Ele chegou de fininho, sem fazer muito alarde, mas aos poucos vem ocupando seu espaço nos bares de Belo Horizonte. Com todo o seu encanto, o bolovo elevou – e muito – a experiência de comer ovo como petisco. É lindo ver aquela gema mole, exibindo-se com uma cor amarela que abre qualquer apetite. Mas não é só isso. O ovo cozido se junta a uma camada de carne moída empanada e frita. Quem resiste a essa combinação?
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Bean to bar: cinco marcas mineiras que transformam cacau em chocolateNegócios driblam o preconceito com receitas atrativas sem glútenOnde comer em Belo Horizonte pratos do continente africanoComo o terroir influencia a charcutaria mineiraO primeiro bolovo que ela comeu foi o que ela mesma fez, com linguiça de porco, seguindo os passos do vídeo. “Fiz de várias formas, sempre com carne de porco e achei que o melhor, no fim das contas, era misturar pernil moído com um pouco de toucinho para dar liga na hora de moldar. Ele fica todo aglutinado e dá super certo”, conta a chef, que tempera a carne com gengibre e cebola em pó, noz-moscada, sal e pimenta.
Samira não esconde que “apanhou” muito. Foram vários testes até definir o tempo cronometrado de cinco minutos e 15 segundos para cozinhar o ovo em água fervendo com um pouco de sal, a fim de evitar rachaduras. A gema se mantém mole, como manda a tradição. Imediatamente depois, ele é mergulhado em água com bastante gelo. Leva-se um tempo para voltar a manuseá-lo.
A mistura de carnes se transforma em almôndegas de 100 gramas, que são esticadas com rolo para atingir a espessura desejada. “Para eliminarmos a possibilidade de a carne parecer mal passada, embora carne de porco fique rosada mesmo, deixo a massa um pouco mais fina. Fica com aquela espessura para não rasgar na hora de moldar e o suficiente para cobrir o ovo”, detalha.
Para a chef, o mais difícil é moldar o bolovo sem estourar o ovo. “Ao mesmo tempo em que ele exige agilidade, temos que moldar delicadamente para ficar no formato.” Ela usa um copo como molde e coloca o ovo lá dentro enquanto modela a massa, que volta para a geladeira. Assim que o pedido chega à cozinha, eles empanam com farinha de trigo, ovo e panko e fritam por imersão.
Samira não consegue definir se o bolovo é um tira-gosto, uma entrada ou um salgado, mas sabe que ele é extremamente sedutor. “O bolovo é muito bonito e atraente pela gema escorrendo e se torna interessante para quem não é familiarizado com técnicas de cozinha. As pessoas ficam encantadas e intrigadas de pensar como que faz para a gema ficar mole com a carne em volta”, relata.
O bolovo não vai para a estufa, sai direto da cozinha, o que garante o frescor da gema e do empanado. Os garçons servem o petisco fechado, para ser partido com garfo e faca na mesa. Segundo a chef, nada mais interessante do que a surpresa de parti-lo e encontrar a gema escorrendo. Uma cena de encher os olhos. No paladar, ele é bem fácil de agradar. Quem não gosta de ovo, carne moída e fritura? Tudo junto, melhor ainda.
Tem um dia só de bolovo no Nada Contra. Toda quarta, ele reina, supremo, nas mesas. “No início, foi um boom. Muita gente ligava para reservar mesa, ficava tudo lotado. Depois, vários outros lugares começaram a fazer, aí a demanda foi ficando mais distribuída. Mas tem cliente que escolhe vir na quarta para comer bolovo e uns passam para levar para casa.”
Existe o desejo de servir o petisco todos os dias e Samira já está preparada para surpreender o público. “Descobri que o céu é o limite. Tem bolovo nos quatro cantos do mundo e cada um faz de um jeito diferente. É muito legal ver a variedade existente.”
Todo dia é dia
Quando decidiu que a gastronomia do bar Moema seria paulistana, Pedro Mendes pensou logo no bolovo, muito famoso nos botecos de São Paulo. Para fazer a primeira versão, o chef – que nunca tinha comido o salgado, só conhecia de nome – adaptou sua receita de hambúrguer. Testou, aprovou e chegou ao blend que usa até hoje: 70% de maçã de peito e 30% de bacon. “O bacon dá um gosto de defumado e a sua gordura ajuda a dar consistência”, justifica.
Depois de desenvolver a receita, Pedro foi até São Paulo em busca de mais referências. Na capital paulista, o bolovo está muito associado a bares com estufa e é para comer com as mãos. Mas, como essa não era a proposta do Moema, ele inovou na forma de servir.
