O filme Paternidade, lançado em junho na plataforma da Netflix, propõe reflexões acerca de uma relação que conhecemos há muito tempo, mas de uma forma pouco debatida e comentada na sociedade. O drama estrelado por Kevin Hart e Melody Hurd explora as relações da masculinidade com os cuidados e atitudes da paternidade, tema que cada vez mais se destaca e abre esta série sobre masculinidade e sua influência na sociedade.
A paternidade e a masculinidade, assim como presente na narrativa do filme Paternidade, têm sido tema de pesquisas, estudos e atenção de especialistas no país para compreender os efeitos que um pode causar no outro. Para o psicólogo Alessandro Marimpietri, que estuda a relação entre os dois conceitos, a masculinidade quando é tóxica pode afetar diretamente os cuidados de um pai com seus filhos. Há atitudes, ações, pensamentos e manifestações que irão interferir diretamente no desenvolvimento da criança.
“Os seres humanos são feitos de outros humanos, toda vida humana é uma invenção e nossa existência simbólica precede nosso nascimento. Somos marcados por histórias que vêm antes de nós. Nesse sentido, um pai estrutura quem somos e nos dá a chance de sermos algo diferente de suas expectativas.” destaca Alessandro.
MASCULINIDADE TÓXICA NA PATERNIDADE
Definida como um conjunto de regras, ações, expressões e pensamentos, a masculinidade é parte de aspectos associados ao homem e às características daquilo considerado como masculino.
Já a masculinidade tóxica são as ações prejudiciais e negativas dessas atitudes, tanto para o próprio homem quanto para aqueles em sua volta. Nesse caso, afetando a criação dos filhos através dos ensinamentos e aprendizados.
Para o psicólogo, a origem das manifestações de masculinidade tóxica são mais profundas do que as atitudes isoladas do pai com seus filhos no cotidiano: “Sua raiz está num machismo estrutural que pode vezes tem raízes tão profundas que ficam ocultas e temos dificuldade de perceber. A masculinidade tóxica opera um discurso de opressão sobre o feminino, mas também sobre o masculino, criando verdades tão absolutas quanto silenciosas e violentas”, aponta Alessandro.
Apesar de ter como foco o discurso contra o feminino, a masculinidade tóxica não afeta apenas mulheres. De acordo com o psicólogo, os efeitos são visíveis até mesmo no próprio homem, que precisa seguir um conjunto de regras e valores com verdades absolutas, porém silenciosas. Caso não siga essas normas, o homem será tratado como inferior ou como fora dos padrões da masculinidade e até mesmo tendo sua sexualidade questionada.
Na paternidade, o discurso de opressão contra as mulheres surge logo no momento em que o homem não é relacionado aos cuidados com os filhos e com a casa. No filme Paternidade, por exemplo, o protagonista Matt passa a ter os cuidados da filha Maddy, após a morte de sua esposa. Segundo Alessandro, esses cuidados são sempre atribuídos a figura da mulher e que precisam estar nas mudanças comportamentais que o homem precisa passar.
Em repercussão nas redes sociais, alguns usuários levantaram a relação entre paternidade e machismo no filme:
Esse filme Paternidade da Netflix, é puro suco de machismo, 'premiando' a imagem de um pai que faz o minimo por um filho. Coloca uma mulher e a dinâmica pra sociedade seria beeeem diferente! Povo romantiza homem q se sente perdido com um bebê. E mulher tem que dar conta.
%u2014 %uD83C%uDF3BBridget Jones de Beagá%uD83C%uDF3B (@Qckel) July 3, 2021
NOVAS MASCULINIDADES COM CUIDADOS E AFETOS
Para além da presença do pai, a paternidade inclui cuidados, afetos, e a permanência com os filhos. As discussões sobre esse vínculo também estão crescendo em redes sociais como o Youtube e somam com o surgimento de novas perspectivas sobre a masculinidade. Canais como o da Família Quilombo, protagonizado por Adriana e Jones, juntamente com seus filhos Dandara e Akins, falam sobre o tema de forma bem dinâmica, aberta e apresentando acontecimentos do cotidiano.
Apesar de assuntos como a raça, o racismo e a negritude serem assuntos mais comuns do canal, a paternidade também ganha destaque entre os assuntos comentados pela família. Em alguns vídeos comandos por Jones, são destacados os cuidados com os filhos, falando sobre os ensinamentos que passa aos pequenos sendo um homem negro. Além disso, também apresenta erros que cometeu em experiências que passa a seus filhos, principalmente em relação a masculinidade tóxica:
Mesmo sendo prejudiciais, os efeitos da masculinidade tóxica do homem são reversíveis. Em suas redes sociais, Alessandro realiza postagens demonstrando afetos e cuidados com seu filho, desmistificando a forma como esse vínculo é visto na sociedade em geral.
O psicólogo menciona como o cenário do machismo estrutural e das atitudes de masculinidade tóxica está se transformando a passos lentos, o que pode alterar essas atitudes do homem com as pessoas ao seu redor.
“Estamos vivendo uma mudança paradigmática nesse sentido. Mas estamos longe de estarmos próximos ao que gostaríamos. Os homens precisam se autorizar a viver um novo masculino, que possa ser sensível, falho, cuidador, respeitoso da diferença e que assuma um papel conjunto, e não de apoio, na criação dos filhos. Tudo isso sem que se sintam menos homens ou ameaçados”
*estagiário sob a orientação de Márcia Maria Cruz