Com sabor levemente picante, denso e com um pouco de acidez, o queijo da Serra da Canastra é uma marca registrada do estado de Minas Gerais, mas que pode acabar em breve. Pelo menos é o que indica a organização sem fins lucrativos Slow Food, que colocou a iguaria mineira no projeto Arca do Gosto, iniciativa que ajuda a evitar que ingredientes e receitas se extingam.
A justificativa para o risco de desaparecimento do queijo canastra tem relação com a quebra na cadeia de transmissão do modo de fazer a delícia. Isso porque muitos filhos de produtores rurais que atuam na produção não querem dar continuidade ao trabalho, preferindo ir para a cidade e aprender outras profissões.
Diariamente, o professor do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA - UFMG) e doutor em ciência e tecnologia de alimentos Maximiliano Soares Pinto encontra alunos, filhos de produtores rurais, que veem no estudo uma forma de tirar os pais do campo.
“Eles deveriam pensar em estudar para investir no negócio do pai no campo. Porque hoje a valorização desses produtos artesanais tem mostrado um caminho inverso”, aponta.
“Eles deveriam pensar em estudar para investir no negócio do pai no campo. Porque hoje a valorização desses produtos artesanais tem mostrado um caminho inverso”, aponta.
O especialista conta que, há 20 anos, Minas Gerais tinha apenas quatro regiões reconhecidas como produtoras de queijo minas artesanal. Agora passam de 20.
“É um negócio que está em risco de extinção, mas que também está muito longe ainda de ter conseguido chegar ao ápice de produção, porque ele vem crescendo muito nas regiões. Com a valorização do queijo minas artesanal, a gente consegue ver produtores com renda o suficiente para fazer com que os filhos continuem esse negócio”, pontua.
“É um negócio que está em risco de extinção, mas que também está muito longe ainda de ter conseguido chegar ao ápice de produção, porque ele vem crescendo muito nas regiões. Com a valorização do queijo minas artesanal, a gente consegue ver produtores com renda o suficiente para fazer com que os filhos continuem esse negócio”, pontua.
Outro motivo que levaria à extinção do queijo canastra é que, como o processo é feito artesanalmente e com leite cru, há uma dificuldade em seguir a legislação sanitária para a produção de laticínios, uma vez que as normas foram criadas para grandes indústrias. As regras ainda equiparam pequenos e grandes produtores quanto ao pagamento de tributos, identificação e cuidado com os animais.
A falta de legislação própria acaba levando a produção do queijo canastra para a informalidade, não permitindo, assim, a rastreabilidade do alimento e podendo levar riscos à segurança alimentar.
Maximiliano explica que a legislação atual é muito rigorosa e que existe um debate sobre o quanto essas normas poderiam ser aplicadas ao pequeno produtor para garantir um equilíbrio. Ele destaca que qualquer queijo feito com leite cru apresenta certo risco e, por isso, a legislação federal estabelece que um queijo tem que ficar pelo menos 60 dias maturando para matar os microrganismos patogênicos.
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“Deve ser feito um estudo científico de tempo de vida de prateleira para saber com quanto tempo esse queijo pode ser comercializado. Aí entra o debate, porque existem estudos inconclusivos e outros divergentes. De um lado fica o produtor, que depende da produção, e do outro lado as autoridades, que têm a visão do risco para a população quando se fala em risco de contaminação”, explica o professor.
Para reverter o quadro, Maximiliano aponta dois caminhos: o primeiro é o da valorização do produto pelo próprio mercado brasileiro, com repasse maior do valor do queijo para o produtor; já o segundo diz respeito à criação de políticas públicas voltadas especificamente para o morador da área rural.
“É um caminho lógico: a gente não quer que o queijo desapareça, então temos que ter boa vontade política. Isso é importante porque gera muito emprego, muita renda e muitos dividendos para o governo”, argumenta.
Legislação é importante
O produtor de queijo canastra Humberto Gontijo de Oliveira, de 59 anos, atua há 20 no ramo. Ele comanda a queijaria Queijo Vale da Bateia, de Delfinópolis, no Sul de Minas, e produz uma média de 30 peças por dia. Para ele, a legislação tem um lado importante. “Tem que ter essa lei, porque o povo faz queijo falsificado e diz que é canastra. Ou o cara que não quer respeitar a vigilância sanitária. Isso aí é básico”, defende.
Por outro lado, Humberto entende que parte da legislação é muito específica, como a proibição das “lanterninhas” (aberturas no teto) no espaço de maturação. E esses pontos acabam atrapalhando. “Eu não sou contra a legislação no geral, mas os caras que estão atrás da mesa em Brasília nunca fizeram um queijo, nunca pisaram numa bosta de vaca”, diz, com certa indignação.
Humberto é pai de duas filhas, que foram para a cidade, formaram-se em medicina e, pelo menos à primeira vista, não vão seguir o trabalho do pai. Apesar de desejar que a produção continue, ele diz não se importar caso a tradição não siga na família. “Não vou me aposentar. Enquanto for vivo, vou viver de queijo. Se eu der baixa, elas é que vão resolver, eu não vou estar aqui para ver. Gostaria de manter a tradição, mas elas podem ser o que quiserem”, argumenta.
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Para o produtor, as novas gerações realmente não seguem a tradição. “Já esteve pior, mas deu uma melhorada. Hoje tem muita gente nova fazendo veterinária e assumindo o negócio do queijo”, conta, ressaltando que os casos ainda são poucos. Humberto acredita que o queijo canastra não corre risco de extinção, mas que é preciso investir em um queijo bom.
Novas gerações
Na contramão do esperado, Filipe Samir Tôrres Campos, de 34 anos, assumiu a produção da fazenda da família na queijaria Queijo da Santa, em Bambuí, Região Centro-Oeste do estado. O negócio já passou por três gerações: começou com os avós, continuou com um tio e agora é ele quem comanda. Mas, agora, com um diferencial: produz queijo canastra.
Filipe chegou a deixar a fazenda para estudar, mas, depois de se formar em medicina veterinária, resolveu tocar o negócio da família. “Desde pequeno, vivi aqui na fazenda e sempre gostei da atividade leiteira, sempre quis trabalhar com isso. Mas não imaginava trabalhar com queijo. Quando descobrimos que Bambuí é um dos municípios que produz queijo canastra, vimos uma oportunidade de sair da mão das empresas que compram leite”, conta o fazendeiro.
O produtor reconhece que as novas gerações estão mais distantes da produção do queijo, mas não por falta de interesse. “Muitos não têm propriedade rural para iniciar na atividade. E os investimentos são muito caros”, justifica. Os gastos a que ele se refere são os referentes àqueles necessários para se adaptar à legislação sanitária atual, que pode pesar no bolso do produtor.
“Hoje em dia, nós temos muitos protocolos sanitários (nos animais e na produção do queijo) que auxiliam na diminuição do riscos sanitários para o consumo humano. Essas normas sanitárias demandam alguns investimentos e eu acho que esse custo pode aumentar o risco de extinção. Mas, com a valorização do nosso queijo, conseguimos recursos para esses investimentos”, pontua.
O que é Arca do Gosto
Idealizada pelo movimento Slow Food, a Arca do Gosto é um catálogo mundial que identifica, localiza, descreve e divulga alimentos especiais ameaçados de extinção. Desde o início da iniciativa, em 1996, 5979 produtos de dezenas de países foram listados. os critérios são: qualidades gastronômicas especiais, ligação com a área geográfica local, produção artesanal e com ênfase na sustentabilidade, e o risco de extinção.Serviço
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