Faltava uma semana para a abertura do restaurante e nada de achar um confeiteiro. No ímpeto de resolver logo a questão, o chef executivo se dispôs a fazer o primeiro menu de sobremesas. O que era para ser temporário acabou mudando o rumo da sua carreira. O belo-horizontino Pedro Frade tomou gosto pelas receitas doces e se tornou um expoente da confeitaria. Seu trabalho chama a atenção por propor formas e combinações de sabores inusitadas.
Essa história se passou no Vista, que fica no terraço do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, em frente ao Parque Ibirapuera, um dos pontos turísticos da capital paulista. Pedro havia sido convidado para assumir toda a operação do restaurante, bar e café. Nunca tinha passado pela sua cabeça ser confeiteiro, mas, diante da situação, ele relembrou técnicas aprendidas na França e passou a trabalhar com ingredientes brasileiros.
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Por que seguir a direção oposta? Justamente para mostrar que a confeitaria brasileira não se resume a brigadeiro e pudim, que existe espaço para o diferente. A começar pelo visual. Intuitivamente, Pedro buscou uma apresentação mais moderna, minimalista e elegante. “O que faz o cliente parar para comprar um doce é a apresentação. Se ele vai comprar de novo, aí vêm sabor e qualidade”, pontua.
Por que seguir a direção oposta? Justamente para mostrar que a confeitaria brasileira não se resume a brigadeiro e pudim, que existe espaço para o diferente. A começar pelo visual. Intuitivamente, Pedro buscou uma apresentação mais moderna, minimalista e elegante. “O que faz o cliente parar para comprar um doce é a apresentação. Se ele vai comprar de novo, aí vêm sabor e qualidade”, pontua.
Para conquistar de vez o paladar, o confeiteiro investe em combinações de sabores surpreendentes e equilibradas. Na visão dele, açúcar é um tempero como o sal. Se colocar demais, você não sente o sabor dos ingredientes e provavelmente não vai conseguir comer até o fim. “Doce perfeito para mim é aquele que não é muito doce, exatamente o contrário do que o brasileiro está acostumado. A partir do momento em que você come uma torta de limão com muito açúcar, aquela acidez gostosa se perde por completo.”
Que fique bem claro, ele não é da linha do pouco açúcar, mas defende o açúcar na medida e não usa leite condensado como base. Estilo de confeitaria que importou da França. Quando começou, teve dúvida da aceitação. Foi só colocar na vitrine para confirmar que o público sentia falta disso. “Percebo que as pessoas não gostam de doce tão doce assim, só seguiam o que todo mundo fazia. Hoje o que mais escuto é que as minhas sobremesas são leves e equilibradas.”
Pedro começou pelas tortas. Sua estreia foi com a de caramelo e avelã, criada para o menu do Vista. Mas, na busca por um caminho diferente, acabou levantando a bandeira das entremets. De origem francesa, o doce tem a mousse como ingrediente principal, recheio em camadas e normalmente é finalizado com uma glaçagem brilhante. A receita dá a possibilidade de trabalhar com vários formatos.
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Na opinião do confeiteiro, as entremets estão à frente de uma nova fase da confeitaria brasileira. “Além de ter um apelo visual interessante, é um doce leve, cremoso e que permite trabalhar camadas com várias texturas e sabores. Do ponto de vista da produção, é muito facilmente replicável”, enumera.
Em janeiro do ano passado, Pedro recebeu a proposta de assumir a confeitaria do complexo de gastronomia Vila Anália, na Zona Leste de São Paulo, o que significava criar sobremesas para os cinco restaurantes e assinar a vitrine de doces, que fica logo na entrada. Ali ele se apresentou oficialmente ao mercado como confeiteiro. O negócio deu tão certo que, há duas semanas, a confeitaria ganhou vida própria, passou a se chamar Caramelo e rompeu as fronteiras ao ser inaugurada em outro endereço.
Paixão por caramelo
O nome diz muito sobre suas preferências. Segundo o chef, caramelo é uma das mais importantes bases da confeitaria, além de ser uma das receitas que mais gosta. “Imagina o que é transformar, através da cocção, o açúcar branco e sem gosto de nada em um produto saboroso e com uma cor linda”, derrete-se.
