Angu, quiabo, arroz, feijão, carne de porco... Minas Gerais não está tão distante assim, gastronomicamente falando, da África. Muitos dos ingredientes usados por lá estrelam pratos que fazem parte do nosso cotidiano. Mais do que apontar a influência da cultura africana na cozinha mineira, pequenos negócios trazem receitas típicas do continente para Belo Horizonte. Os nomes podem soar estranhos, mas os sabores são bem conhecidos.
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Joias de comer: pratos são enfeitados com folhas de ouroAcha chuchu sem graça? Você tem que conhecer restaurante de londrino em BHO que restaurantes de hotel fazem para atrair o público da cidadeComo o terroir influencia a charcutaria mineiraBolovo: petisco com ovo e carne empanada se espalha por BHOktoberfest à mineira leva rock e cerveja ao Mirante MeetA mãe de Princess tinha um bufê para casamentos com comida tradicional do Congo. Mas não queria essa mesma vida para nenhum dos seis filhos. “Ela não teve oportunidade de se formar, então tinha a preocupação de que fizéssemos faculdade. Lá no Congo, a visão sobre o mundo é mais restrita e ela queria muito que fôssemos criativos e tivéssemos senso crítico”, conta a filha.
Procurando bolsas de estudos no exterior, a família chegou a um programa para estudantes africanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Princess escolheu publicidade e propaganda, e a irmã se formou em relações-públicas, mas elas acabaram seguindo, juntas, os passos da mãe. “Chegando aqui, o que mais me tocou foi a questão do preconceito. No Congo, a maior parte da população é negra, então não conhecia o racismo. Já tinha visto em filmes, mas não sabia que ainda podia existir. Foi quando reparei também que não tinha gastronomia africana em BH”, relembra a publicitária.
Malewa é uma palavra que no Congo indica um restaurante popular onde você vai com a família e que conta a história de onde está através dos pratos. E é exatamente isso o que as irmãs fazem, mas de uma forma mais ampla, incluindo toda a África. “O nosso objetivo não é só fazer comida, é contar a história do continente”, resume Princess, que vive há 12 anos em BH (seus dois filhos nasceram aqui) e percebe que muita gente não conhece bem a África. “Muita gente tem medo de provar o que é diferente, mas falo que tudo o temos no Brasil se usa na África, só a forma de cozinhar que muda.”
A cada semana, um país fica em destaque no cardápio do Malewa Food. Assim, conta, ao mesmo tempo, a história do prato e do seu lugar de origem. O Congo, naturalmente, é um território muito “visitado” pelas irmãs. Entre os pratos de lá, tem o pondu, folha de mandioca batida com óleo de dendê, cebolinha e cebola. Fica parecido com um caldo, só que mais grosso, e costuma ser servido com peixes, legumes, arroz, feijão e banana-da-terra.
Princess também fala do poulet mayo, frango e maionese enrolados em folha de bananeira e assados na brasa, e do mitake, que pode ser comparado ao nosso bolinho de chuva, só que a massa frita não leva leite, apenas farinha, água, açúcar, fermento e baunilha. Come-se tradicionalmente com molho salgado de amendoim.
Arroz em todo lugar
Seguimos a volta pelo continente africano com o arroz jollof (com pimentão, cebolinha, cebola, concentrado de tomate e carne de cabra), do Senegal. Damos um pulo em Camarões com o pulet DG (arroz com frango, banana-da-terra frita, cenoura, pimentão e cebolinha).
Partimos para o Gabão com o curioso hambúrguer de banana-da-terra (no lugar do pão) com carne de boi, salada cremosa de repolho, tomate, milho e queijo cheddar. Outra parada possível é no Benin, que está representado, por exemplo, pelo atassi (arroz com feijão, quiabo e bacalhau).
Partimos para o Gabão com o curioso hambúrguer de banana-da-terra (no lugar do pão) com carne de boi, salada cremosa de repolho, tomate, milho e queijo cheddar. Outra parada possível é no Benin, que está representado, por exemplo, pelo atassi (arroz com feijão, quiabo e bacalhau).
Na parte das bebidas, você pode experimentar o tangawisi, suco de gengibre, limão e mel (que pode ter acréscimo de rapadura), típico do seu país, e o bissap, refresco muito consumido na África Central que mistura hibisco com outros ingredientes, como menta, abacaxi, morango e manga.
