Jornal Estado de Minas

EXEMPLO DE MÃE

Dia das Mães: histórias de mães e filhos que trabalham juntos na cozinha


Ele chega com as ideias, ela pensa nas técnicas. Ele sonha como artista, ela tem o pragmatismo da ciência. Ele é o lado da criatividade, ousadia e inovação, ela trabalha com precisão, metodologia e padronização. Estamos falando de Américo Piacenza, de 48 anos, chef do restaurante Cantina Piacenza, e de Mirtes Piacenza, de 80, fundadora da casa de massas artesanais que leva o seu nome. Mãe e filho, parceiros na vida e na cozinha, eles se complementam nas diferentes formas de criar receitas.





 
Neste domingo de Dia das Mães, você vai conhecer histórias de quem tem a mãe como primeira – e principal – referência na cozinha. Mirtes é o grande exemplo de Américo, assim como Agnes Farkasvölgyi inspira sua filha Camilla, também chef, a ser cada dia melhor.

Mirtes aprendeu a cozinhar depois que se casou com Santiago, e a cozinha acabou virando seu trabalho. Formada em educação física e sociologia, ela largou a vida acadêmica para ficar mais em casa e cuidar dos quatro filhos. Mais que o sobrenome, ela herdaria da sogra, a italiana Francisca, a mão boa para comida.

“Mamãe não sabia nem fazer compras, só que é muito aplicada, anotava tudo no caderno de receitas, foi fazendo de forma muito perfeccionista e assim aprendeu a cozinhar”, conta Américo.

O filho cresceu vendo a mãe fazer massas para vender na cozinha de casa. O freezer horizontal comprado pelo pai, que existe até hoje, além de armazenar o que se produzia, servia como bancada. O varal de roupa também era usado para secar fettuccines e pappardelles.



“Mamãe me pedia para desfiar frango, ralar queijo e fazer massa e nesse ambiente fui começando a entender e gostar de cozinha.” Dez anos depois, Mirtes saiu do apartamento para montar uma cozinha de produção.

Na época de fazer faculdade, como não existia curso superior de gastronomia, Américo se matriculou em turismo. Mas ele direcionou os estudos para o que gostava: a cozinha.

Fez estágio em vários restaurantes, como Vecchio Sogno e Taste Vin, e participou do início do festival de gastronomia de Tiradentes como voluntário, oferecendo ajuda aos chefs estrangeiros. Quando voltava, usava a cozinha e o conhecimento da mãe para replicar os menus.

“Mamãe sempre foi minha incentivadora. Quando você está começando, erra muito. Depois, com o tempo, vai começando a acertar mais e errar menos. Nesse período em que errava muito, ela nunca me desanimou. Até hoje é uma pessoa empolgada com tudo, com a vida, tem muita energia”, aponta o chef, que morou dois anos na França e chegou a trabalhar com Mirtes na fábrica de massas antes de abrir o seu restaurante, Cantina Piacenza, em 2008, seguindo o exemplo e os ensinamentos da mãe.



Lasanha à bolonhesa: essa é a receita da mãe que mais emociona o chef da Cantina Piacenza (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)

Américo diz que aprendeu tudo com Mirtes. Para começar, o amor pela cozinha, a dedicação ao trabalho e o cuidado de acompanhar todo o preparo da comida. “Mamãe me ensinou a experimentar o que está fazendo. Se você não acompanhar o processo, a comida não vai ficar boa no fim, é uma construção.”

Com ela, ele também aprendeu uma regra simples: antes de inventar, domine a técnica, ou seja, entenda por que se faz daquele jeito antes de querer fazer diferente.

Cada um tem o seu negócio, mas eles nunca deixaram de criar pratos juntos. Não é só porque muitas massas produzidas por Mirtes são servidas no restaurante de Américo. Dividir momentos na cozinha é um prazer, uma forma de um se sentir mais próximo do outro. “Ainda hoje vivemos uma simbiose, uma parceria de muito respeito e admiração”, comenta o filho.

A quatro mãos

Um dos hits do cardápio de massas, o fagottini de frango defumado foi criado a quatro mãos. “Conseguimos elevar o sabor de uma carne popular para criar um prato bem sofisticado. Fazemos um creme de milho, acrescentamos bacon e provolone para dar mais força no defumado e servimos com um molho branco super clássico e um molho de tomate”, descreve Américo.



Segundo ele, esse é um prato que carrega muito das influências da avó Francisca, que nunca foi uma italiana purista.

Entre as receitas que Agnes e Camilla Farkasvölgyi criaram juntas, estão a lasanha de pupunha e taioba com creme de bacalhau, pimentões e azeitonas (foto: A Casa da Agnes/Divulgação)

Recentemente, mãe e filho desenvolveram o agnolotti de javali com dois molhos: bechamel e de jabuticaba. A massa, que pode ser comparada a um capeletti grande, tem listras vermelhas e verdes em referência às cores da bandeira da Itália. A ideia partiu de Américo, fã de carnes de caça, e Mirtes quebrou a cabeça para que o resultado ficasse lindo e saboroso.

No dia a dia, quando quer se sentir abraçado pela mãe, o chef corre para a lasanha à bolonhesa. A massa sempre mexe com o seu coração. “A lasanha à bolonhesa da mamãe até hoje me emociona. É uma receita muito simples, mas tem o sabor que procuro quando quero me sentir bem e confortável”, explica. Coincidência ou não, é uma das massas mais pedidas no restaurante.

A lasanha de Mirtes, que vem de uma receita da avó italiana, não leva presunto nem muçarela. Intercalados entre camadas de massa artesanal, estão um molho bechamel denso e o clássico bolonhesa, feito com carnes de boi e porco, muitas ervas e tomate, que ficam quase oito horas na panela cozinhando lentamente.