O bolo com carne e ovo chega à mesa em uma panelinha de ferro, já partido ao meio, apoiado em um ragu de bacon, que deixa a experiência ainda mais saborosa. O chef tempera a gema com flor de sal e rega com azeite trufado, fazendo chegar aos clientes um apetitoso perfume. A sugestão dele é comer no prato, com garfo e faca, para conseguir sentir todos os elementos a cada bocada.
Como aponta Pedro, o grande desafio é acertar o ponto da gema e conseguir replicar isso da melhor maneira possível. “Uma coisa é fazer um ovo cozido em casa, a outra é cozinhar levas de 15 em 15.” Sua técnica consiste em colocar sal e vinagre na água (para que ela ferva a mais de 100 graus) e cronometrar 5 minutos e 50 segundos. Depois chega-se a uma outra etapa complexa, que é descascar o ovo. Cada cozinheiro fica livre para encontrar suas artimanhas, o importante é que ele saia inteiro.
Todo dia tem bolovo no Moema, o que significa que eles produzem bolovo todos os dias. “Quando fica de um dia para o outro na geladeira, não é que estraga, mas a gema resfria. Com isso, a temperatura do óleo da fritadeira não chega lá dentro e a gema vai ficar gelada e um pouco mais gelatinosa na hora de comer”, informa. A equipe do dia prepara o ovo e a turma da noite termina o processo até fritar, só quando o cliente faz o pedido.
O bolovo chegou para ser a estrela da casa, e de fato virou. Em quase um ano de funcionamento, o Moema ficou conhecido como “o bar do bolovo”. Os clientes viram fãs e acabam espalhando a notícia por aí. “Não é o que mais vende, mas, quando a pessoa vem pela primeira vez, experimenta e acaba compartilhando a sugestão. Dá gosto de ver o amarelo da gema escorrendo e acho muito bom comer aquele ovo cremoso com a parte crocante por fora.”
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Pedro conta que vai incluir no cardápio uma nova versão de bolovo ainda este ano. Nas pesquisas, acabou chegando ao de bacalhau, que ganhou a companhia de azeite de limão e coalhada seca. “Ovo com bacalhau combina muito bem, tanto que o nosso arroz de bacalhau tem um ovo cozido por cima.” A massa parece com a de bolinho de bacalhau. Aos interessados, ele avisa que podemos esperar mais variações, já que são inúmeras as possibilidades.
Veio para ficar
Enquanto comia bolovo em um bar em São Paulo, Isabela Rocha (a Rochinha) pensava: “Isso é tão bom, pena que não tem em BH.” Na primeira oportunidade, ela resolveu a questão. Desde que assumiu a cozinha do Pirex, em fevereiro, passou a servir o petisco “importado”. Toda quarta-feira (por coincidência o mesmo dia do Nada Contra) tem o salgado frito com carne e ovo na estufa do Pirex.
Com empolgação, a chef observa que o bolovo vem se espalhando pela cidade, mas percebe que nem todo mundo sabe o que é. Muitos confundem com aquele salgadinho de festa de massa de coxinha com ovo de codorna dentro. Mas ela avisa que o petisco de boteco é diferente, e muito mais gostoso. “Bolovo é muito bom, não tem como não gostar. Só não era característico daqui, mas acho que agora veio para ficar”, opina.
Para que o ovo fique com a gema mole, Rochinha calcula o tempo em torno de cinco minutos e 30 segundos (dependendo do tamanho). Depois de resfriado, ele vai ser envolvido por uma camada de massa de almôndega, metade porco (copa lombo) e metade boi (acém). O processo segue com o empanamento em farinha de trigo, ovo e farinha panko, o que deixa a massa bem crocante.
Os bolovos do Pirex não ficam na estufa. São fritos na hora para que a gema continue mole. A chef opta por entregá-los já partidos ao meio para que o cliente tenha facilidade de comer com as mãos. Temperado com maionese de ervas, o petisco pode ser compartilhado e também funciona como porção individual.
A estratégia de servir em um único dia da semana era temporária, só até a equipe se acostumar com a produção, que é bem trabalhosa. “Empanar ovo com gema mole não é tão fácil assim”, comenta a chef, que prefere produzir tudo no mesmo dia. Se o ovo passa muito tempo na geladeira, corre o risco de a gema ficar gelada e fora da consistência ideal quando o cliente for comer.
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Hoje os cozinheiros já dominam a produção, mas o dia do bolovo pegou tanto que tem gente que vai lá toda quarta só para se deliciar com o petisco. Quase toda semana é assim: o que faz vende. Na quarta seguinte, começa tudo de novo. E eles não pensam mais em mudar. Só planejam lançar outras versões.
