Uma das potências no cenário Drag mineiro, Azzula lançou o vídeo clipe "Suor", o terceiro de seu primeiro trabalho autoral, o EP "Fera". A obra, que contou com uma equipe constituída a partir da afetividade, apresenta uma relação inter-racial. A personagem de Azzula evolui de coadjuvante para protagonista não só do clipe, como da própria história. Um processo de autoaceitação.
SUOR
O clipe é permeado por códigos emocionais, que remetem à vida de Sam Luca, o artista que dá vida à Azzula. A estratégia tem o objetivo de fazer com que outros gays negros se sentissem representados. "Queria que fosse delicado, cuidadoso e afetivo, mas, ao mesmo tempo, que fosse crítico, porque a gente não pode deixar passar essas relações abusivas".
Em um momento da narrativa, há uma cena de ritual, que representa o momento de passagem, com a personagem se despindo por completo de um antigo eu para se entregar a uma nova etapa, baseado da identificação e aceitação, comando as rédeas de sua vida. O ato de raspar as sobrancelhas representa a aceitação e orgulho em ser Drag Queen, uma vez que esse ato muitas vezes é necessário para a montagem das Drags.
As mulheres presentes nessa cena são figuras importantes na formação de Sam: Samira Avila foi coordenadora e professora de teatro no projeto Valores de Minas, onde fez sua formação em canto e teatro; Katia Aracelle, com quem fez a peça "Madame Satã", figura de acalanto através de sua religiosidade; e Giovanna Heliodoro, influencer, criadora da página Transpreta, comunicadora e historiadora que via Azzula como inspiração. A escolha do par romântico também não foi aleatória, Sam fez questão que fosse Beto Militani.
A escolha de aparecer como Sam e como Azzula vem para reforçar a presença do alter ego em todos os aspectos da vida do artista. "Ela é um nível a mais do que eu posso ser, fica em um outro lugar mas é sobre mim ainda, não tinha porque fugir, porque eu não visto a Azzula o tempo inteiro, mas ela está em mim o tempo inteiro".
CONSTRUÇÃO DE AZZULA
A poética perpassa todo o trabalho de Sam Luca, e não poderia ser diferente com a escolha do nome de seu alter ego. Azzula tem inspiração no azulão, ave típica brasileira que além de uma plumagem azul exuberante apresenta um canto raro e muito bonito.
Já a inspiração para a montagem de Azzula passa por cores e formas, além de buscar inspiração no momento que está vivendo e suas emoções."As pessoas ainda não compreendem a arte Drag e qual sua importância. Que é uma luta por liberdade, por representatividade e de poder olhar para as pessoas e falar: você pode ser o que você quiser, você é livre!"
SOMOS FORTES E MUITO POTENTES
Ainda há muita resistência da sociedade à comunidade LGBTQIA+, e assim também é no campo da cultura, no qual a diversidade carece de um olhar mais cuidadoso.
Nesse processo permanente de conquistas, em 2015 Pabllo Vittar ganhou espaço no cenário nacional, conquistando prêmios como MTV Europe Music Awards (EMA) e British LGBT Awards (ambos em 2019 e 2020) e indicações ao Grammy Latino com "Sua cara" em 2018 e "AmarElo" em 2020.
É necessário muita força para quebrar preconceitos, e para Sam Luca "A Pabllo é essa força. Não quer dizer que ninguém estava fazendo drag, ninguém estava cantando ao vivo, mas foi ela que furou a bolha. E toda vez que ela fura essa bolha ela traz muita gente com ela e luta para abrir cada vez mais espaço".
Sobre a vivência como drag em Belo Horizonte, ela declara "eu me sinto uma escavadora, tentando o tempo inteiro chegar a alguma coisa", mas mantém uma atitude positiva e afirma "Nós estamos aqui agora, somos fortes e muito potentes" e reforça a necessidade de que a sociedade tenha cada vez mais contato com a arte LGBTQIA+ , seja na literatura, na música e na televisão.
ORIGENS
"Azzula é uma das potentes expressões artísticas do cantor, compositor, ator e drag queen Sam Luca. Com um som que ecoa brasilidade, e cantando sobre diversidade, respeito, negritude e pluralidade afetiva, Azzula é uma drag queen irreverente e empoderada, que canta o carnaval e a melancolia de ser bicha preta em nossa sociedade."
Sam Luca nasceu em Santa Cruz do Escalvado, Zona da Mata mineira e mudou-se para Belo Horizonte ainda na infância. Se envolveu com as artes aos 13 anos, ao entrar para o programa Valores de Minas, onde iniciou com a formação em canto popular e depois migrou para todas as áreas que eram oferecidas. Participou da implementação do terceiro módulo do programa voltado para a inserção de jovens artistas no mercado de trabalho.
Fez aulas de jazz, teatro musical e artes circenses e ingressou no elenco do Circo SESI, que fazia teatro itinerante por todo o estado de Minas Gerais. Foi ali que aprendeu a se maquiar para as apresentações e para se aperfeiçoar, fez um curso de maquiagem com uma amiga onde uma das matérias era a maquiagem artística e Drag.
Ao lembrar da primeira vez que se montou afirma "É transformador o poder da maquiagem, que é um instrumento cotidiano para várias pessoas" e conta "Quando estou finalizando a montagem, eu sinto que ela (Azzula) é tão forte, ela muda o meu corpo, o meu jeito de andar. Ela me causa transformações tão presentes que eu entrego uma coisa muito maior, de ser Drag."
SOBRE O EP
O EP "Fera" conta com três faixas autorais "Fera", "Agora" e "Suor". As canções foram escritas antes da pandemia e já eram apresentadas em shows, mas só foram gravadas em estúdio em 2021.
"Fera" traz diversas referência à ancestralidade negra e os sofrimentos históricos causados aos escravos brasileiros ao traçar um paralelo entre esse passado e o que sofrem os artistas no Brasil, tendo que performar para o público. Mas ao mesmo tempo apresenta a força e resiliência do artista ao abraçar sua fera interior.
"Agora" nos apresenta um passeio sobre o viver aqui e agora, valorizando o que está acontecendo a cada segundo e sobre o que o artista estava vivendo no campo afetivo.
"Suor" vem para fechar a tríade e traz a tona um sentimento antes oculto, mas que se revela em uma relação afetiva inter-racial e mostra que em sua maioria, pessoas negras permanecem vivendo em uma sociedade que historicamente continua reprimindo e deixando-as como coadjuvantes involuntárias e muitas vezes vítimas em suas próprias histórias.
Os vídeo clipes foram gravados no prédio do Diário do Comércio, um lugar dedicado à narrar histórias e onde agora Azzula insere sua própria história.