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Estado de Minas FOGO E FERMENTAÇÃO

Acha chuchu sem graça? Você tem que conhecer restaurante de londrino em BH

À frente do Grace's Cozinha, Yousef Nayla encanta os mineiros com um trabalho brilhante com vegetais


22/09/2023 07:00 - atualizado 21/09/2023 22:28
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chef Yousef Nayla graces cozinha
'Sempre pensei em morar um tempo no Brasil, mas não imaginei que seria tão cedo e com um negócio', diz o chef Yousef Nayla (foto: Celina Aquino/EM/D.A Press)
Se tem alguém deixando o chuchu tão bem falado, tem que ser conhecido. O inglês Yousef Nayla desembarcou em Belo Horizonte com vontade de fazer diferente. Ao abrir o Grace's Cozinha, há quase dois meses, no Lourdes, ele valoriza o que Minas Gerais tem de melhor e mostra que chuchu, frango e pão de queijo são, sim, comida de restaurante. Basta trabalhar com técnica e criatividade.

O chef segue na contramão do que tem observado na cidade. Segundo ele, muitos restaurantes querem agradar tanto o público que acabam ficando padronizados.

“Saio muito para comer e vejo o mesmo cardápio em vários lugares, então percebi que tinha espaço para novidades. Era o que a cidade estava querendo e assim poderia me destacar. Tenho minhas ideias e não vou fazer risoto com filé só para agradar”, avisa o jovem de 25 anos.

Yousef é filho de uma designer de interiores mineira (de Matutina, no Norte do estado) com um piloto de avião iraquiano (da capital Bagdá). Seus pais se conheceram em Londres e lá formaram a família e abriram negócios.

chuchu graces cozinha
O chuchu surpreende pela textura ao dente e pelo sabor avinagrado que faz salivar (foto: Grace's Cozinha/Divulgação)
Primeiro um café, depois a churrascaria Rodízio Rico, em 1997, hoje com três unidades. Pelas contas dele, foi a primeira da Europa, talvez a primeira do mundo fora do Brasil. O chef se formou na Le Cordon Bleu de Londres e trabalhou por lá antes de decidir recomeçar a vida em Minas.

BH era apenas um destino de férias. Desde pequeno, Yousef passava de dois a três meses no Brasil com a família da mãe. Já formado, sentiu que a cidade era um bom lugar para abrir o seu restaurante. Desistiu de Londres por entender que a situação econômica e política (muito em função da guerra entre Rússia e Ucrânia) não está favorável para o setor. E aqui teria mais chance de se destacar.

“Sempre pensei em morar um tempo no Brasil, mas não imaginei que seria tão cedo e com um negócio”, diz o chef, que cresceu falando português. Hoje ele se comunica com um mineirês bem fluente.

Se fosse em Londres, o restaurante se chamaria Graciana. Ao trazer a ideia para BH, ele simplesmente traduziu o nome da avó mineira, num aceno à sua origem inglesa.

O nome Grace’s Cozinha deixa claro que a casa tem muito de Graciana. Yousef confirma que é uma homenagem à avó, que sempre morou na roça, fazia um queijo “muito gostoso” e está em uma das suas primeiras memórias na cozinha: uma experiência (frustrada) de fazer frango ao molho pardo.

“Vi minha avó buscando galinhas no galinheiro e perguntei se podia ajudar. Quando ela foi tirar o sangue para fazer o molho pardo, fiquei com dó das galinhas. Aí ela falou: sai daqui, menino, vai brincar.”

Foco nos ingredientes

Em suas vindas ao Brasil, Yousef aprendeu muito com a avó e outras mulheres que “são o coração da culinária brasileira”. Graciana, especificamente, ensinou o neto a cozinhar com foco nos ingredientes, e é o que ele se propõe a fazer: trabalhar o mais local possível, com produtos da região.

lasanha com molho de vegetais graces cozinha
Cenoura, abobrinha e berinjela tostadas na brasa viram molho "bolonhesa" de vegetais para a lasanha (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
Por estar em Minas Gerais, ele entende que faz, sim, comida mineira, mas sob uma perspectiva muito particular. “Somos um restaurante mineiro, mas tento colocar a minha personalidade, as minhas experiências pelo mundo, o respeito pela cozinha asiática, que é a minha preferida, por isso uso bastante missô e shoyu nas marinadas. Ainda tem a parrilla, por influência dos meus pais”, resume.

Voltando ao chuchu, você vai entender o que o chef quer dizer. No Brasil, seu prato preferido é chuchu com carne moída e uma pimentinha. Logo, o ingrediente tinha que estar no seu cardápio, mas de um jeito inovador, que mostrasse o seu devido valor.

