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“O mundo milenar tem muitos mistérios, e isso me fascina. Quando falo em cozinha milenar, falo de um mundo de descobertas, da oportunidade de experimentar, de ser curioso, de manter uma mente de principiante, de ter coragem de se arriscar”, aponta a cozinheira, que se inspira na nossa ancestralidade. Ao longo da vida, entendeu que isso leva a uma diversidade de culturas. Então, mistura suas raízes mineiras com o que aprendeu com libaneses e iranianos, em viagens e pesquisas pelo mundo.
A experiência envolve um certo mistério. Você chega lá sem saber o que vai encontrar nem o que vai comer. Cada jantar é único. O menu e a decoração são criados pensando na história dos convidados e na celebração daquele encontro. A intuição guia Zoraida. Segundo ela, a sensibilidade para se conectar com o outro vem do seu lado cigana, assim como as inúmeras mudanças. De vida, de cidade e de profissão.
Vestindo turbante e avental, a anfitriã recebe os convidados na entrada da casa onde cresceu. A cortina esconde um mundo de surpresas. A experiência começa na garagem transformada em sala de estar, onde se destaca uma bela mesa de entradas. Tudo que ali está ela “colhe” no jardim, em floriculturas, com produtores de orgânicos, no seu acervo de utilitários e objetos decorativos. Zoraida sempre gostou de arrumar mesas e chegou a trabalhar em loja de decoração.
Vestindo turbante e avental, a anfitriã recebe os convidados na entrada da casa onde cresceu. A cortina esconde um mundo de surpresas. A experiência começa na garagem transformada em sala de estar, onde se destaca uma bela mesa de entradas. Tudo que ali está ela “colhe” no jardim, em floriculturas, com produtores de orgânicos, no seu acervo de utilitários e objetos decorativos. Zoraida sempre gostou de arrumar mesas e chegou a trabalhar em loja de decoração.
As boas-vindas são com um brinde de “espumante” de uva verde. Nada mais é do que suco de uva verde com borbulhas. “Uva é a fruta mais milenar que temos, o vinho está em todos os livros sagrados, então considero essa bebida símbolo da nossa conexão milenar. É a continuação da nossa história.”
Zoraida leva para a mesa o que teve vontade de cozinhar naquele dia, o que acha que vai combinar com o momento. “Cada dia meu coração vira para um lado, como um barco a vela”, compara.
Algumas presenças são inegociáveis, o que muda é o jeito de servir. Dificilmente, não terá a famosa coalhada. Seguindo a sabedoria milenar dos árabes, ela coloca o leite no paninho, amarra, deixa pingando na pia e espera. Tal como na vida, o tempo é muito importante na cozinha.
Algumas presenças são inegociáveis, o que muda é o jeito de servir. Dificilmente, não terá a famosa coalhada. Seguindo a sabedoria milenar dos árabes, ela coloca o leite no paninho, amarra, deixa pingando na pia e espera. Tal como na vida, o tempo é muito importante na cozinha.
“A coalhada foi o meu melhor ensinamento de vida. Primeiro porque não gostava e hoje sou viciada. Ela me deu muito trabalho, testou minha paciência, mas fiz com muito cuidado, fui errando e acertando e virou o item número um do meu cardápio”, conta.
Você já deve estar se perguntando o que a coalhada da Zoraida tem de especial. Explico: uma textura cremosa de mousse, sabor pouco ácido e o toque de zaatar por cima, em referência ao queijo chancliche.
Clássico também é o quibe que ela aprendeu pelas mãos do sogro libanês. Aparece em várias versões: pode ser servido cru ou assado, em formato de bolinha com tabule de quinoa ou dentro de uma xícara, recheado com carne e cebola. “Quando chego com a xícara, as pessoas perguntam: vamos tomar chá agora? Isso confunde o nosso cérebro e quebra um paradigma. Por que xícara é só para servir chá?”
Você já deve estar se perguntando o que a coalhada da Zoraida tem de especial. Explico: uma textura cremosa de mousse, sabor pouco ácido e o toque de zaatar por cima, em referência ao queijo chancliche.
Clássico também é o quibe que ela aprendeu pelas mãos do sogro libanês. Aparece em várias versões: pode ser servido cru ou assado, em formato de bolinha com tabule de quinoa ou dentro de uma xícara, recheado com carne e cebola. “Quando chego com a xícara, as pessoas perguntam: vamos tomar chá agora? Isso confunde o nosso cérebro e quebra um paradigma. Por que xícara é só para servir chá?”
