Jornal Estado de Minas

REFÚGIOS EM BH

No quintal: bares e restaurantes dão a sensação de estar longe da cidade

Um oásis no meio da cidade. No Cozinha Trop, você se sente como se estivesse bem longe de BH. O restaurante fica no quintal de uma casa dos anos 1970, onde funciona o coworking Trop, e faz divisa com o Parque Julien Rien, no Bairro Anchieta, por isso é cercado de natureza. Uma enorme mangueira emoldura o espaço ao ar livre, que se beneficia da luz do sol. O silêncio só é quebrado pelo som dos pássaros e da música ambiente. Praticamente todos os dias, micos aparecem para fazer uma visita.





“Aqui é um cantinho longe da loucura da cidade, com um clima descontraído e familiar, onde as pessoas se sentem em casa. Sou eu quem estou na cozinha e a minha mãe comanda o salão”, comenta o chef Pedro Barros.

Terapeuta ocupacional e artista plástica, Juliana Barros entrou para dar uma ajudinha e virou figura indispensável no restaurante. Ela está sempre aberta para uma conversa e chama os clientes habitués pelo nome, o que deixa o ambiente ainda mais familiar.

Pedro era estudante de direito quando decidiu estudar gastronomia em Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina. Como gosta de peixe e frutos do mar, rodou quase todos os japoneses da cidade.
 
Camarão com creme de abóbora, arroz de coco e farofa de castanha (Cozinha Trop) (foto: Laura Rath/Divulgação)
Voltou para BH pelo desejo de ter uma experiência profissional com a cozinha mineira. Aqui fiz estágio no Vecchio Sogno e no Glouton, onde trabalhou por dois anos. O chef ainda ajudou Leo Paixão a desenvolver o projeto do Nico Sanduíches.




 
No fim de 2019, o Cozinha Trop foi inaugurado. A ideia era trabalhar somente com almoço, de segunda a sexta, sem cardápio fixo, mas, com a chegada da pandemia, tudo mudou.
 
“Comecei a fazer sanduíches especiais e as pessoas que vinham buscar falavam que seria gostoso passar o dia inteiro aqui no quintal. Quando comecei a abrir no sábado, foi uma virada de chave, mudamos completamente.”
 
Os números não mentiam: ele vendia em um dia mais do que na semana inteira. Logo, passou a abrir no domingo e a mudança impulsionou sua criação, o que resultou em um cardápio a la carte criativo e mais ousado. Essa virada acabou atraindo um novo público.

“Hoje os clientes não são mais só quem trabalha por perto, os clientes vêm de vários lugares porque gostam da comida.”

As pessoas se surpreendem quando encontram no quintal a comida de Pedro. O chef explora toda a sua criatividade no cardápio fixo, que, apesar de bem enxuto (são sete petiscos e cinco pratos), tem um toque diferente aqui, uma ousadia ali.



“Pego minhas referências, as coisas que gosto, que me emocionam e tento transformar em uma comida de quintal. A minha cozinha é autoral, mas não tem pretensão de ser vanguardista. Quero que as pessoas comam e se sintam bem.”

Sempre com novidades

O menu é fixo, mas nem tanto. Os pratos mudam a cada dois meses, para que os clientes possam sempre encontrar novidades. O almoço executivo continua, mas com uma única opção por dia.

O queridinho do cardápio é o pastel de queijo com taioba. As folhas saem da horta do restaurante direto para o recheio. “É uma receita simples, mas as pessoas se surpreendem, não imaginam que vai ficar gostoso. Acho que a taioba equilibra e traz leveza”, analisa. Para acompanhar, um molho de melado picante.



Tostada de tomate assado com açafrão, pasta de pimentão, coalhada seca temperada e presunto cru artesanal (Zuzunely) (foto: Zuzunely/Divulgação)

Nem a batata frita é comum. Chega à mesa com chantili salgado com um toque de limão.

Sua paixão por peixes se revela no prato com uma truta inteira grelhada. Ao lado, o chamativo purê de cenoura defumada, a crocante farofa de limão e o curioso picles de manga verde.

“Teve um dia em que ventou muito e as mangas verdes começaram a cair. Fiquei pensando em como usar e os picles ficaram muito interessantes.” As finas fatias da fruta ficam firmes, translúcidas e com um sabor avinagrado. Quando tem manga madura, elas viram geleia para acompanhar o torresmo de barriga.

