Num passado bem distante, era uma mistura “mágica” de farinha com água. Depois a batata entrou para deixar a receita mais interessante. Aqui no Brasil a história continua com muita criatividade. O nhoque ganha diferentes cores e sabores na mesma medida da nossa diversidade de ingredientes. Requeijão moreno, banana-da-terra e batata-baroa são usados por chefs para fazer a massa italiana, que também se transforma com molhos que vão muito além da tradição.
Leia Mais
Taste-Vin comemora 35 anos com receitas francesas inéditasCozinheira recebe em casa para jantares com receitas milenaresPudim: o que faz a sobremesa ser amada pelos brasileirosLúpulo: produção em MG revoluciona mercado cervejeiroChef Bruna Martins mostra o potencial de peixes de rio em novo menuPistache ganha espaço na cozinha de chefs e confeiteirosRestaurante de paraibano O Chef e O Cabra estreia segunda temporada em BHFesta Francesa em BH terá shows, comidas típicas e vinhosGosta da comida mineira? Confira filmes e documentários sobre o temaNhoque para Gabriel Trillo tem sabor de memória afetiva. O chef dos restaurantes Omilía e Pátria aprendeu a receita “alla romana” com uma tia-avó, que era casada com um italiano. Tradicional de Roma, a receita não leva batata, é uma mistura de semolina, leite aromatizado com noz-moscada e pimenta-do-reino, gema de ovo, parmesão e azeite. “Coincidentemente, foi essa minha tia-avó que me trouxe para a gastronomia. Quando eu era criança, ela me trazia receitas cozinhar”, conta.
Quando decidiu servir nhoque no Omilía, pensou em como “amineirar” a receita, já que a casa tem a proposta de valorizar produtos e produtores locais. Então, chegou ao requeijão moreno do Serro.
Assim como a tia-avó ensinou, ele dissolve os ingredientes no leite temperado com especiarias e mexe na panela até dar o ponto. Espalha a massa num tabuleiro untado, corta em quadradinhos e grelha na manteiga para dar uma tostada e acentuar o sabor. “A textura lembra a do nhoque tradicional de batata, só que com um sabor muito presente do requeijão moreno. É como se você estivesse comendo um quadradinho de requeijão moreno grelhado”, descreve.
Servido com bife ancho grelhado ao molho de frutas vermelhas, o nhoque de requeijão moreno virou queridinho do Omília. Na mudança recente de endereço, o prato saiu do cardápio. Gabriel ouviu tantos apelos apaixonados que já entendeu: com clássico não se mexe.
No Pátria, o chef segue um caminho diferente. Por ser um restaurante de cozinha brasileira, faz uma versão do nhoque tradicional de batata “al burro (manteiga em italiano) e sálvia”. “Preparo o molho com manteiga de garrafa e sálvia e a baroa entra no lugar da batata”, explica. Para acompanhar, costela de boi cozida, desfiada, prensada e grelhada, que faz referência ao costelão gaúcho.
O amor de Marcelo Pace, do Gero, por nhoque também vem de uma história familiar. “Para mim, é um prato acolhedor e afetivo, que me traz muitas lembranças boas da casa da minha avó”, justifica. Os almoços de domingo eram uma festa, ela colocava todo mundo para ajudar a fazer o nhoque. O molho alternava entre pomodoro e bolonhesa. Quando entrou para o Grupo Fasano, o chef, que vinha de experiências com a cozinha francesa, realizou o sonho de se aproximar das suas raízes italianas.
Esta é a primeira vez que o nhoque entra no cardápio do Gero como opção fixa (antes só aparecia como sugestão do dia). Marcelo segue os ensinamentos da avó: batata e pouquíssima farinha. “O grande segredo é acertar a proporção para não ficar pesado. A farinha só entra para dar liga”, esclarece. “O nhoque tem que ficar leve, macio, esvair-se na boca e você tem que sentir o sabor da batata."
