Liberdade, igualdade e paz são valores que estão em risco no Afeganistão governado pelo Talibã, entretanto, há muitas pessoas dispostas à lutar por elas mesmo frente à violência que assola o país desde o dia 15 de agosto, entre elas a artista e professora Shamsia Hassani.
Leia Mais
França considera 'necessário' ampliar o prazo para evacuações no AfeganistãoFugir do Afeganistão, uma viagem marcada pelo medo, violência e culpaAfeganistão: um mosaico étnico em um país fragmentadoGrupo de grafiteiras espalha cor e representatividade em BH Sensibilização na arte: projeto leva grafite a abrigo na Região Leste de BHUnhas pintadas: homens que aderem aos esmaltes questionam estereótiposMostra de cinema negro é destaque em lançamentos da semanaARTE DE RESISTÊNCIA
As últimas postagens mostram figuras obscuras frente à uma mulher, representando a resiliência e a esperança. Em uma das obras um exército de figuras nefastas e armadas paira ameaçadoramente sobre uma mulher com uma vibrante burca azul, abraçada a um teclado e com o coração partido.
Acredita-se que com a tomada do poder pelo Talibã, as mulheres serão proibidas de andarem nas ruas desacompanhadas de uma figura masculina, não poderão mais trabalhar ou estudar. As ilustrações de Shamsia trazem um misto de força, dor, esperança e medo.
Na postagem realizada no último sábado (21/08), Shamsia agradeceu a todas as mensagens de carinho e apoio que recebeu na última semana de todas as partes do mundo e afirmou estar em segurança, mas não revelou onde está.
Shamsia Hassani
Shamsia nasceu no Irã, filha de pais afegãos refugiados, e retornou ao Afeganistão em 2005, aos 16 anos, para estudar artes visuais na Universidade de Cabul. Começou a grafitar depois de um workshop em 2010 e passou a ser sua principal forma de expressão, uma vez que o país não possui muitas galerias de artes e as que existem não tem um público assíduo, Shamsia adotou as ruas para levar arte para as pessoas e inspirar novos artistas.
Tornou-se a primeira grafiteira afegã, co-fundou uma organização de arte contemporânea em 2009, a Berang Arts, e ajudou a organizar o primeiro Festival Nacional de Graffiti do Afeganistão. As obras já foram expostas em mostras nos Estados Unidos, Itália, Índia, Vietnã, Suíça, Dinamarca, entre outros.
Colorindo as ruas na tentativa de sobrepor as memórias da guerra, a tela preferida da artista são os muros de locais bombardeados. A personagem principal é uma mulher, em roupas típicas e frequentemente acompanhada de um instrumento musical, como o teclado e o violão, como uma forma de dar voz à mulher afegã que não pode se expressar pelas palavras.
Os olhos das personagens são sempre fechados porque, segundo Shamsia, não há nada de belo ao seu redor para ser visto, e, às vezes, ela não consegue ver seu próprio futuro, mas isso não significa que ela não possa enxergar. Com frases em Dari, sua língua natal, Shamsia escreve mensagens de reflexão como "os pássaros sem nação não têm voz para cantar".
No Afeganistão, mesmo antes da tomada pelo Talibã, a situação das mulheres era precária, e para fazer os grafitis na rua, Shamsia fazia murais pequenos, geralmente em espaços discretos e realizados em tempo recorde, em no máximo 20 minutos, pelo medo de ser questionada por alguém.
Em entrevista ao Los Angeles Times, em 2016, ela declarou "Se eu fosse um menino, talvez fosse melhor pintar na rua, porque ninguém me diria nada se eu fosse um menino. Mas porque eu sou uma garota, mesmo que eu não faça arte, se eu apenas andar na rua, vou ouvir muitas palavras. E se eu fizer arte, eles virão me assediar".