em uma assadeira funda, coloque o bacalhau no centro com todos os ingredientes ao seu redor. Acrescente todo o azeite. Adicione duas pitadas de sal e duas pitadas de pimenta-do-reino em cima dos legumes. Cubra a assadeira com papel-alumínio e leve ao forno por 45 minutos a 180 graus. Retire o papel-alumínio e volte ao forno por mais 15 minutos a 200 graus. Decore o prato com ovos cozidos, azeitonas pretas e salsa picadinha.

Serviço

Caravela
@caravelabh
(31) 99585-5804

Capitão Leitão
@capitaoleitaobh
(31) 98313-9877

Tasca do Miguel
@tascadomiguel
(31) 99923-3844

Restaurante do Porto
@restaurantedoportooficial
(31) 3482-9870