No novo menu, o chef dá destaque para os frutos do mar. Por isso, leva para o nhoque anéis de lula, combinados com guanciale (bochecha suína), o mesmo usado no carbonara. A clássica combinação de porco com frutos do mar é envolvida pelo molho pesto de manjericão. Segundo Marcelo, a união de todos esses elementos resulta em um prato fresco e ao mesmo tempo intenso. “Estamos apostando em clássicos italianos com um toque de modernidade e muito sabor para que o mineiro se sinta acolhido.”
Já velhos conhecidos, os dois pratos de nhoque de batata do Ancora não podem sair de jeito nenhum do cardápio. O restaurante, inclusive, é muito lembrado pela massa. Desde o início, quando era Un'Altra Volta, eles apostaram na fabricação própria, e com o mínimo de farinha. Muitas vezes, chegam a produzir três vezes por semana, para que esteja sempre fresco. “Temos mais trabalho para fazer, mas conseguimos entregamos muito mais sabor e leveza para o cliente.”
Em dias frios, o nhoque Cistino costuma ser campeão de vendas. Envolvido por um molho branco à base de parmesão e gruyère, ganha sabor marcante com manteiga trufada. Completam o prato a potência do carré de cordeiro grelhado ao molho de vinho tinto e o adocicado da cebola roxa cozida. A outra opção é o nhoque Delícia, nome do surpreendente molho que acompanha a massa, uma mistura de bolonhesa com pesto. “Só a gente que faz o molho, então temos clientes fiéis, que só vêm para comer esse nhoque.”
Boa notícia para os fãs do nhoque do Ancora: Pedro pretende começar a vender a massa congelada ainda este ano.
Clóvis Viana, do Patuscada Gastrobar, nunca deixa de ter pelo menos uma opção de nhoque no cardápio. Atualmente, destaca-se o de banana-da-terra. A inspiração veio de um prato do antigo Patuscada, que fez muito sucesso: nhoque grelhado de banana-da-terra e lagosta ao forno com ervas. Só que a massa ressurgiu bem diferente. Agora é cozida na água, servida com creme de queijo e coberta com muçarela e parmesão maçaricados.
Segundo o chef, a banana tem que estar madura e deve ser assada no forno, com casca e tudo. “Como a banana-da-terra é mais seca e consistente que a batata, o nhoque leva ainda menos farinha, então você sente o gosto da banana mesmo”, aponta. Nessa receita, ele carrega mais no sal e na pimenta-do-reino (moída na hora) para equilibrar o dulçor da fruta, que se mistura a farinha de trigo, gema de ovo e queijo parmesão. De acompanhamento, fraldinha assada ao molho de vinho tinto.
Esse é um dos pratos mais pedidos do cardápio. Clóvis costuma sugerir aos clientes como petisco. Como a porção é generosa, serve de três a quatro pessoas.
Para petiscar
Quem disse que nhoque tem que ser cozido e envolvido por molho? De cozinha ítalo-argentina, o Hacienda 1979 surpreende com o Ñhoquito, nhoque frito em formato de petisco, o que também não é nada comum. Um dos sócios trouxe a ideia de uma viagem.
“Todo cozinheiro é um pouco curioso e gosta de novidades. Fui testando até chegar a essa receita”, diz o chef Kaique Soares, que é do interior de São Paulo e estava trabalhando no Rio de Janeiro quando o Grupo Chalezinho o convidou para vir para BH.
“Todo cozinheiro é um pouco curioso e gosta de novidades. Fui testando até chegar a essa receita”, diz o chef Kaique Soares, que é do interior de São Paulo e estava trabalhando no Rio de Janeiro quando o Grupo Chalezinho o convidou para vir para BH.
O processo é o mesmo do nhoque tradicional. Kaique brinca que tem uma “nonna” na cozinha, a Elizabeth Lara, que fica por conta das massas. Levam-se ao forno as batatas embrulhadas em papel-alumínio. Quando já estão cozidas, são amassadas e se juntam a “um pouquinho” de farinha, ovo e parmesão. “Antes de fritar, passamos o nhoque na farinha de trigo. Ele fica crocante por fora e macio por dentro.”