Segundo Princess, o Malewa atrai um público diverso, incluindo afrodescendentes, curiosos e quem ama a África. Em geral, as pessoas que conhecem a história e comem o prato viram fregueses. As irmãs começaram o negócio apenas no delivery por falta de recurso (usam a cozinha de casa, no Bairro Liberdade, Região da Pampulha), mas sonham em abrir um restaurante.
Fogão a lenha
As memórias mais deliciosas de Kelma Zenaide, do Kitutu, envolvem a cozinha da casa do avô, que nasceu no Quilombo dos Pinhões, em Santa Luzia, e criou a família em Contagem. Lá tinha quintal com horta, galinha, porco e fogão a lenha. “O meu avô chegava do trabalho e se sentava em um toco de madeira próximo do fogão a lenha e ia fazendo o tempero para as carnes. Eu ficava ali do lado e, com isso, fui me encantando pela culinária.”
Seus pais tinham um botequim, mas não conseguiam vender os pratos que faziam em casa, apesar dos elogios. “Fui crescendo e achando estranho que a nossa comida era elogiada, mas não tinha valor econômico. Comecei a me questionar por que fazia muito sucesso pizza, bacalhoada e sushi do que macarrão com sardinha e tutu de feijão e fui pesquisar para entender melhor isso”, conta a cozinheira, que tem formação em letras e se especializou em literaturas africana e afro-brasileira.
Com todo o dinheiro que tinha, Kelma comprou uma Kombi e em 2013 começou a rodar a cidade servindo pratos da cozinha afro-brasileira, que misturavam referências históricas com sabores afetivos. “Os meus antepassados vieram de lá, trouxeram o que puderam e aqui criaram algo diferente. Tiveram que adaptar as receitas. Por isso, falo em cozinha afro-brasileira, e não africana”, justifica.
O Angu de Mina se tornou muito emblemático. Abriu seus caminhos para ganhar visibilidade e, sem querer, fez a conexão com o seu passado. “O nome era para homenagear quem veio da Costa da Mina e foi escravizado em Minas Gerais e Rio de Janeiro. Não tinha nenhuma referência à minha família. Só que, em 2021, quando fui pesquisar minha origem e fiz um DNA, descobri que era de lá. Sou 96% de origem africana e mais de 70% da Costa da Mina”, conta, com orgulho.
Tem outro motivo para o prato ter um lugar especial na sua história: a presença do coração de boi, receita que aprendeu com o avô. “Ele recheava com toucinho fumeiro, porque não existia bacon, costurava com linha e agulha, selava e deixava cozinhando lentamente no fogão a lenha. Era o prato que mais me encantava e hoje reproduzo com outra roupagem.”
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No Angu de Mina, o coração de boi em iscas se mistura a suã, cenoura, moranga, batatas inglesa e doce, jiló, couve, quiabo e cheiro verde, que vão por cima do angu de fubá de moinho d'água.
Bahia presente
Faz sucesso o arroz de crioula, com camarão, mexilhões, salada de três alfaces e pesto de coentro e castanha de caju. Para temperar, dendê e leite de coco, ingredientes que associamos mais facilmente à Bahia, mas que caracteriza a cozinha africana. Eles também estão na moqueca de banana-da-terra, servida com farofa de dendê, folhas de coentro e acaçá. “Fazemos o acaçá com farinha de milho branco de canjica, leite de coco e coco fresco. Fica como se fosse angu, só que mais mole.”
Além de cozinhar, Kelma conta histórias com os pratos. O feijão-tropeiro, segunda ela, tem ligação direta com a história africana, já que eram os escravos que alimentavam os tropeiros. Sua versão, que combina feijão-roxinho, calabresa, bacon, farinha de milho e ovo frito, faz uma mistura de Minas com Bahia (a família do seu pai é baiana).
A cozinheira trocou o vinagrete por molho de tomate feito com semente de aroeira (pimenta-rosa) e incluiu como acompanhamento o inusitado purê de abóbora com leite de coco e dendê. Outro elemento importante da receita é o torresmo de lata, que ela aprendeu com o pai, mas logo avisa que a receita é segredo. “Tenho torresmo de quase um ano submerso na banha. Quanto mais tempo, mais sabor e mais crocância. Ele fica sequinho, sem gordura.”
Para acompanhar, o drinque Cambinda, à base de um fermentado que ela desenvolveu com gengibre, cravo, canela e rapadura e cachaça.