O mar também está presente no cardápio. O arroz de polvo cozido no caldo do próprio polvo vem com a surpresa do tentáculo frito por cima. Inspirado na abóbora com camarão que a mãe fazia no seu aniversário, ele serve camarão com creme de moranga, arroz de leite de coco e farofa de castanha.



Para agradar quem gosta de carne, o chef criou o certeiro medalhão de filé ao molho roti com arroz cremoso de queijo canastra e chips de cará. É o prato mais vendido.

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A barriga de porco pururuca se junta aos picles de cebola roxa e feijão mungo (verde). Por ser finalizado com molho roti e melaço, fica meloso e um pouco adocicado. Já o quibe de abóbora com salada morna de feijão-fradinho e chips de tubérculos é uma criação para os veganos e vegetarianos.

Sem pressa pra comer

A cidade também tem um quintal para tomar café e comer pães artesanais. O Zuzunely funciona nos fundos de uma casa no Bairro Serra, onde se veem pé de amora, abacateiro, flores e muitas plantas.

O lugar foi escolhido por ter ligação com o conceito do espaço e a história de Bruna Haddad. Zuzunely é uma junção dos nomes das suas duas avós. Nely morava em uma casa com quintal enorme, onde a chef cresceu, e elas sonhavam, juntas, em transformá-lo em um restaurante.



Língua de boi regada com molho de cerveja preta e alcaparras, tomate e picles de mostarda (Bença Bençoi) (foto: Victor Schwaner/Divulgação)

“Quintal é um ambiente aconchegante, com um clima descontraído, tem sol, mas também tem ar fresco. Como estamos atrás da casa, sem contato com a rua, você tem a sensação de que está fora da cidade”, destaca Bruna, que gosta de criar pratos para saborear com calma e aproveitar o quintal. Lá não é um lugar para comer e ir embora.

O menu hoje é todo voltado para brunch, servido presencialmente aos sábados e domingos. Durante a semana, a casa se concentra na produção e retirada de encomendas.

Entre os sucessos, estão o sanduíche de waffle de pão de queijo com lombo defumado, cream cheese e goiabada, além das panquecas em formato de bolinhas com raspas de laranja, morango, mirtilo e mel e o muffin de mirtilo com limão siciliano e chocolate branco. Nenhum deles pode sair do cardápio.

Na categoria de tostadas, a chef destaca a de tomate assado com açafrão, pasta de pimentão, coalhada seca temperada e presunto cru artesanal.

Para fazer jus à proposta de cardápio itinerante, Bruna vai incluir agora a tostada de salmão defumado, tomate ralado com balsâmico, muçarela de búfala fresca e molho de basílico com laranja.




Casa de avó

Em uma casa de esquina no Bairro Lagoinha, fica o bar Bença Bençoi. Ao subir as escadas, você encontra um pequeno portão que dá acesso ao quintal, com pés de jabuticaba, acerola, limão e mexerica e mesas e cadeiras coloridas.

Uma enorme mangueira emoldura o espaço ao ar livre do Cozinha Trop, inaugurado no fim de 2019 (foto: Laura Rath/Divulgação)

Os drinques são preparados dentro de uma Kombi azul e branca, o palco tem formato de coreto de praça e objetos antigos, como um moedor de carne, enfeitam as paredes. Tudo para remeter ao passado que deixou saudades.

“Sempre achei que quintal traz aconchego, tem cara de casa de vó e também é um lugar para ficar à vontade, alegre e se divertir”, aponta o idealizador do bar, Marcelo Doche, que é fisioterapeuta e tem muitas lembranças no quintal da casa da sua avó.



O nome vem de um cumprimento comum na família da sua esposa e sócia, Cynara Gomes, e tem tudo a ver com interior, casa antiga e comida de vó. 

Desde que decidiu abrir um bar, há um ano e meio, Marcelo tinha em mente que era obrigatório não ser na Zona Sul. Além de enxergar que a região já está saturada, ele queria suprir a falta de lugares atrativos fora do eixo gastronômico da cidade.

Ao ocupar a casa na Lagoinha, construída nos anos 1960, o fisioterapeuta acabou desbravando um ponto de pouco comércio da Rua Diamantina. Nesse tempo, outros dois bares começaram a funcionar nas proximidades.

Drinque Mestre Conga (cachaça, Campari, vermute tinto, bitter de laranja, doce de figo e queijo Minas), do Bença Bençoi (foto: Maju Braz Fotografia/Divulgação)

O cardápio une todas essas referências. Por estar localizado em um bairro que tem uma história boêmia, o bar se volta para tira-gostos e bebidas tradicionais de BH, que aparecem com uma roupagem diferente.

