Crescemos ouvindo que nem tudo que reluz é ouro. Mas, nesse caso, pode acreditar: é ouro mesmo o que você encontra em pratos de restaurantes em Belo Horizonte e Tiradentes. Usado há tempos na confeitaria, o metal precioso, em formato fino como uma folha de papel, vem aparecendo em todo tipo de receita. O enfeite dourado não tem cheiro, sabor ou textura. O que chama atenção é o brilho capaz de transformar a apresentação de entradas, pratos principais e sobremesas.
“Sempre usei pela sofisticação e elegância. Em qualquer lugar do mundo, o ouro tem esse significado. Então, quando a pessoa come, entende que é algo mais precioso e exclusivo. Como se fosse uma joia”, aponta a confeiteira.
Elisa costuma finalizar com ouro as entremets, sobremesas francesas reconhecidas pela complexidade de sabores e texturas. Ou seja, na visão dela, são valiosas. A última criação foi para o dia dos pais. Ganhou o nome de entremet Paternaire (parceiro em francês). As camadas de massa sablée de amêndoas, mousse de chocolate e namelaka de pistache são cobertas por uma glaçagem de chocolate pulverizado. Nos buraquinhos de cada esfera, ela coloca pistache tostado e folha de ouro, alternadamente.
O detalhe dourado também aparece na decoração da entremet L’Essentiel, lançada no dia dos namorados. Era um coração vermelho recheado com mousse de coco, namelaka de caramelo e biscuit de azeite. A entremet Vanilla, com mousse de baunilha, caramelo com flor de sal e pasta de avelã, também entrou na lista. Elisa ainda enfeita com ouro bombons de coleções especiais e casamentos.
Segundo a confeiteira, a primeira pergunta que as pessoas fazem é se podem comer. E ela já tem a resposta na ponta da língua: sim, aquele pontinho dourado tem uma quantidade de ouro (puro) dentro do limite da recomendação de ingestão diária.
“Quando explicamos isso, todo mundo fica com vontade de experimentar. O ouro gera muita curiosidade e agrega mais valor ao produto”, aponta Elisa, que tem usado a versão flocada, por ser mais fácil de manusear. Como a folha é muito fina e delicada, qualquer ventinho pode atrapalhar a aplicação. Além do ouro, ela está importando prata e cobre comestíveis, que também são muito usados na França.
“Acho que o ouro traz referências de beleza, sofisticação e abundância em qualquer lugar em que esteja, seja em barra, relógio ou na comida”, destaca Felipe Rameh, que viu o metal precioso pela primeira vez na cozinha quando trabalhava no D.O.M, em São Paulo. Alex Atala usava a folha para finalizar uma torta de chocolate com castanhas.
Muitos anos se passaram e ele “garimpou” a ideia para apresentar no Tragaluz, em Tiradentes, onde está como chef executivo. Na hora de criar o menu de réveillon, o chef se lembrou do creme de couve-flor que costumava comer no tradicional restaurante da cidade histórica. Como era virada de ano, fazia sentido incluir um elemento dourado, que, principalmente nessa época, simboliza prosperidade.
“Esse prato é muito importante para o Tragaluz, porque traduz a essência do restaurante. A Zenilca (fundadora) sempre teve a preocupação de que lá fosse um lugar de se restaurar, trazendo para o conceito da restauração. Um lugar para que, depois de subir ladeiras e visitar museus, você pudesse tomar um vinho e comer algo que acolhe. Uma comida despretensiosa, mas substanciosa.” Há oito anos, a casa está sob comando do sobrinho de Zenilca, Pedro Navarro, e sua esposa Patrícia.
Em datas especiais
Felipe fez a sua versão da receita, com couve-flor assada no vapor (para ficar com o sabor concentrado) e levemente tostada e creme de leite fresco. Descrito como “aveludado”, o creme chegava à mesa com um florete inteiro, que ficava reluzente com a folha de ouro. Para completar, queijo azul mineiro da Serra das Antas e farofa de pão preto de sementes e castanhas. A entrada agradou tanto que entrou no menu fixo, mas só é servida com a folha de ouro em datas especiais.
Assim como o chef ficou surpreso quando soube que o ouro poderia estar na mesa, os clientes se surpreendem com o elemento dourado no prato. “As pessoas ficam curiosas e interessadas, muitas não faziam ideia de que se comia ouro. Elas riem, tiram fotos e isso marca a experiência”, observa.
Não é a primeira vez que Leo Paixão trabalha com ouro. A diferença é que agora, em vez de colocar um pedaço pequeno, ele envolve totalmente um dos snacks com a folha. “A ideia é servir um bombom embrulhado em papel dourado, mas que você possa comer a embalagem também”, explica o chef do Glouton.
O snack dourado faz parte da primeira etapa do novo menu degustação do restaurante. Visualmente, lembra aqueles doces embalados em papel laminado, com dobras que se formam aleatoriamente, criando textura. Ao abocanhar o embrulho, você encontra um bombom salgado. “Faço como se fosse um foie gras, acerto o teor de gordura com manteiga, mas uso fígado de galinha. Acrescento no recheio conhaque, vinho do Porto e pimenta-do-reino”, descreve.
