Um chef pouco conhecido, um bairro que não está na rota gastronômica, um serviço exclusivo de menu degustação. No momento em que celebra seu primeiro aniversário, o Per Lui já está integrado à cena de Belo Horizonte. Localizado no Bairro Serra, é um dos únicos restaurantes da cidade que não se rendeu ao à la carte. Mais que isso, os pratos mudam de três em três meses. A estratégia dá um gás na criatividade do jovem Yves Saliba, que desponta na cozinha.
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“Cozinha é mutável, não é fixa. Todo dia aparece uma técnica nova, sou influenciado por referências novas e não dá para ficar enrijecido. Gosto de trocar o menu em um prazo menor até para aproveitar as estações do ano e também para ter a chance de criar pratos melhores.”
“Cozinha é mutável, não é fixa. Todo dia aparece uma técnica nova, sou influenciado por referências novas e não dá para ficar enrijecido. Gosto de trocar o menu em um prazo menor até para aproveitar as estações do ano e também para ter a chance de criar pratos melhores.”
Felicidade para o chef é ir para a cozinhar fazer testes. Yves diz não ser um cozinheiro de receitas, aprendeu a pesquisar ingredientes e descobrir, na prática, como eles podem ser transformados.
“Não sou um cara do cotidiano enrijecido, pelo contrário. A rotina é exaustiva para mim. Preciso o tempo todo criar, testar, errar e aprender com o erro”, aponta. A verdade é que não basta ser criativo, tem que suar, literalmente, para fazer uma comida longe do trivial.
“Não sou um cara do cotidiano enrijecido, pelo contrário. A rotina é exaustiva para mim. Preciso o tempo todo criar, testar, errar e aprender com o erro”, aponta. A verdade é que não basta ser criativo, tem que suar, literalmente, para fazer uma comida longe do trivial.
No fim, ele está sempre em busca de sabores novos e únicos, que consigam surpreender quem está à mesa. E não se cansa dessa busca.
“O nosso objetivo é ser um restaurante de criação. Estudamos muito para criar cada menu e nos esforçamos para entregar pratos que não são óbvios”, comenta o chef, que inclui no processo criativo seu sócio, o médico Victor Hugo Barcelos. De noite, como maître do restaurante, ele cuida para que o serviço seja impecável.
“O nosso objetivo é ser um restaurante de criação. Estudamos muito para criar cada menu e nos esforçamos para entregar pratos que não são óbvios”, comenta o chef, que inclui no processo criativo seu sócio, o médico Victor Hugo Barcelos. De noite, como maître do restaurante, ele cuida para que o serviço seja impecável.
A inspiração para este último menu, com 10 tempos, vem de Portugal. Yves voltou ao Oceanário de Lisboa para rever a exposição “Florestas Submersas”, do japonês Takashi Amano, que é fotógrafo e aquapaisagista.
Em destaque, um aquário gigante com plantas que formam uma floresta tropical debaixo d’água. O chef conta que sentiu uma paz tão grande ao olhar para aquela paisagem exuberante que decidiu mergulhar no universo do artista.
Em destaque, um aquário gigante com plantas que formam uma floresta tropical debaixo d’água. O chef conta que sentiu uma paz tão grande ao olhar para aquela paisagem exuberante que decidiu mergulhar no universo do artista.
Logo, veio a ideia de se voltar para a natureza. Não que o menu seja vegetariano, mas ele reverencia os vegetais. O primeiro prato principal não tem como protagonista o que se espera. Em vez de um pedaço de carne, uma folha de acelga.
A verdura passa por tantos processos que deixa de ser uma simples folha. Fica submersa em uma pasta com pimenta coreana, alho, gengibre e cebolinha para começar uma fermentação, como se fosse virar kimchi (conserva de legumes típica da Coreia), o que resulta em uma leve acidez.
Depois, é grelhada na brasa. Quando chega à mesa, está com as pontas chamuscadas e sabor de churrasco. Completam o prato farofa de pururuca de porco e creme de castanhas com amendoim.
Depois, é grelhada na brasa. Quando chega à mesa, está com as pontas chamuscadas e sabor de churrasco. Completam o prato farofa de pururuca de porco e creme de castanhas com amendoim.