Para começar, o chuchu é cortado longitudinalmente. Depois vai para a brasa e passa por um processo de fermentação. No fim, chega à mesa com creme de caju, salsa criolla e croutons. Na primeira mordida, você já se surpreende com a textura, bem ao dente. Enquanto seu cérebro lida com a crocância inesperada, a boca se enche com um sabor avinagrado que faz salivar e desejar a próxima garfada.

Em resumo, ali não dá para dizer que chuchu não tem graça. Mais que isso, ele pode ser, sim, comida de restaurante. Yousef sonha com o dia em que as pessoas não vão estranhar ver o ingrediente no cardápio de um chef.

“Gosto de ver quando alguém vem com a ideia de que chuchu é sem gosto e fica enlouquecido com o prato, acha mágico. Sinal de que conseguimos quebrar esse preconceito. Temos ingredientes ótimos e temos que ter orgulho do que é nosso”, defende.


O chuchu é um prato que resume os dois pilares da casa: fogo e fermentação. Como é de se imaginar, Yousef ama churrasco desde criança e acha que todo alimento fica interessante em contato com lenha, brasa e fumaça. Esse amor pelo fogo tem influência dos pais, mas também do Brat, em Londres, o restaurante onde mais gostou de trabalhar. Lá tinha uma cozinha aberta com fogo e sem eletricidade, e ele não abria mão de trazer isso para BH.

O chef desenhou a parrilla para se encaixar perfeitamente atrás do balcão, que divide o salão da cozinha aberta. Ao lado, um forno a lenha que chega a atingir 500 graus.

Medalhão de linguiça 

Vários pratos passam pelo fogo, da entrada à sobremesa. Tem pão assado na hora e finalizado com abobrinha, queijo curado e limão. Tem também o “pigs in blankets”, que é igual rabanada aqui no Brasil: está em toda ceia de Natal em Londres. “O Brasil tem medalhão de absolutamente tudo, de frango a jiló e batata, mas nunca tinha visto de linguiça. Enrolo no bacon e levo ao forno a lenha”, detalha.

Porco moura grelhado com molho roti suíno e salsa verde do Grace's Cozinha
Porco moura grelhado com molho roti suíno e salsa verde (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
Tem ainda o bolo três leches de fubá (para ficar bem mineiro) coberto por um creme inglês com chantili e picles de mexerica com folha de jambu desidratada, que sai do forno com as bordas tostadas.

Assim como o fogo, a fermentação envolve um conhecimento ancestral, algo que o jovem muito valoriza. Na visão dele, ambos entregam sabores deliciosos.

O molho de pimenta fermentada tempera o medalhão de linguiça, enquanto o azeite de pimenta fermentada acompanha a focaccia. Os picles de pepino, exibidos em potes de vidros, vão parar em cima de uma metade de pão de queijo com requeijão da casa e truta defumada. O chuchu também entra na categoria dos fermentados.

Intencionalmente, o menu do Grace’s Cozinha privilegia os vegetais. Yousef defende que não é sustentável comer carne todo dia e dá um incentivo para que as pessoas sintam vontade de ingerir mais verduras e legumes.

Então, tempera os brócolis com redução de missô, creme cítrico e alho frito e a abóbora grelhada com molho de páprica e crocante de caju.

Surpreende a lasanha com um molho “bolonhesa” de vegetais. O chef explica que faz “carne moída de verduras”, já que incorpora ao molho de tomate cenoura, abobrinha e berinjela cortadas em cubos e tostadas cruas na brasa.

Depois prepara um molho “roti” com sobras de vegetais e redução de missô. Por cima da massa, coloca pesto de PANCs brasileiras (sua preferida é o coentrão do Norte), farofa de pão e uma mistura de muçarela e queijo curado gratinados no forno a lenha.
 
bolo tres leches graces cozinha
O fubá leva um sotaque mineiro para o bolo três leches coberto com creme inglês, picles de mexerica e folha de jambu desidratada (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
Apesar de todo o protagonismo aos vegetais, Yousef acha que o veganismo “não é a solução para salvar o mundo”. Para ele, o caminho é ser mais respeitoso e eficiente na hora de comer carne.

“Antigamente, todo mundo criava seu frango e seu porco e não jogava nada fora. Estou tentando voltar com essa cozinha de quintal, que faz parte da cultura mineira”, comenta.

Ao servir espeto de miúdos (moela e coração) com sobrecoxa e peito de galinha grelhados na parrilla, ele aponta para o aproveitamento total do animal e mostra que partes menos valorizadas também são saborosas.

O chef não consegue trabalhar com a carcaça inteira de porco, mas, com o que tem em mãos, faz carne de lata, linguiça, bisteca, t-bone e prime rib.