Ao mesmo tempo, tanto a comida quanto os drinques entram no clima de casa de vó, valorizando ingredientes e receitas que se conectam a uma cozinha afetiva.

“O Bença me remete ao que vivi na infância. Fui muito próximo das minhas duas avós, elas eram cozinheiras de mão cheia, faziam doces e biscoitos. Então, na hora em que vi o quintal, resolvi juntar a minha memória afetiva com o paladar mineiro e o imaginário da região da Lagoinha”, explica o experiente bartender Conrado Salazar, que “dirige” a Kombi de onde saem os drinques.



Conrado pensou como seria se a sua avó estivesse criando as receitas. Por isso, ele usa ingredientes como doce de laranja, licor de jabuticaba, café e goiabada.

Abóbora no copo

O purê cítrico de abóbora com especiarias, que entra no Moranguinha, lembra o doce de abóbora da casa da avó. A versão do negroni de lá tem cachaça no lugar do gim e um espetinho com doce de figo e queijo minas.

Os drinques foram batizados com os nomes de personagens que fizeram história na região da Lagoinha, entre eles Hilda Furacão, Mestre Conga, Cintura Fina e a lenda urbana Loira do Bonfim.

'Aqui é um cantinho longe da loucura da cidade', diz o chef Pedro Barros, de frente para o arroz de polvo com tentáculo crocante (foto: Laura Rath/Divulgação)

Quem prepara os petiscos é a chef e sócia Arlete Terezinha, que sabe trabalhar com temperos. Que curioso encontrar o croquete de vaca atolada. Por dentro da massa fina e seca, tem um recheio cremoso de mandioca com carne desfiada.

Com a mesma base do bolinho de chuva, ela faz uma massa fofinha de jiló e pimenta calabresa que surpreende. Ambos são servidos com geleia de pimenta e maionese.

Se eu fosse você, não deixaria de experimentar a língua de boi. “Esse é o prato que mais encanta. Costumo ouvir dos clientes que é a melhor que já comeram”, conta Marcelo. O petisco conquista até quem não gosta de língua, tanto pela maciez quanto pelo sabor. A carne é regada com molho de cerveja preta, alcaparras, tomates e picles de mostarda.



Cortado em retângulos de tamanhos bem generosos, o torresmo de barriga ganha sabor com geleia de pimenta, chutney de abacaxi e farofa crocante de bacon.

A casa também funciona para almoço. Entre as sugestões de pratos, estão costelinha ao molho barbecue com feijão-tropeiro (receita de Arlete premiada como o melhor da cidade), filé ao molho madeira com purê de moranga e lombo empanado com repolho refogado. Na sala da casa, que está toda preservada, com tacos originais, os sócios planejam montar um café.

Arroz de polvo com polvo crocante (Cozinha Trop)

Ingredientes
1kg de tentáculo de polvo; 2 colheres de sopa de azeite de oliva; 200g de arroz agulhinha; 2,5 litros de água; óleo para fritar; 2 tomates maduros; 1 cebola roxa; 1 dente de alho; 2 colheres de sopa de amido; 1/2 maço de coentro; sal e pimenta a gosto

Modo de fazer
Leve a água para ferver. Coloque os tentáculos de polvos assim que levantar fervura e deixe cozinhar por cerca de 50min ou até ficarem bem macios. Retire o polvo. Reserve dois tentáculos para finalização, corte os demais em pedaços de 2cm e reserve. Abaixe o fogo e reduza a água da cocção do polvo até a metade. Corte os dois tomates, o alho e a cebola em cubos pequenos. Separe as folhas do talo do coentro. Corte os talos finamente e reserve as folhas. Em uma frigideira, coloque o azeite, a cebola, o alho e os tomates, nessa ordem, e refogue. Quando estiverem começando a desmanchar, coloque os talos de coentro, o arroz, os polvos cortados e o caldo de polvo. Cozinhe em fogo médio cerca de 20min. Passe os tentáculos reservados no amido e frite em óleo quente (175 graus). Sirva o arroz caldoso em prato fundo e decore com os tentáculos crocantes e as folhas de coentro.

Serviço

Cozinha Trop (@cozinhatrop)
Rua Professor Eugênio Murilo Rubião, 222, Anchieta
(31) 3142-3986

Zuzunely (@zuzunely_)
Rua do Ouro, 71, Serra
(31) 99110-2830

Bença Bençoi (@benca.bencoi)
Rua Diamantina, 492, Lagoinha
(31) 99228-2124