Jornal Estado de Minas

Saídas temporárias para presos: coincidências que não explicaram

Amanda Oliveira de Assis Ferreira
Advogada, escritora, especialista em direito administrativo e direitos humanos


Em tempos de comemorações importantes como o dia dos pais e o das mães é fácil encontrar manchetes das saídas temporárias concedidas a presos como Suzane von Richthofen, condenada por arquitetar e matar os pais, assim como Alexandre Nardoni, condenado pela morte de sua filha, Isabella, com então 5 anos. Chama a atenção o fato de que o crime cometido e julgado coincida diretamente com a data comemorada.

A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) reserva em seu artigo 123 esse direito, garantido em casos nos quais estejam satisfeitos os respectivos requisitos, todos eles visando ao retorno ao convívio social, a mesma justificativa para que haja o sistema progressivo de cumprimento na pena. Isso existe para amenizar o segundo momento de tensão em que a pessoa volta ao convívio social, e é feito de forma paulatina para preparar sociedade e cidadão que futuramente será reinserido no corpo social.

Nessa mesma lei não existe nenhuma proibição de que o preso que cumpra os requisitos saia em benefício de direito reservado, independentemente da data em questão. Não faria propriamente nenhum sentido se a saída temporária tivesse alguma vinculação com a data comemorativa, e de fato não tem.

Então, por que esta vinculação que nos causa tanto repúdio começou a acontecer? A regra é que seja uma concessão individual, mas na prática o juízo da execução penal está “atolado de trabalho”, o que faz com o que o juiz não consiga decidir individualmente. Diante disso, o diretor do presídio faz uma lista de todos que tenham este benefício a receber e assim o Judiciário estabelece um calendário anual de saídas temporárias e as concede de forma genérica.

O juiz parte do pressuposto de que a maioria dos presos não está neste regime porque matou sua mãe, pai ou filha, a vinculação acontece por uma ineficácia do sistema de execução penal em decidir os casos de forma individual.

Não há qualquer tipo de altruísmo em defender o direito do outro, muito pelo contrário, ao fazê-lo, teoricamente, meu próprio direito estaria garantido e neste caso preservo a sociedade na qual me incluo de lidar com questões irresolúveis, tais como a inadequação de um cidadão que já dissolveu seus crimes perante a Justiça e de forma alguma consegue caminhos fáceis para peregrinar ao sair da cadeia.

Afinal, se acaso já não tenha se filiado dentro do sistema prisional como membro de alguma facção – à qual já deve sua alma –  ao sair do caos carcerário ele é convidado para o baile? Alguém o chama para dançar?

É por isso que temos na pena uma função ressocializadora, se vamos devolver esta pessoa para a sociedade (mesmo que depois do cumprimento integral da pena), o ideal é que o Estado atue para garantir que este retorno traga uma pessoa melhor do que quando entrou no sistema carcerário.

Com as palavras de Victor Hugo, em O último condenado, “nada de carrasco onde basta o carcereiro... A sociedade não deve punir para se vingar, ela deve corrigir para melhorar”.

Muitas vezes, lidar com o direito, a lei e a ética é de fato abstruso, mas é preciso esquecer nossos dogmas já cheios de pó e encarar que a Justiça não irá abraçar só aquilo que nos agrada ou pareça correto sob a nossa ególatra visão, e é isso que a torna o pilar mais importante de nossa vida em sociedade. Se ela funciona e se aplica corretamente, ganhamos todos.
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