Viagens pelo mundo

Yousef nasceu no ano em que seus pais abriram a churrascaria. Logo, cresceu dentro de uma cozinha. Gostava de ficar sentado do lado do tio, o churrasqueiro, vendo o fogo transformar as carnes. Por ser filho de piloto de avião, ele teve a oportunidade de viajar o mundo inteiro e provou todo tipo de comida.

pão finalizado com abobrinha, queijo curado e limão graces cozinha
Assim que sai do forno a lenha, o pão é finalizado com abobrinha, queijo curado e limão (foto: Victor Schwaner/Divulgação)
“Quando tinha oito anos, já falava que queria ser cozinheiro. Minha mãe barrou, porque sabe como é difícil trabalhar em restaurante, e deixei isso de lado, acreditando que seria só uma paixão.”

O inglês decidiu estudar biologia, mas acabou largando o curso pela metade para seguir o sonho de ser chef. Esse conhecimento não foi em vão, já que, segundo ele, cozinhar envolve muita ciência.

Sua primeira experiência em uma cozinha profissional foi no restaurante Gauthier Soho, que caminhava para ser 100% vegano. Na sequência, Yousef passou pelo Native, que levantava a bandeira da sustentabilidade, e pelo Brat, onde se encantou pela cozinha de fogo.

Muito por essas experiências, a sustentabilidade se encaixou como um terceiro pilar do Grace's Cozinha, ao lado do fogo e da fermentação.

O chef volta a falar sobre o aproveitamento integral dos ingredientes ao usar a casca da mexerica para fazer a mousse servida com brigadeiro noisette (chamado assim por ser feito com manteiga caramelizada) e praliné de caju.

Pelo lado da rastreabilidade, conta que só incluiu a truta no cardápio porque encontrou um fornecedor confiável na Serra da Mantiqueira.

Seu desejo é trabalhar menos com grandes indústrias e mais com pequenos produtores. Futuramente, pensa em ir além. O plano é começar a produzir tudo o que usa na cozinha, de vegetais a carnes, na fazenda da sua avó, em Brumadinho.


“O meu sonho é trabalhar com cortes de vacas leiteiras para fechar o ciclo. No País Basco, esses cortes são os mais premiados e agora estão populares na Europa toda. Têm gosto mais intenso e um marmoreio espetacular”, exemplifica.

Enquanto isso, o chef se esforça para ter uma cozinha o mais autossuficiente possível. Lá eles preparam a ricota que acompanha a salada de radicchio com tomates, fazem testes para começar a produzir o embutido lardo e se preparam para fabricar os próprios molho shoyu e missô.

Sobrecoxa de frango marinada, purê de batata e salada de tomate com ervas

Ingredientes
4 sobrecoxas de frango desossadas; 5 dentes de alho picados; ½ cebola; 1/4 maço (com galho) de salsa; suco de 3 limões; 30g de shoyu; 50ml de água; sal a gosto; pimenta-do-reino a gosto; 2 dentes de alho; 150ml de vinho branco; 50ml de vinagre; 20g de creme de leite; 50g de manteiga; 4 batatas-inglesas com cascas bem lavadas (aproximadamente 400g); 30g de leite; 50g de manteiga; sal a gosto; noz a gosto; 1/2 cebola picada (100g); 30g de azeite; 30g de mostarda; sal a gosto; 400g de tomate; 100g de cebola roxa; 50g de vinagre; 1/2 maço de salsa; 1/4 maço de coentro; 30ml de azeite extravirgem; sal a gosto
 
Modo de fazer
Para a marinada, bata alho, cebola, salsa, limão, shoyu, água, sal e pimenta. Cubra o frango e deixe descansar na geladeira por no mínimo 3h (os resultados são melhores com 24h até 72h). Doure o frango e coloque em um prato. Frite o alho e, quando estiver dourado, acrescente o vinagre e o vinho branco. Espere reduzir 2/3 do volume. Desligue o fogo e coloque o creme de leite e a manteiga, misturando constantemente. Volte o frango para o molho e esquente levemente. Para o purê de batata, cozinhe as batatas inteiras e com casca. Enquanto as batatas cozinham, corte a cebola e doure no azeite. Quando a cebola estiver bem dourada e translúcida, desligue o fogo e misture a mostarda. Quando as batatas estiverem bem cozidas, corte ainda quentes em pedaços. Bata com garfo ou use espremedor de batata e misture com o leite e manteiga. Acrescente a mistura de cebola e mostarda e misture bem. Acerte o sal e coloque a noz. Para a salada, pique o tomate e a cebola roxa bem pequenos. Pique finamente salsa e o coentro. Misture tudo com vinagre e azeite extravirgem. Prove e acerte o sal.

Serviço

Grace's Cozinha (@graces_cozinha)
Rua Bernardo Guimarães, 2044, Lourdes
(31) 98391-3888

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