A diversidade no parlamento brasileiro segue à prova. Na noite desta quarta (12/08), em um acordo entre os defensores do distritão e a oposição, a proposta do distritão foi rejeitada pela Câmara dos Deputados. A mudança no modelo fazia parte da PEC 25, que, para ser aprovada precisaria de 308 dos 513 votos, mas que, no entanto, não conseguiu alcançar esse número de votos.
Essa é terceira vez que o plenário da casa rejeita o distritão. No entanto, propostas de reforma política colocam em alerta os avanços democráticos. Cientistas políticos apontam que o modelo distritão representaria retrocesso para candidaturas de pessoas negras, mulheres e LGBTQIA%2b.
A deputada Áurea Carolina (Psol/MG) se posicionou contra o distritão. “Sou contrária ao distritão, assim como toda a bancada do Psol. Avalio que a proposta é um risco à democracia. É um sistema inseguro, que nunca foi testado e se organiza pela manutenção de políticos que já estão no poder há anos", disse.
Se o distritão fosse aprovado, salienta a deputada, limitaria o aumento da participação de pessoas que ainda não têm cargos políticos. "Teríamos impactos ainda mais devastadores para a presença de mulheres, população negra, indígena e LGBTQIA nos Parlamentos",completou.
As mulheres são apenas 15% das parlamentares eleitas na Câmara dos Deputados. O distritão ameaça retirar os 30% das cotas para candidaturas femininas e, consequentemente, a destinação e distribuição de recursos do Fundo Eleitoral para essas campanhas. É um retrocesso absurdo e inadmissível que uma conquista histórica do movimento de mulheres seja cassada desta forma.
“A ideia do distritão é que esse modelo, muito ruim e aplicado em poucos países no mundo, dá mais chances para candidatos que estão concorrendo a segundo mandato. No Brasil, temos poucas mulheres, poucos negros, poucos LGBTs já em mandatos. Além disso, valoriza e dá mais chances a dois tipos de candidatos, aqueles que recebem financiamento privado de campanha, quem consegue arrecadar mais dinheiro tem mais chance de ganhar", afirma o cientista político Cristiano Rodriques, professor e pesquisador do Departamento de Ciência Política da UFMG.
O outro aspecto é que o distritão valoriza candidatos que conseguem se eleger sem a votação do restante do partido, conforme destaca Cristiano. . No modelo distritão, serão eleitos os candidatos mais bem votados individualmente, não sendo considerada a votação nas siglas. A relatora Renata Abreu (Pode-SP) também incluiu as coligações para os cargos proporcionais, o que havia sido extinto pelo próprio Congresso em 2017.
O SISTEMA PROPORCIONAL VERSUS O DISTRITÃO
A PEC 25 foi proposta em 2011, inicialmente, para evitar que as eleições ocorressem antes ou próximo a feriados. No entanto, deputados aproveitaram a oportunidade e incluíram uma série de propostas e destaques que os especialistas apontam que representam retrocesso para a democracia.
No Brasil, vigora o sistema proporcional, ou seja, as cadeiras são distribuídas de forma proporcional aos estados e pela quantidade de votos recebidos pelos candidatos e partidos.
O distritão tem sido apontado como um retrocesso pelos cientistas políticos. "O distritão é um retrocesso. Se olharmos a história da democracia representativa e sistemas eleitorais, é possível observar que o mundo inteiro passa de alguma forma do sistema distrital, que é o mais votado leva em algum local geográfico, para o sistema proporcional", afirma a cientista política Larissa Peixoto.
Pesquisadora do Wales Center for Public Policy, na Universidade de Cardiff, a cientista política afirma que o sistema proporcional é mais democrático por garantir representatividade maior. "Quando se fala de sair de um sistema proporcional para voltar para um modelo distrital, qualquer que seja, é um retrocesso democrático", completa.
São poucos os países em que o modelo distrital vigora, como Reino Unido, Estados Unidos e Austrália. "São pouquíssimos países que mantêm algum formato de distrital". Nos países da América Latina e Europa, o sistema é proporcional na maioria dos países. Na Europa, a Alemanha é uma exceção com sistema misto. "Ao invés de ter um Senado, é todo mundo junto numa mesma Câmara. O misto na Alemanha que tem o majoritário proporcional é para não terem o Senado e garantir a representação estadual", afirma.
O PODER ECONÔMICO
As mudanças atigem candidaturas de mulheres, negros e LGBTQIA . Duas razões são apontadas: o modelo distrital beneficia políticos mais conhecidos e que dispõem de elevado poder econômico. "O nosso sistema já incentiva candidaturas personalistas. Incentiva que o eleitorado vote em uma pessoa e não no partido. Então, os partidos estão menos propensos a fazer programas de governos. Esse é o desenho do sistema brasileiro. O distritão vai reforçar ainda mais".
Minas tem 53 vagas de deputados federais e 77 de deputados estaduais. Nas eleições, milhares de candidatos disputam por visibilidade e assim conhecidos ganharem o voto do eleitor. Para isso, o recurso para bancar a propaganda é fundamental. "É o dinheiro que vai trazer a visibilidade. É necessário para custear a mídia social, a mídia tradicional, para viajar, para panfletar", pondera.
Dessa forma, a proposta do distritão também estava atrelada às mudanças na forma de financiamento.
"Os candidatos que têm mais chance de ganhar são os que já estão mais conectados, que vêm de famílias tradicionais, que são famosos. Essas pessoas não são mulheres, não são negras, não são LGBTQIA . Então, o sistema distrital tende a aumentar as diferenças no sistema político e deixar os representantes mais brancos e mais homens".
O sistema proporcional elege baseado em duas proporcionalidades: estadual levando em conta a população e partidária, de acordo com o número de votos que a sigla recebe. "O proporcional toma como base o partido idoe isso incentiva o partido a ser mais abrangente", diz.
O sistema proporcional e de lista aberta força o partido a ser mais programático, que realize mais discussões e proponha soluções para o futuro do país. "Com isso o partido precisa ser mais abrangente ao apresentar candidatos. Isso traz mais votos. Como é uma lista aberta, o eleitor vota na pessoa. Mas os partidos precisam garantir votos, então têm que criar coesão. Eles pensam que para meu partido é bom que mulheres sejam candidatas", avalia.