Um curso de capacitação em gastronomia tem levado a pessoas trans de Belo Horizonte uma oportunidade de independência financeira por meio do empoderamento com base no desenvolvimento pessoal. Em sua segunda edição, o "Projeto Gororoba - Cozinha para todes" foi construído para acolher, em todas as etapas, as pessoas que participam e possibilitar afeto e uma chance no mercado de trabalho.
O Gororoba oferece aulas de diversas áreas da culinária, como massas, pães, carnes, frutos do mar, entre outros, com duração de dois meses e aulas duas vezes por semana na cozinha do curso de gastronomia da Faculdade Arnaldo, no Bairro Funcionários. Aos selecionados para participar são fornecidos material didático e aventais, além de suporte financeiro para o transporte, como forma de evitar a evasão.
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Foi então que ele e a produtora cultural Eloá Mata realizaram encontros com assistentes sociais, pessoas trans e integrantes do Centro de Referência LGBT, da Prefeitura de Belo Horizonte, para reescrever o projeto. A proposta foi selecionada pelo Fundo Municipal de Cultura e teve sua primeira edição em 2018, no Centro de Referência da Juventude, na Praça da Estação, com apoio do Centro Universitário Una e uma turma de 25 alunos. "O diálogo tem sido a força motriz do Gororoba", diz Carlos.
"Vim como aluna, hoje estou aqui como profissional"
Depois de participar da primeira turma do Gororoba, Paloma Nobre hoje é cozinheira do Fubá, restaurante do Mercado Novo, no Centro de BH, e retornou ao Gororoba nesta segunda edição como assistente de cozinha dos professores, como forma de gratidão pela oportunidade que teve. "Vim como aluna, hoje estou aqui como profissional. Fui escolhida e pude escolher com quem iria trabalhar. Então, o projeto dá certo sim, basta você querer e levar a sério", afirma Paloma, que pretende retornar em uma próxima edição como professora."Nossa ideia o tempo todo era levar essas pessoas para a universidade, para um outro espaço, para alguma cozinha que fosse profissional, com professores, com chefs renomados, para terem essa experiência mesmo, que eu acho super importante", diz Carlos. Segundo o chef, o espaço na Faculdade Arnaldo tem sido fundamental, não apenas pela infraestrutura, mas também por a instituição atuar ativamente em questões socioculturais, acolhendo a equipe e alunos. "Não só estão cedendo o espaço, eles nos acolheram", afirma.
Expansão no cardápio
Em 2019, Eloá e Carlos inscreveram o projeto no edital do Itaú Unibanco e Mais Diversidade e, entre aproximadamente 600 inscrições, foram um dos quinze selecionados para a segunda fase e aprovados pela banca avaliadora para serem realizados. Porém, o projeto, que se realizaria em 2020, teve de ser adiado devido à pandemia de COVID-19."Para além do fato de a cozinha exigir ser presencial em si, o público que a gente atende nem sempre tem acesso à internet, a gente atende muitas pessoas em situação de rua, que moram em abrigo, albergue", explica Eloá. A própria divulgação do curso é bastante pautada na distribuição de cartazes em locais-chave da capital mineira, como o Centro de Referência LGBT e abrigos para pessoas trans.
Sobre Eloá e Carlos
Eloá é produtora cultural e produziu as exposições "Maquinações" do SESC, "Faca Cega" no Museu de Arte da Pampulha e "Ai Weiwei - Raiz" no CCBB, além do projeto social "Favela Hacklab" do grupo Gambiólogos que ofereciam oficinas de arte e eletrônica para crianças do Alto Vera Cruz.Carlos aprendeu a cozinhar com a avó, aos 6 anos, mas resolveu seguir outro rumo e se formou em publicidade e propaganda. Fez licenciatura em artes visuais e trabalhou por quase cinco anos no Museu de Arte da Pampulha (MAP). Foi coordenador de artes visuais do Valores de Minas entre 2011 e 2015. Foi nesse projeto que reviveu a vontade de voltar às cozinhas, cursou gastronomia e pós-graduação em gastronomia funcional. Seu interesse foi juntar suas paixões: a gastronomia e os projetos sociais.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Alves