Como é de se esperar, o preparo está em vários doces do menu, incluindo a entremet de caramelo e framboesa, que acabou de ser lançada. As camadas de mousse de caramelo, geleia de framboesa, chantili de caramelo e gel de framboesa entregam uma interessante combinação de acidez e dulçor.
Como é de se esperar, o preparo está em vários doces do menu, incluindo a entremet de caramelo e framboesa, que acabou de ser lançada. As camadas de mousse de caramelo, geleia de framboesa, chantili de caramelo e gel de framboesa entregam uma interessante combinação de acidez e dulçor.
Na hora de criar um doce, Pedro costuma seguir dois caminhos: ou faz uma releitura de uma receita clássica ou parte da escolha de um ingrediente com o qual quer trabalhar.
No caso das releituras, a de maior sucesso é a banoffee, criada para o Dia dos Namorados do ano passado e não saiu mais do cardápio. “Queria fazer banoffee que não tivesse nem doce de leite nem banana crua para que ficasse mais leve, então fiz um caramelo de banana. A torta não tem nenhum dos elementos, mas o sabor é o mesmo”, explica. Completam a receita o cremoso de baunilha e o chantili de caramelo, que parte do processo de caramelização do creme de leite, antes de bater com chocolate branco.
Unindo criatividade e técnica, Pedro também deu outra cara para a torta floresta negra. Montou uma entremet com biscuit de chocolate, geleia de cereja, mousse de chocolate, ganache montada de baunilha, lascas de chocolate e cereja amarena. Os sabores clássicos de chocolate, cereja e chantili estão em todos os pedaços, mas a apresentação foge do comum.
Não dá para ignorar a entremet de chocolate e pistache, disparadamente a mais vendida, pegando carona na febre do pistache pelo Brasil. A receita traz um elemento pouco conhecido, de origem japonesa, chamado de namelaka, que tem textura entre creme e mousse. Nesse doce, seu sabor é de chocolate, mesmo ingrediente que saboriza a massa sablée e a glaçagem de chocolate. Por cima, chantili de pistache.
Uma das criações de Pedro faz uma homenagem a Minas Gerais. A torta de goiaba e mascarpone é inspirada no clássico par Romeu e Julieta, só que de um jeito bem diferente. A massa sablée de amêndoas serve como base para camadas de creme de goiaba vermelha, chantili de mascarpone e gel de goiaba. Esse doce resgata uma das sobremesas que marcaram sua passagem pelo Vista, com a diferença que saiu do prato e foi parar na vitrine em forma de torta.
Aos 30 anos, com uma carreira em ascensão, Pedro tem muito futuro pela frente. Mais que ver a Caramelo crescer (há planos de vir para Belo Horizonte), ele espera ajudar a transformar a confeitaria brasileira. “Quero mostrar um outro lado da confeitaria brasileira, mais equilibrada e menos doce, e fazer com que o brasileiro compreenda que dá para comer uma sobremesa com menos açúcar”, diz o chef, que tem se desafiado a usar produtos regionais, como cupuaçu e butiá.
Busca por conhecimento
Pedro se considera um cozinheiro que virou confeiteiro. Muito antes de se apaixonar pelos doces, já era fascinado pela gastronomia. Incentivado pela família, começou a cozinhar desde pequeno. Na sua memória, ficou marcada a primeira ida ao Festival de Tiradentes, aos oito anos, quando participou de um curso no Largo das Forras. De volta a BH, quis fazer aulas de culinária. “Até que chegou hora da faculdade e a decisão era óbvia: vou fazer gastronomia”, conta.
Depois de um estágio de três meses no Vecchio Sogno, ele fez parte da primeira equipe do Glouton, inaugurado em 2013. Foi o chef Leo Paixão quem o convenceu a estudar na França, na mesma escola que ele, a Ferrandi. Pedro ficou um ano estudando e trabalhando em Paris. “Fiz estágio em dois restaurantes e um deles tinha um setor de confeitaria. Isso não estava planejado, mas me abriu os olhos.”
O chef voltou para o Brasil com planos de ter um restaurante com confeitaria, mas acabou passando mais uma temporada no Glouton e logo em seguida se mudou para São Paulo, onde mora há seis anos, sem imaginar que sua vida mudaria de vez. Na falta de um confeiteiro, ele assinou o primeiro menu de sobremesas do Vista e começou a estudar muito sobre o mundo dos doces.