Com toda a simplicidade, esse prato representa bem o que Américo aprendeu com a mãe: cozinha é amor e sabor, um ofício que exige tempo, capricho e dedicação.

Mesmo caminho

“Se não fosse por ela, não teria encontrado o que amo fazer”, reconhece a chef Camilla Farkasvölgyi, de 35 anos, ao falar da mãe, Agnes, de 60, fundadora do bufê Bouquet Garni e do restaurante A Casa da Agnes. “Comecei a amar gastronomia por causa da mamãe. Ela é um exemplo pra mim. Reúne as pessoas na mesa e transmite todo o afeto através de uma comida linda e deliciosa.”

A mais recente criação de Mirtes e Américo Piacenza é o agnolotti de javali com molhos bechamel e de jabuticaba (foto: Renan Lameu/Divulgação)

Desde pequena, Camilla ia para bufê com Agnes e acompanhava a movimentação intensa dos cozinheiros. Em um dos eventos, ela se viu em uma cozinha “gigante”, com caldeirões que deviam ter o seu tamanho.

Em casa, sempre tinha um prato diferente. Tanto que a comida afetiva para a filha é o salmão defumado com molho hollandaise e aspargos da mãe.

Camilla tentou desviar do caminho da cozinha, chegou a cursar turismo e moda, mas não teve jeito: ela se encontrou mesmo na gastronomia.



“Mamãe me incentivou a ser o que quisesse, nunca botou pressão. Mas, a partir do momento em que falei que queria fazer gastronomia, ficou muito feliz e me encheu de livros.” Enquanto fazia faculdade, ela era assistente da mãe nas aulas de gastronomia.

Há três anos, desde que Camilla assumiu como chef do restaurante, mãe e filha passaram a dividir o trabalho na cozinha. Muitas receitas elas criam juntas. Como exemplo, a lasanha de pupunha e taioba com creme de bacalhau, pimentões e tapenade de azeitonas.

“Mamãe tinha um prato que amava, com bacalhau confitado, pó de azeitona, mandioca e creme de pimentão. Decidimos transformar esse prato em uma lasanha, só que mais leve. Por isso, trocamos a massa de farinha de trigo por pupunha e taioba”, detalha Camilla, que direciona sua cozinha para receitas saudáveis e começou a fazer faculdade de nutrição.



'Ainda hoje vivemos uma simbiose, uma parceria de muito respeito e admiração', declara-se Américo Piacenza para sua mãe, Mirtes (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)

Pelo fato de ser artista, Agnes ousa nas ideias e faz experimentações. Por outro lado, Camilla, mais metódica, trabalha com listas e planilhas. Nessa convivência, sempre há espaço para troca de afeto e experiências.

“Ela vem com todo o conhecimento e eu ofereço tranquilidade. Ela me dá segurança, conforto e afeto e eu sou uma parceira para o que precisar. Trabalhando juntas, uma é o apoio da outra.”

Lasanha de pupunha e taioba com creme de bacalhau, pimentões e azeitonas (Agnes e Camilla Farkasvölgyi)

Ingredientes
  • 500g de bacalhau desfiado dessalgado
  • 200ml de creme de leite fresco
  • 1 cebola
  • ½ dente de alho
  • 100 ml de azeite
  • sal e pimenta-do-reino a gosto
  • 2 pimentões vermelhos
  • 200ml de creme de leite fresco
  • sal e pimenta-do-reino a gosto
  • ½ xícara de azeitonas pretas sem caroço
  • 1 dente de alho picado
  • ½ colher de sopa de cebola picada
  • 2 filés de anchova
  • ½ colher de sopa de alcaparras
  • 1/3 xícara de azeite
  • tomilho seco e pimenta caiena a gosto
  • 16 folhas de pupunha laminadas
  • 16 fatias de folhas de taioba cortadas
  • 12 fatias de muçarela de búfala 

Modo de fazer
Regue uma frigideira com um pouco de azeite e refogue a cebola e o alho. Adicione o bacalhau desfiado e o creme de leite fresco. Tempere com sal e pimenta-do-reino.

Leve o pimentão ao fogo e vá virando à medida que queimar. Coloque o pimentão em um saco plástico e feche por 10 minutos. Leve o pimentão na água corrente e tire a casca queimada. Processe o pimentão e reserve. Bata o creme de leite até virar chantili e misture o pimentão processado. Tempere.



Para a tapenade, bata no processador as azeitonas com alho, cebola, anchova, alcaparras, azeite, tomilho e pimenta caiena.

Coloque um pouco de azeite num recipiente que possa ir ao forno. Comece colocando a folha de pupunha e sobre ela a folha de taioba. Em seguida, cubra com o creme de bacalhau e coloque mais uma folha de pupunha e outra de taioba.

Coloque a fatia de mussarela e o creme de pimentões. Repita o processo anterior mais uma vez.

Finalize a lasanha com mais uma fatia de muçarela e salpique a tapenade de azeitonas. Leve ao forno pré aquecido a 180°, por 15 a 20 minutos, ou até gratinar.

Serviço

Cantina Piacenza (@cantinapiacenza)
Rua Rio Grande do Sul, 1236, Santo Agostinho
(31) 98426-5440

Mirtes Piacenza Massas Artesanais (@massasmirtes)
Rua dos Aimorés, 2390, Lourdes
(31) 3335-6092

Bouquet Garni (@bouquetgarni) e A Casa da Agnes (@acasadaagnes)
Rua Paulo Afonso, 833, Santo Antônio
(31) 98738-7066