Durante o jantar, Zoraida traz outras “pegadinhas”, que nos levam a refletir sobre a vida. Chama de espumante a bebida de uva verde, mesmo sem ter álcool, e coloca na mesa um buquê de flores secas de cabeça para baixo. Um jeito de nos falar que nem tudo precisa ser como imaginamos. O convite para tirar os sapatos, sentar-se em uma mesa de chão e comer com as mãos também sacode as nossas expectativas.
Diversidade à mesa
No dia da nossa visita, comemos pasta de frango ao curry. “Escolhi essa receita em reverência aos indianos e para falar sobre a diversidade milenar. Curry é uma mistura de temperos e cada um tem as mãos de quem o preparou. Você nunca vai achar um igual ao outro”, explica.
Outros itens da mesa eram cebolas caramelizadas, como as que são servidas em cima do arroz com lentilhas (se é a parte que todo mundo mais gosta, por que não servir só ela?), conserva de berinjela, carpaccio de beterraba com homus e doce da casca de limão capeta, num aceno a Minas Gerais.
A crostata, pão fininho assado com azeite e gergelim, serve de acompanhamento para todos os preparos. O refresco milenar também.
Sekanjebin (na tradução literal, melado de vinagre) é uma bebida à base de açúcar, vinagre de maçã e água, muito comum no verão nas montanhas da antiga Pérsia (hoje Irã). Zoraida aprendeu com a sogra iraniana e anotou tudo no seu caderninho de receitas, “para não perder um suspiro”. Depois de diluir em água, ela saboriza com pepinos ralados e folhas de hortelã.
Sekanjebin (na tradução literal, melado de vinagre) é uma bebida à base de açúcar, vinagre de maçã e água, muito comum no verão nas montanhas da antiga Pérsia (hoje Irã). Zoraida aprendeu com a sogra iraniana e anotou tudo no seu caderninho de receitas, “para não perder um suspiro”. Depois de diluir em água, ela saboriza com pepinos ralados e folhas de hortelã.
Passado o primeiro impacto de entrar no mundo milenar, os olhos começam a encontrar detalhes da casa, da decoração e da comida. Nada está ali por acaso. “Aqui é lugar de reparar”, avisa Zoraida, que fica sempre por perto, absorvida pela curiosidade dos convidados. Entre uma pergunta e outra, conta histórias, fazendo lembrar Sherazade. Para ela, não há nada mais enriquecedor do que essa troca, é o seu “oxigênio”.
A noite avança e vamos entrando mais na casa, tornando-nos mais íntimos da família. O marido de Zoraida, Walter, passa a fazer parte da noite, depois que chega do trabalho, e segue com o fio da história. Na sala de jantar, onde o segundo ato da experiência se desenrola, a mesa e o aparador são rodeados por fotos e objetos das duas famílias. O movimento na cozinha acontece sem nem percebermos.
O jantar segue com um ensopado persa de grão-de-bico, feijão-branco, carne de boi e especiarias, entre elas o limão desidratado loomi (conhecido como limão negro), que potencializa o sabor da receita.
De prato principal, a anfitriã escolheu o bogholi pollow, que mistura arroz basmati (de origem indiana), favas verdes, dill desidratado e tilápia, finalizado com zaffron persa, tempero que vale ouro na gastronomia. Para acompanhar, iogurte temperado com romã, nozes e pepino e tahdig, nome que os persas dão ao fundo de panela feito com batatas.
Zoraida vira a panela na travessa na nossa frente. O resultado também é surpresa para ela. As batatas formam um bloco e ficam com textura de vidro.
Zoraida vira a panela na travessa na nossa frente. O resultado também é surpresa para ela. As batatas formam um bloco e ficam com textura de vidro.
Por fim, vem o bastani (sorvete persa feito de baunilha, pistache, açafrão e água de rosas) com calda de casca de jabuticaba (Minas de novo está presente) e pistaches torrados. Depois da sobremesa, o momento do chá, já em outra sala da casa, no aconchego do sofá. “Sou de uma família do cafezinho, mas sempre fui amante dos chás.” Doces e frutas desidratadas adoçam o paladar.