Viagem pelo mundo
O bolovo tem origem na Escócia há dois séculos. Chamado de scotch egg (ovo escocês), era consumido, normalmente frio, como matula de viagem e lanche de piquenique. Mais tarde, ficou famoso nos pubs londrinos. Da Europa para o Brasil, chegou primeiro a São Paulo, marcando presença, principalmente, em bares de estufa paulistanos. Há pouco mais de um ano, começou a aparecer em bares e restaurantes de Belo Horizonte e vem se espalhando pela cidade.
Versão vegetariana
O restaurante Florestal tem uma versão vegetariana de bolovo. Falovo, para os mais íntimos. Isso porque, no lugar da carne, entra uma massa de grão-de-bico, a mesma do falafel, ícone da gastronomia árabe. “Estamos traduzindo uma comida de boteco, que não é tão comum em BH, em uma versão que todas as pessoas podem comer e que tem sabor de outra cultura”, pontua a chef Bruna Martins, que criou o menu inspirada em comidas de rua pelo mundo.
O bolovo vegetariano do Florestal chama a atenção por dois motivos principais. Primeiro, naturalmente, por não ter carne, o que faz com que seja mais leve. Segundo, pela surpresa de entregar sabores orientais. Bruna adiciona na massa de grão-de-bico muitos temperos frescos, entre eles hortelã, coentro e cebolinha, além de limão e pimenta síria. Tanto que o falafel fica um pouco esverdeado. Para completar, ela ainda serve o bolinho com maionese de tahine, aí a influência árabe fica mais presente.
Como o ovo tem durabilidade curta, eles produzem bolovo de dois em dois dias. Segundo Bruna, o processo é trabalhoso e envolve vários tempos de espera. Os ovos são cozidos por seis minutos para que fiquem com a gema mole. Em seguida, é preciso descascá-los com cuidado, evitando que se rompam, e levá-los para a geladeira. Já resfriados, são envolvidos pela massa de grão-de-bico. Ainda tem um intervalo antes do empanamento com panko para que estejam bem firmes.
Os bolovos são fritos na hora. A chef conta que reserva uma fritadeira só para ele, com óleo menos quente (a cerca de 160 graus), para fritar lentamente e aquecer por dentro sem enrijecer a gema. Tem até um termômetro para conferir se o interior está quente. A orientação é cortar imediatamente pela metade e servir bem quentinho. Se demorar, a gema pode desandar com o calor da massa.
“Acho que a beleza do prato está em acertar o ponto do ovo. Você corta e encontra a gema derretida no meio, parecendo um elixir. Na hora de comer, o interessante é sentir as quatro texturas: gema, clara, massa de grão-de-bico e crosta”, comenta Bruna, completando que o bolovo é muito querido e muita gente vai lá só para comê-lo. Normalmente, as pessoas pedem para compartilhar.
A partir do ano que vem, existe o desejo de explorar outras versões do bolovo, quem sabe até com carne. Bruna conta que já testou, por exemplo, com massa de quibe, ao qual deu o nome de quibovo.
Bolovo de acém com copa lombo empanado na farinha panko (Isabela Rocha - Pirex)
Ingredientes
10 ovos cozidos; 500g de acém moído; 500g copa lombo moído; 1 cebola cortada; 10 dentes de alho; 1 maço de salsinha; 1 pão de sal dormido; 100ml de leite; sal e pimenta a gosto; 200g de farinha de trigo; 3 ovos para empanar; 300g de farinha panko
Modo de fazer
Refogue o alho e a cebola até dourar. Hidrate o pão com o leite. Misture as carnes com o refogado, o pão hidratado, a salsinha picada, sal e pimenta a gosto. Cozinhe os ovos em água fervente por exatos 5 minutos e 30 segundos. Retire e coloque em água gelada. Faça almôndegas de aproximadamente 100 gramas. Empane cada ovo descascado com uma almôndega. Depois empane na farinha de trigo, no ovo e na farinha panko, nessa ordem. Frite a 180 graus até dourar.
Serviço
Boteco Nada Contra (@boteconadacontra)Rua dos Aimorés, 629, Funcionários
(31) 98988-6857
Moema (@moema.bar)
Rua Sergipe, 1370, Funcionários
(31) 3568-3555
Pirex (@barpirex)
Avenida Amazonas, 1073 – loja 54, Centro
Florestal (@florestal.bh)
Avenida Assis Chateaubriand, 176, Floresta
(31) 98395-3304