Passemos para a salada de cogumelos, que entrega uma mistura encantadora de cores, texturas e sabores.
Yves trabalha com cogumelos menos conhecidos, entre eles salmão, shimeji amarelo, juba-de-leão e castanho. Isso influencia, não só a estética, mas também as sensações na boca. O juba-de-leão chama a atenção pela suculência, enquanto o castanho é levemente apimentado.
Yves trabalha com cogumelos menos conhecidos, entre eles salmão, shimeji amarelo, juba-de-leão e castanho. Isso influencia, não só a estética, mas também as sensações na boca. O juba-de-leão chama a atenção pela suculência, enquanto o castanho é levemente apimentado.
Os cogumelos são banhados por leite de amêndoas e óleo de coentro, servidos na mesa. Ainda entram no prato avelã torrada, milho torrado, cebola roxa, gengibre e tomate. Para arrematar, uma vistosa folha de vinagreira, que não entra só para enfeitar. Entrega um toque de acidez muito bem-vindo. O resultado é uma salada leve e refrescante.
O momento mais interessante do menu envolve um pedaço de melancia. Sim, a fruta que muitos podem achar sem graça, mas que cria uma experiência intrigante. Primeiro porque você não sabe que vai comer uma melancia.
Jogo de cena
O chef se aproxima da mesa para dizer que, como se inspirou em um artista japonês, traz algo da sua cultura para a mesa. E mostra uma caixa de madeira, comum em restaurantes do Japão, com semente de abóbora, caviar de teriaki e sashimi.Toda essa cena acaba nos levando a acreditar que estamos diante de um peixe. Recebemos um hashi para comer o prato. O formato é de sashimi e a cor vermelha pode facilmente ser associada ao atum. Na boca, sentimos uma textura firme de carne e, acreditem, sabor de mar.
Só depois vamos saber que comemos sashimi de melancia. A fruta é desidratada, assada e saborizada com alga nori. A flor de sal entra no fim, reforçando o gosto de mar.
“A melancia nem de longe é o preparo mais delicioso do menu, mas está ali para te intrigar e te fazer refletir. Cozinha também tem essa função e o menu degustação é excelente para isso.”
“A melancia nem de longe é o preparo mais delicioso do menu, mas está ali para te intrigar e te fazer refletir. Cozinha também tem essa função e o menu degustação é excelente para isso.”
A etapa do ovo segue a mesma lógica. Você espera uma coisa e sente outra, completamente diferente. O garçom coloca na mesa uma casca de ovo aberta, apoiada em musgos que formam um ninho. No primeiro contato com a boca, caímos na real de que ali não tem nada de ovo.
Yves explora a gastronomia molecular para brincar com as nossas certezas. A “gema” é um gaspacho (sopa fria espanhola) de tomate encapsulado e a espuma de burrata faz as vezes da clara. Por cima, pimenta-do-reino e manjericão moídos na hora.
Visualmente, a sobremesa é o prato que mais lembra o aquário de Takashi Amano. O chef reúne frutas tropicais, que remetem à floresta subaquática em exposição. São elas manga, maracujá e coco.
Os ingredientes formam um contraste de cores, que se complementam com o manjericão, escolhido para levar o frescor e o verde da floresta.
Preparos diferentes criam um ambiente de natureza. O sponge cake (pão de ló), assado no micro-ondas, infla e fica com aspecto de coral. Já o gel (feito a partir do suco concentrado das frutas) tem um brilho que lembra água.
Preparos diferentes criam um ambiente de natureza. O sponge cake (pão de ló), assado no micro-ondas, infla e fica com aspecto de coral. Já o gel (feito a partir do suco concentrado das frutas) tem um brilho que lembra água.
Também vemos no “aquário” doce cremes, ganaches e lascas de coco caramelizadas e enroladas como flor.
Encontro de coragem
A história do Per Lui começou no hospital. Yves Saliba havia sido internado com um quadro grave de COVID-19 e Victor Hugo Barcelos trabalhava na UTI. Hoje, mais que paciente e médico, eles são chef e maître, sócios que se uniram pela gastronomia mineira.
“A nossa história comove as pessoas, mas sempre falo que esse é um encontro de duas pessoas corajosas, que abriram um restaurante em um bairro que não é badalado e decidiram servir menu degustação”, comenta Yves.