No dia seguinte, a sensação é de ter acordado de um sonho, que se passou em outro mundo e em outra época. Será que aquilo tudo foi real? Sim, e não está tão longe assim.
Muitas vidas em uma
Aos 50 anos, Zoraida sente que já viveu muitas vidas em uma só. Sua história confirma. Nascida em Belo Horizonte, ela tem um passado de forno e fogão. De criança, sua brincadeira favorita era “cozinhar” terra, areia e plantas do jardim de casa, essa mesma onde hoje recebe para a experiência milenar. Não saem da memória as quitandas da mãe, o ovo frito do avô e o torresmo das tias.
Desde pequena, por influência da mãe, ela segue a Fé Bahá'í, religião que surgiu na antiga Pérsia. Mas só começou a conhecer, a fundo, o Oriente quando se casou com um colega de escola de origem libanesa, com quem teve dois filhos. “Era um choque cultural muito grande, mas também uma imersão em um mundo que jamais poderia imaginar que existia. Me encantei pelas especiarias”, conta.
Com a família libanesa, Zoraida aprendeu muitas técnicas e receitas. Quando morava em Guarapari (ES), onde chegou a abrir uma lanchonete, lembra-se de passar a madrugada com a sogra costurando dobradinha e recheando com grão-de-bico e carne de carneiro. O sogro, nascido em Beirute, matava o animal e deixava as vísceras secando no varal.
De volta a BH, ela teve salão de beleza, trabalhou em loja de decoração e gerenciou franquias de roupas de bebê. A cozinha sempre esteve lá, como um refúgio. Zoraida conheceu o atual marido em uma festa que a mãe organizou em casa para a comunidade bahai. Depois soube que os pais dele vieram do Irã para o Brasil para propagar a religião. Durante a gravidez da terceira filha, formou-se em administração.
Em Itatiba, no interior de São Paulo, abriu uma escola de idiomas. Quando veio a crise, foi vender pão de queijo na feira de domingo e cozinhar para a comunidade persa. “Esse era o meu momento, era quando confirmava a minha identidade”, comenta. As encomendas começaram a surgir e logo ela deixou de ser executiva, de terninho e salto, para se tornar cozinheira, com turbante e avental.
A morte da sogra iraniana trouxe Zoraida de volta para BH. Dela herdou um acervo de objetos antigos e os cadernos de receitas persas. “Sempre que ela ia fazer comida, ficava do lado. Ela não seguia receita coisa nenhuma, seguia lembranças da mãe, avó e irmãs mais velhas. Anotava o que ela fazia, e não o que lia nos livros, então minhas receitas são inspiradas nas suas mãozadas”, diz, acrescentando que a comida persa é “pura poesia”.
Depois que vivemos toda a experiência, temos a sensação de que Zoraida faz isso há “milênios”. Mas, acredite, essa história de receber em casa começou há pouco mais de um ano. Movida pelo espírito cigano, ela não se vê nesse lugar por toda a eternidade. Alimenta o sonho de morar novamente no interior e de ainda viver muitas vidas em uma.
Khoresht Karafs (ensopado persa de aipo)
Ingredientes
1 molho de aipo; 1 cabeça de alho; 1 colher de sobremesa de sal; azeite; 1kg de chã de dentro cozida; 1 colher de café de açafrão-da-terra; 1 colher de café de páprica doce; 1 colher de café de cominho em pó; 1 colher de café de canela em pó; 2 cebolas grandes; 1 limão desidratado
Modo de fazer
Soque o alho e o sal na hora em que começar a cozinhar. Refogue no azeite o alho socado e todas as especiarias junto com a cebola. Coloque a carne e deixe que fique bem dourada. Adicione água para cozinhar. Quando estiver cozida, reserve. Em outra panela, refogue o alho, especiarias e acrescente o aipo cortado (talos e folhas). Deixe cozinhar por aproximadamente 30 minutos em fogo baixo, até que perceba que os talos estão cozidos. Acrescente a carne. Deixe cozinhar por mais alguns minutos para incorporar o sabor. Acrescente água, se necessário, para ficar na textura que deseja. Regue com açafrão e finalize com limão desidratado. Você pode deixar um limão secar para colocar ele inteiro no molho ou pingar algumas gotas de limão taiti. Sirva com arroz branco.
Serviço
Zoraida Cozinha Milenar (@zoraidacozinhamilenar)
Para informações e agendamentos: (31) 99107-9919