O Brasil é o país onde mais se matam travestis e pessoas trans. A violência se estende para um espaço que, em tese, deveria ser de defesa dos direitos da população LGBTQIA%2b, as casas legislativas. De maneira preocupante e assustadora, cada vez mais, vereadoras e deputadas trans, escolhidas nas últimas eleições por expressiva votação popular, recebem todo o tipo de violência, desde de ofensas transfóbicas, quando são atacadas ao não serem reconhecidas no gênero que se identificam, até ameaças de morte, como ocorreu com a vereadora Duda Salabert, vítima dos dois tipos de ataques.
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Bruna elenca: “Um dos objetivos da frente é enfrentar a violência política e organizar a atuação dessas parlamentares, fortalecer os mandados, intensificar a proposição de projetos e ações que garantam a cidadania da população trans."
Mas as parlamentares entendem que a proteção a elas também é necessária para o fortalecimento da democracia e para a busca de Brasil mais justo. "Que possamos demonstrar que a atuação dessas parlamentares não se limita às suas identidades de gênero. São extremamente capazes de atuar na busca por Justiça e cidadania para diversos outros grupos que compõem as bases eleitorais, mas que estão subrepresentados ou que têm tido os direitos violentados", completa.
Aumento da representação, mas também aumento da violência
A frente surge como resposta desse cenário de violência, falta de transparência de dados da população LGBTQIA%2b e resposta à violência política, que aumentou muito.
Em 2020, cresceu a representação política de pessoas trans nos legislativos municipais e estaduais. "Verificamos um aumento de representações nas casas legislativas, mas, ao mesmo tempo, observamos que em 2020, ano que o Brasil bateu o recorde de mulheres trans e travestis, vimos aumentar a representação na política mas, na mesma medida, os casos de violência política contra essas parlamentares eleitas", afirma a secretária política da Antra, Bruna Benevides.
A violência ocorre durante a campanha, na eleição, e no momento que estão exercendo os cargos legislativos. "Acendeu o alerta que essas pessoas estão em risco constante de serem violadas. Erika Hilton, Linda Brasil e a Duda Salabert foram vítimas de violência política. É simbólico constatar que a violência ocorre dentro das câmaras legislativas. Isso demonstra que esse fenômeno de violência transfóbica atravessa vários espaços, inclusive os espaços institucionais” diz.
Logo que assumiu como a vereadora mais bem votada da história de Belo Horizonte, Duda recebeu um e-mail com ameaças de morte. Desde então, ela busca a responsabilização dos autores do atentado. Duda se reuniu com a Polícia Civil e o Ministério Público.
As investigações têm avançado, mas enfrentam como obstáculo principal o fato de a plataforma utilizada para as ameaças ser de alcance internacional, que em função de leis de segurança de dados na Web, acaba protegendo os dados dos criminosos. “Tanto o Ministério Público quanto a Polícia Civil têm se empenhado, e muito, para chegar aos criminosos. Mas há um grande obstáculo. A grande dificuldade tem sido essa.”
Sem que os criminosos tenham sido identificados, ainda é grande a preocupação com a segurança de Duda. “O criminoso que me ameaçou faz parte dessa rede de ódio, da qual surgiram os terroristas que cometeram o atentado na Escola de Suzano em São Paulo. A gente não pode tratar essa ameaça como um trote. É a preocupação."
Duda também buscou proteção na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e como representante da Organização das Nações Unidas (ONU), organizações internacionais mostraram que podem colocar estrutura para a defesa a vereadora belo-horizontina, desde carro blindado até segurança. Duda avalia com a polícia como aplicar essa estrutura na minha defesa. "Esse mesmo grupo que me ameaçou, foi o que atacou a Benny Briolly, que teve que deixar o Brasil no mês passado"
Duda fica receosa e tem evitado sair sozinha, e também se preocupa com a segurança da família. Para ir à Câmara Municipal, ela contratou piloto de fuga, procura fazer caminhos diferentes com horários diferentes, e ir à casa legislativa em dias diferentes. "Quero cumprir meu mandato. Se essas ameaças intensificarem, tenho que pensar em possível candidatura no ano que vem no nível federal, a fim de a gente ter a Polícia Federal nos defendendo, ter que buscar um espaço neutro", diz. A vereadora lembra dos casos de Benny Briolly e da vereadora Marielle Franco, que foi assassinada no Rio de Janeiro.