“A nossa história comove as pessoas, mas sempre falo que esse é um encontro de duas pessoas corajosas, que abriram um restaurante em um bairro que não é badalado e decidiram servir menu degustação”, comenta Yves.
Nesse um ano, eles só têm motivos para comemorar. O público aprovou a proposta (muitos voltam para comer o mesmo menu) e se abre para as invenções.
“No geral, vejo uma evolução a cada menu. Vamos ganhando confiança para arriscar mais e fazer coisas que antes não fazíamos”, avalia o chef. “A melancia, por exemplo, é algo completamente inusitado, inclusive para mim.”
“No geral, vejo uma evolução a cada menu. Vamos ganhando confiança para arriscar mais e fazer coisas que antes não fazíamos”, avalia o chef. “A melancia, por exemplo, é algo completamente inusitado, inclusive para mim.”
Alguns pratos já marcaram a história do restaurante, tanto para a equipe quanto para os clientes. Yves não titubeia ao falar que um dos melhores que já serviu foi o peixe trilha cozido no vapor com espuma de moqueca, telha de coentro e sorvete de banana-da-terra assada, do primeiro menu.
O chef derrubou a ideia de que peixe não combina com quase nada com um preparo gelado, e agradou.
O chef derrubou a ideia de que peixe não combina com quase nada com um preparo gelado, e agradou.
Do segundo menu, o mil-folhas de beterraba defumada está na lista dos inesquecíveis.
“Todo mundo conhece o sabor que a beterraba tem, mas fizemos tantos processos, inclusive defumá-la na manteiga, que, quando você colocava na boca, sentia gosto de queijo parmesão. Chegamos a um sabor único”, relembra. O mil-folhas era finalizado com creme de queijo de cabra.
“Todo mundo conhece o sabor que a beterraba tem, mas fizemos tantos processos, inclusive defumá-la na manteiga, que, quando você colocava na boca, sentia gosto de queijo parmesão. Chegamos a um sabor único”, relembra. O mil-folhas era finalizado com creme de queijo de cabra.
A parceria de Yves e Victor deu tão certo que eles já se preparam para abrir outro restaurante juntos. Nos últimos meses, o chef vem mudando seu estilo de vida e de alimentação (um dos motivos é que vai ser pai) e teve a ideia de fazer comida natural e saudável.
O novo negócio será em uma casa de dois andares na Rua Pernambuco, quase esquina com Santa Rita Durão, na Savassi. Previsto para inaugurar em julho, terá funcionamento diurno, apenas no horário do almoço.
O novo negócio será em uma casa de dois andares na Rua Pernambuco, quase esquina com Santa Rita Durão, na Savassi. Previsto para inaugurar em julho, terá funcionamento diurno, apenas no horário do almoço.
Salada de cogumelos com avelã, leite de amêndoas e óleo de coentro
Ingredientes
200g de amêndoas laminadas; 400g de água gelada; 6g de sal; 1 molho (aproximadamente 60g) de coentro; 100ml de óleo; 2g de sal; 45ml de suco de limão; 135ml de azeite; 1g de sal; 350g de cogumelos variados; 60g de cebola roxa; 30g de gengibre; 90g de tomate-cereja; 50g de avelãs torradas; 50g de milho torrado; 5g de coentro picado; 4g de sal
Modo de fazer
Para o leite de amêndoas, deixe as amêndoas laminadas de molho por aproximadamente 24 horas na geladeira. Descarte a água e processe no liquidificador com água gelada e sal. Coe e reserve. Para o óleo de coentro, branqueie as folhas do coentro em água fervente por aproximadamente 15 segundos e resfrie imediatamente. Após esse processo, bata com óleo e sal no liquidificador e coe na sequência. Para o molho citronete, misture o suco de limão, azeite e sal manualmente até ficar homogêneo. Reserve. Pique os cogumelos em tamanhos variados, a cebola em cubos pequenos e o tomate-cereja com semente em cubos. Misture com gengibre, avelã, milho, coentro, sal e 50g de citronete. Na hora de servir, coloque a salada ao centro do prato e derrame o leite de amêndoas e o óleo de coentro.
Serviço
Per Lui
Rua Muzambinho, 608, Serra
(31) 98365-9397