A pandemia chegou, o restaurante fechou e Pedro tomou a decisão de migrar para a confeitaria. “Se não fosse a pandemia, não teria tido coragem de fazer esse desvio de rota. Pensava comigo: já está tudo bagunçado e incerto, não tem momento melhor para me arriscar. Não tinha nada a perder.”
Com essa mudança, ele marcou presença no on-line. Ensinava receitas nas redes sociais, enquanto lançava o curso de tortas, que era o que mais sabia fazer. Mais tarde, vieram o curso completo de entremets e o recente guia da confeitaria, com aulas de técnicas e gestão, que nasceu da pergunta que ouve de muitos confeiteiros: por onde começar? O chef já acumula três mil alunos.
Até que veio proposta que deu uma nova guinada na sua carreira, a de ser o confeiteiro do Vila Anália, área de cinco mil metros quadrados que comporta 700 pessoas sentadas. “Era a primeira vez que ia ser só confeiteiro. Fiquei com medo, obviamente, mas entrei de cabeça e deu super certo”, destaca o sócio da confeiteira Caramelo, que exibe uma vitrine com entremets, tortas e macarons, que são uma super novidade. Seu sabor preferido é caramelo com café.
Além do primeiro ponto de vendas, a marca já chegou a um shopping em São Paulo e, em outubro, deve inaugurar uma nova unidade no Rio de Janeiro. O chef ainda quer realizar o sonho de trazer a confeitaria para BH. Para quem pensa em se aventurar no mundo dos doces, ele avisa: “Devore todo o conteúdo que puder de confeitaria e trabalhe na área.”
Torta de limão e baunilha
Ingredientes
50g de gelatina em pó; 300g de água; 190g de açúcar impalpável; 5g de sal; 85g de farinha de amêndoas; 135g de ovo inteiro; 760g de farinha de trigo; 340g de manteiga; 200g de creme de leite fresco; 100g de gemas de ovo; 90ml de suco de limão tahiti; 90ml de suco de limão siciliano; 220g de ovos inteiros; 200g de açúcar refinado; 250g de manteiga sem sal; 40g de massa de gelatina; 277g de creme de leite fresco; 225g de chocolate branco 32%; 277g de creme de leite fresco; 55g de massa de gelatina; 1 fava de baunilha
Modo de fazer
Para a massa de gelatina, aqueça a água até 80 graus e verta sobre a gelatina em pó. Misture bem e leve para gelar coberto por um plástico filme. Para a massa sablée, em uma batedeira, bata a farinha de trigo com a manteiga até formar uma mistura com textura “arenosa”. Em seguida, junte o açúcar impalpável, sal, farinha de amêndoas e ovos, misturando apenas para que fique homogêneo. Cubra a massa com um plástico filme e leve para gelar por no mínimo duas horas. Para o “egg wash”, misture o creme de leite com as gemas e pincele nas sablée pré-assadas. Para o creme de limão, em uma panela, junte os sucos de limão, açúcar e ovos inteiros. Cozinhe até atingir 82 graus, mexendo sem parar com um fouet. Retire da panela, disponha em um recipiente, junte a massa de gelatina e emulsione a manteiga com o auxílio de um mixer. Reserve por pelo menos 12 horas antes de utilizar. Para a ganache montada de baunilha, derreta o chocolate branco em banho maria ou no micro-ondas. Aqueça a primeira parte de creme de leite com a baunilha. Verta o creme quente sobre o chocolate derretido e a massa de gelatina. Por último, junte a segunda parte de creme de leite bem gelado, bata com o mixer e leve para gelar por 12 horas. Bata como um chantili para utilizar. Abra a massa sablée bem fina e disponha em uma forma de fundo falso de 20cmx3cm. Faça furos em toda a massa e leve para congelar. Em seguida, pré-asse em forno a 180 graus por 10 minutos. Tire do forno, deixe esfriar e passe o “egg wash” por toda a massa já fora da forma. Volte ao forno por 5 a 10 minutos para terminar de dourar. Reserve. Para a montagem da torta, preencha com o creme de limão e finalize com a ganache montada de baunilha e raspas de limão.
Serviço
Confeitaria Caramelo (@confeitaria.caramelobr)
Rua Cândido Lacerda, 33, Jardim Anália Franco – São Paulo
(11) 99413-4242