Estado não garante segurança
Os espaços institucionais não têm garantido a segurança para que as parlamentares trans exerçam os cargos. “Não enfrentam essa violência nos espaços e negam segurança a parlamentares que correm risco de morte por ameaças a suas vidas”, denuncia Bruna Benevides, secretária de política da Antra. Para ela, a frente também tem o propósito de dar esperança para a população trans e todas as pessoas que esperam novo projeto de sociedade a partir da atuação das parlamentares.
"Não têm sido feitas ações ou protocolos para garantir o exercício do cargo dessas parlamentares. Nenhum tipo de verba, porque inclui a contratação de segurança, a contratação de carros blindados", diz Bruna.
Nessa direção, a Frente TransPolítica tem como objetivo fortalecer os mandatos. “Entendemos que o avanço nunca é individual, é sempre coletivo. Se o avanço é coletivo, trocar essas experiências e nos fortalecermos enquanto comunidade é importante. O principal objetivo é o fortalecimento coletivo desses mandatos, sabendo que, quando uma vereadora for agredida ou sofrer ameaças ou ofensa de transfobia, essa ataque não será contra uma vereadora será contra toda essa rede”, afirma Duda Salabert. "A frente atuará na defesa dessas parlamentares e na busca por Justiça e punição para os culpados, nós vamos atuar coletivamente, igual formigueiro."
Não há parlamentares trans na Câmara Federal nem no Senado. Foram eleitas 30 vereadoras trans, entre travestis, mulheres e homens trans e duas deputadas, Erica Malunguinho em SP e co-deputada de Pernambuco. As ameaças mais recorrentes são a ameaça a vida, enviada por e-mail ou nas redes sociais, há tentativas de intimidação, quando não respeitam a identidade de gênero, as tratam no gênero que elas não se reconhecem no sentido de humilhar essas pessoas, colocar em posição inferiorizada.
"Há um questão racial. Muitas delas são mulheres trans negras. O fator religioso também tem se colocado. Em 70% dos casos, a ideologia religiosa fomenta o ódio conta as pessoas trans, que são demonizadas", denuncia Bruna Benevides.
Saiba quem integra a frente
- Anabella Pavão - vereadora em Batatais (SP)
- Ayra Dias - Integrante da Fonatrans
- Benny Briolly - vereadora em Niterói (RJ)
- Brenda Ferrari - vereadora em Lapa (PR)
- Bru Pereira - Integrante do Vote LGBT
- Bruna Benevides - secretária política da Antra
- Carolina Iara - co-vereadora em São Paulo (SP)
- Duda Salabert - vereadora Belo Horizonte (MG)
- Erica Malunguinho - deputada estaudal SP
- Erika Hilton - vereadora em São Paulo (SP)
- Filipa Brunelli - vereadora em Araraquara (SP)
- Gilvan Masferrer - vereadora em Uberlândia (MG)
- Isabelly Carvalho - vereadora em Limeira (SP)
- Dan Kaio Lemos - coordenadora nacional do IBRAT
- Keila Simpson - presidente da Antra
- Linda Brasil - vereadora em Aracaju (SE)
- Lins Robalo - vereadora em São Borja (RS)
- Myrella Soares - vereadora em Bariri (SP)
- Paulo Iotti - integrante do GADVS
- Receba Barbosa - vereadora Salesópolis (SP)
- Samara Sosthenes - co-vereadora em São Paulo (SP)
- Sayonara Nogueira - presidente IBTE
- Symmy Larrat - presidenta da ABGLT
- Thabatta Pimenta - vereadora em Carnaúba dos Dantas (RN)
- Titia Chiba - vereadora de Pompeu (MG)
- Wescla Vasconcelos - Forum TTRJ