Na pandemia, Kelma acabou estacionando a Kombi na garagem e foi para o mercado de catering (sua especialidade é camarim), mas tem novidades. No mês que vem, quer comemorar os 10 anos do Kitutu com a abertura de um espaço no Centro da cidade. Mais que um restaurante, espera que seja um luga de valorização da cultura afro-brasileira. Já o food truck deve voltar para as ruas em janeiro.
“Seria mais fácil fazer faculdade e trabalhar em restaurante, mas deixaria minhas raízes de fora. Só sou quem eu sou por causa da minha origem e, depois que resolvi traçar esse trajeto da culinária afro-brasileira, me sinto mais realizada”, comenta Kelma, que batalha para que mulheres negras ganhem mais destaque na cozinha, onde ficam “invisibilizadas”.
Ao som da história
Giancarlo Zorzin vem de uma família italiana, mas sua curiosidade o aproximou da cozinha africana. Biólogo por formação e cozinheiro amador, ele sempre gostou de jazz e blues por influência do pai. Logo, Nova Orleans, ao Sul dos Estados Unidos, no estado de Luisiana, estava em evidência no seu mapa-múndi por ser o berço do jazz. O detalhe é que a cidade também é conhecida pelas cozinhas creole e cajun, que carrega, entre outras tantas, influências africanas.
Na pandemia, confinado em casa, ele resolveu cozinhar pratos de lá e começou a ouvir elogios dos amigos. “Em uma breve pesquisa, vi que era uma culinária bem desconhecida do brasileiro, de modo geral, mas era muito cheia de histórias e sabores”, diz Gian, que ainda não conhece Nova Orleans.
Daí surgiu a ideia do restaurante Gumbo!, aberto em janeiro na Galeria São Vicente, Centro de BH. “Meu temor era a aceitação do mineiro, mas foi muito além da minha expectativa. Assim que a gente abriu, a casa ficou lotada por vários dias. Fiquei surpreso porque vi que as pessoas eram atraídas pela curiosidade de provar pratos que não conheciam ou só tinham ouvido falar do nome”, destaca do sócio da casa, que embala as experiências gastronômicas com jazz e blues, obviamente.
Alguns preparos são comuns a todos os pratos, como o Holy Trinity (em português, Santíssima Trindade), considerado a base da cozinha de Luisiana. Enquanto os mineiros fazem refogado com cebola e alho, lá eles juntam salsão, pimentão e cebola. Isso se junta ao tempero creole, uma mistura de especiarias em pó (como pimentas, pápricas, mostarda, tomilho e louro). Sim, é uma comida condimentada, mas nada que agrida o paladar.
O que também se repete é a mistura de proteínas. “Isso está ligado à escravidão, assim como a feijoada. A dieta dos escravos era baseada no que eles tinham acesso”, aponta.
Gumbo é o nome de um prato muito emblemático das culturas creola e cajun, espécie de guisado com carnes de porco, frango, camarão e quiabo servido com arroz e pão de milho (muito parecido com a nossa broa de fubá, mas salgado). Lá, para ficar diferente, tem forma de waffle. Nessa receita, também entra o dark roux (versão do francês roux, que tem função espessante). “Juntamos farinha, óleo e manteiga e queimamos até ficar bem escuro. Isso dá um sabor caramelizado.”
Outro prato bem conhecido é o jambalaya, tipo de paella da região, com arroz, camarão, porco defumado, frango, quiabo e pimentas caribenhas. Gian optou pela versão creole, chamada de Red Jambalaya pela presença do tomate. Vale conhecer o Grits, que se parece muito com a nossa canjiquinha, só que mais grossa, com queijo, frango, camarão, porco e molho picante.
Moqueca de banana-da-terra (Kelma Zenaide - Kitutu)
Ingredientes
1 pimentão; 2 tomates; 2 cebolas; 2 bananas-da-terra (de vez); 300ml de leite de coco; 100ml de água; 1 colher de sopa de dendê; talos de coentro picadinho; tempero caseiro a gosto
Modo de fazer
Em uma panela de barro, de preferência, disponha todos os ingredientes. Deixe pegar fervura. Apure o tempero e desligue o fogo. Acrescente folhas de coentro picadinhas. Sirva com salada, arroz, farofa, acaçá (foto) ou acompanhamento de sua preferência.
Serviço
Malewa Food (@malewa___food)
(31) 99224-3613
Kitutu (@kitutu.gourmet)
(31) 99839-2297
Gumbo! (@gumbosoulfood)
Avenida Amazonas, 1049 – loja 75, Centro