Depois de ganhar formato redondo, o creme de fígado de galinha é glaceado com manteiga de cacau, seguida por uma camada de crocante de pão amanteigado. Só na hora de servir que os cozinheiros embrulham o bombom com a folha de ouro. “Todo mundo acha bem divertido comer ouro. Esse snack é o primeiro tempo e no fim do menu sempre fica algum pedacinho dourado no rosto das pessoas”, comenta.
Para refletir
O ouro entra como uma provocação na sobremesa do restaurante Birosca que diz muito sobre as riquezas do nosso estado. “Trouxe o ouro como uma metáfora da reflexão: qual é o verdadeiro ouro de Minas Gerais, os metais ou as comidas? Acho que a gastronomia é a maior riqueza que temos e o milho é um dos principais ingredientes da cozinha mineira”, analisa a chef Bruna Martins.
No prato, todo em tons de amarelo, reina um milho praticamente em tamanho real de chocolate branco. Por dentro, creme gelado de queijo de cabra com ricota. O bombom é banhado por um mingau morno de milho. Pedaços de folhas de ouro são salpicadas ao redor. “Brinco de servir um milho bem realista, então falo que é um ‘milhão’. Junto com o ouro, ele traz essa referência visual de dinheiro.”
Bruna deixa claro que a escolha de incluir ouro na sobremesa não se baseia em tendências nem tem o objetivo de acrescentar valor. Simplesmente amarra o conceito do prato. “Fui pelo lado nonsense, de brincar com a ostentação e o extrachique. As sobremesas dos restaurantes foram se internacionalizando demais e voltar a usar milho é uma forma de valorizar a cultura gastronômica local”, defende.
O ouro enfeitava uma das etapas do menu degustação do Per Lui, com arroz pérola orgânico no caldo de galinha e erva-doce. Depois de cozidos, os grãos se aglutinavam, permitindo que o prato ganhasse altura. No topo, a folha dourada parecia dançar. Explica-se: como é muito fina e leve, ela se mexe a qualquer movimento quando não está totalmente presa.
“O ouro em si não tem cheiro nem sabor, então não tem nenhuma outra função a não ser estética. Nesse contexto, mostrava que o que valia não era o dourado, e sim o arroz todo rico em sabor. Quis mostrar que nem tudo o que reluz é o mais especial”, justifica Yves, que também provocou reflexões ao questionar a extravagância que se viu no Catar de comer carne revestida com ouro na Copa do Mundo.
A estratégia funcionou. O chef conta que as pessoas ficavam deslumbradas com o prato, mas, ao comer, entendiam que não o ouro não acrescentava nada além do visual.
O mais puro de todos
As folhas de ouro existem desde os tempos antigos, inicialmente usadas nas artes. Pequenas barras se transformam em fitas que são afinadas até ficar com espessura de uma folha de papel de seda. Tão finas que qualquer movimento faz com que elas balancem. Em alguns lugares do mundo, como Itália e Mianmar, os quase extintos “batedores de ouros” fazem esse trabalho manualmente usando martelos. As folhas são encontradas com facilidade na internet, mas tome cuidado: o ouro comestível tem que ser puro (de 24 quilates), senão pode oferecer riscos à saúde.
Creme de couve-flor com couve-flor tostada, farofa de pão preto e brotos orgânicos (Felipe Rameh - Tragaluz)
Ingredientes
1,2kg de couve-flor; 1 litro de leite integral; 1 colher de chá de tahine; 60ml de creme de leite fresco; sal a gosto; pimenta-do-reino a gosto; 1 pão preto (de sementes e castanhas); brotos orgânicos
Modo de fazer
Cozinhe 900g de couve-flor no leite. Depois de cozida, espere esfriar um pouco. Em seguida, adicione no liquidificador a couve-flor cozida, um pouco do leite do cozimento e o tahine e bata. Por fim, adicione creme de leite fresco até que vire um creme liso e espesso. Use sal e pimenta-do-reino moída na hora para temperar. Toste 300g de couve-flor fresca na manteiga e leve ao forno a 200° por 5 minutos. Para a farofa de pão, rale o pão resfriado, com textura firme, e leve para a frigideira com manteiga até que fique crocante. Mexa constantemente para não queimar. Em um prato fundo, adicione 1/4 do creme de couve-flor. Finalize com a couve-flor tostada, a farofa de pão preto e os brotos orgânicos.
Serviço
Espetacular Doceria (@espetacular_doceria)
Rua Grão Pará, 629, Santa Efigênia
(31) 98888-0790
Tragaluz (@tragaluztiradentes)
Rua Direita, 52, Centro – Tiradentes
(32) 3355-1424
Glouton (@gloutonbh)
Rua Bárbara Heliodora, 59, Lourdes
(31) 3292-4237
Birosca (@biroscas2)
Rua Silvianópolis, 483, Santa Tereza
(31) 99957-7267
Per Lui (@perluibh)
Rua Muzambinho, 608, Serra
(31) 98365-9397