O nhoque frito chega à mesa salpicado com queijo parmesão. Dois molhos tipicamente italianos fazem as vezes de acompanhamento. Um é o pesto de manjericão e o outro, a sardela (pasta à base de pimentão vermelho, tomate e aliche). A ideia é mergulhar neles os quadradinhos de massa.
A forma diferente de comer nhoque agradou tanto que essa é uma das entradas mais pedidas. “Acho que a curiosidade das pessoas faz com que o prato saiba bem. Ele também surpreende pela leveza e pelo sabor”, observa Kaique, garantindo que a massa fica bem sequinha. Com a proposta de fugir do comum, a casa oferece também o nhoque de abóbora com molho de carne e lascas de parmesão.
O nhoque não tem frescura quanto aos seus companheiros de prato. Que o digam Ione Romualdo e Israel Júnior, do Cantim D’or Noir, conhecido pelo cardápio extenso dedicado à massa. O casal resgatou receitas da família italiana dele e enche a boca para falar que serve “o melhor nhoque de BH”: leve, macio e com gosto de batata e parmesão, e não farinha de trigo.
“A batata tem que ser assada. Quanto menos água no feito, menos farinha você usa para dar o ponto. Outro segredo é a semolina, que vai dar leveza e permitir que a massa incorpore o molho”, orienta Ione. Sem entrar em detalhes, ela conta que aprendeu com a família uma forma de congelar o nhoque que mantém intactas todas as suas características. Quando servem, parece que foi feito na hora.
A casa produz o nhoque de batata tradicional e com folhas de espinafre (que fica com pontinhos verdes). O cliente pode escolher o molho. Entre as opções, estão desde o clássico bolonhesa até invenções como o de demi-glace com iscas de filé-mignon e cogumelos. Ao longo do tempo, já criaram várias receitas que vão além do tradicional, como carne de sol com abóbora, ragu de rabada, gorgonzola com nozes e passas e frango defumado com molho de tomate.
Serviço
Omilía (@omiliarestaurante)
Alameda do Morro, 72 – loja 01, Vila da Serra
(31) 99724-2038
Pátria (@patriacozinhadobrasil)
Avenida Celso Porfírio Machado, 1520, Belvedere
(31) 99189-2313
Gero (site)
Rua São Paulo, 2320, Lourdes
(31) 3500-8970
Ancora (@restauranteancorabh)
Rua Curitiba, 2060, Lourdes
(31) 3245-0959
Patuscada Gastrobar (@patuscadagastrobar)
Rua Levindo Lopes, 96, Savassi
(31) 99845-7221
Hacienda 1979 (@hacienda1979)
Rua Atlas, 464, Vale do Sol
(31) 99286-0042
Cantim D'or Noir (@cantimdornoir)
Avenida do Contorno, 3588, Santa Efigênia
(31) 99707-8090
Nhoque de baroa com manteiga e sálvia (Pátria)
Ingredientes
1,5kg de baroa; 500g de farinha de trigo; 200g de queijo parmesão ralado fino; 4 gemas de ovo; sal e pimenta-do-reino a gosto; 150g de manteiga; 20g de alho picado; 1 maço de sálvia
Modo de fazer
Asse a baroa em forno a 170 graus durante 30 minutos. Descasque e amasse em peneira ou amassador de batata. Numa tigela, misture com a ponta dos dedos, sem sovar, farinha de trigo, parmesão e gemas. Reserve um pouco da farinha de trigo para dar o ponto da massa. Ela deve estar uniforme e sem grudar nos dedos. Faça rolinhos compridos de 2cm de espessura e corte em pedaços de aproximadamente 2cm de comprimento. Coloque água para ferver numa panela. Quando entrar em ebulição, abaixe o fogo e, com o auxílio de uma escumadeira, coloque o nhoque na água. Quando boiar, conte 15 segundos e retire com a escumadeira. Mergulhe o nhoque imediatamente em água gelada para bloquear o cozimento. Quando “decantar”, retire e reserve. Numa sauté, derreta a manteiga e agregue o nhoque. Deixe até grelhar e formar uma casquinha dourada. Pingue um pouco da água do cozimento e envolva a massa. O molho será preparado com este líquido. Finalize com a sálvia picada, sal e pimenta-do-reino.