As artistas Lucimélia Romão e Jessica Lemos apresentam uma provocação: "E eu não sou uma mulher?" Originalmente da abolucionista estadunidense Sojourner Truth, a pergunta nomeia a exposição no BDMG Cultural, aberta ao público até 5 de setembro.
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MULHER DE PAU
Uma das obras retoma período em que Lucimélia teve que trabalhar entregando panfletos na rua em Belo Horizonte. "Sofria constantes assédios e convites para me prostituir, vindo de diversos homens. Isso me incomodou muito, além de indicar a precarização do trabalho da mulher negra", recorda. Ela teve que se mudar para outra cidade para estudar, mas não tinha bolsa, por isso teve que realizar vários tipos de trabalho para se manter na universidade.
No percurso acadêmico e, em uma de suas pesquisas, Lucimélia se interessou pela história da colher de pau. "Vi que a colher de pau é marginalizada da cozinha industrial. É um instrumento afroameríndio, muito utilizado na cozinha brasileira. Todo mundo tem uma colher de pau dentro de caso, mas ela não serve para estar dentro da cozinha industrial sob a alegação de que ela prolifera germes. Eu comparo com a mulher negra, com a situação que eu vivia naquele período de trabalhar na rua. Sou artista, já trabalhava com arte, mas para me manter tinha que me movimentar em outros serviços para poder estudar", diz.
Lucimélia completa: "a mulher negra que a base da sociedade brasileira serve para limpar a sua casa, serve para como um corpo de servidão, mas não serve para ocupar espaço como esposa, não serve para ter serviço bem remunerado." A jovem reflete que apesar de ter formação que permitiria exercer trabalhos melhores remunerados, a ela eram ofertados trabalhos ou na faxina ou na prostituição. "Numa época que estava entregando jornal na Rua Rio de Janeiro com a Rua Paraná, isso era 6 horas da manhã, as pessoas passavam por mim, inclusive mulheres, me chamando para prostituir", relembra.
Lucimélia respondia que fazia faculdade, mas ainda assim as pessoas insistiam com o convite para que ela se prostituisse. "As pessoas diziam que era bom que eu encontraria para ajudar a pagar a faculdade. Eu dizia que estudava em uma federal, mas respondiam: você pode dizer que precisa pagar faculdade. Sempre olhar direcionado a mim era como um pedaço de carne ou uma estado de servidão. Nunca como uma pesquisadora ou artista de fato", afirma. Dessa forma, a artista resolveu criar a obra relacionando a mulher negra com a colher de pau.
O COLORISMO
A exposição propõe uma reflexão sobre a precarização da mulher negra na sociedade. "Nosso trabalho é precarizado. Recebemos salários diferentes de outras mulheres e outros homens". A partir desse trabalho, elas fizeram a instalação "Para estancar o sangue". Elas utilizam 80 colheres de pau em tamanhos e tonalidades de madeira diferentes também. "O objetivo é refletir, a partir da diferentes tonalidades dessas colheres, comparar às tonalidades da pele. Para estancar o sangue, é estancar a ferida que tem em nossa sociedade. O quanto essa ferida está aberta desde o período pré-abolição". O título foi escolhido a partir de um ensaio de Alice Walker em que ela reflete sobre mulheres negras artistas. Elas procuram refletir sobre o lugar da mulher negra artista.
As artistas também fazem uma discussão sobre o colorismo na instalação Qual é a cor da sua pele. "Essa instalação vem de uma pesquisa que faço desde 2019.
Serviço
Exposição E eu não sou uma mulher? de Lucimélia Romão e Jessica Lemos
Até 5 de setembro
Local: Galeria de Arte do BDMG Cultura (Rua Bernardo Guimarães, 1.600 - Lourdes em Belo Horizonte) ou na plataforma do BDMG Cultural.