A delegação brasileira de atletas é destaque nos Jogos da 16ª Paralimpíada de Tóquio 2020. O desempenho de nossos atletas paralímpicos coloca o Brasil no 6º lugar no ranking geral de medalhas. No entanto, em meio à comemoração do feito, a possibilidade de uma educação mais inclusiva para pessoas com deficiência pode retroceder no país.
O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) propôs decreto, em setembro de 2020, com diretrizes para a Política Nacional de Educação Especial (PNEE). A proposta muda o que está em vigor desde 2008, o que desagradou parcela de pais, especialistas e professores.
A polêmica foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu temporariamente a determinação de que crianças com deficiência sejam separadas em escolas especiais. Entenda o que está em jogo com as mudanças propostas pelo governo. O Estado de Minas ouviu pais de crianças com deficiência e especialistas neste debate sobre educação inclusiva e educação especial.
Nas últimas semanas, a discussão sobre a educação para crianças com deficiência voltou aos holofotes da sociedade, principalmente alimentada pelas declarações públicas do ministro da educação, Milton Ribeiro. Um dos episódios ocorreu em entrevista ao programa Sem Censura, da TV Brasil, quando o chefe da pasta declarou que alunos com deficiência atrapalham o aprendizado dos colegas na sala de aula.
Em outro momento, o Ministério da Educação (MEC), em nota oficial publicada no domingo (29), que reafirma a separação de alunos com deficiência em escolas e salas de aulas especializadas, indo contra a presença de escolas regulares.
Márcia Lousada, 42, é professora universitária, e destaca como a fala do ministro Milton Ribeiro é retrógrada, preconceituosa e violenta. Márcia é mãe de Júlia Lousada, de 22 anos, que nasceu com as síndromes de mielomeningocele e de hidrocefalia, e se formou no ensino médio em 2020, onde frequentava uma escola regular.
A professora destaca como o ensino regular foi essencial para o aprendizado de Júlia ao longo desses anos. “Ao conviver com estudantes com diferentes potências, habilidades, desafios e limitações a Júlia pode ser acolhida e estimulada por diferentes colegas. E o convívio com a diferença é fundamental. Foi incrível para ela e para os colegas que também aprenderam a respeitar o direito à diferença", destaca Márcia. Ela apontando que, até mesmo, as dificuldades e conflitos contribuíram para a formação de sua filha.
A educação para alunos com deficiência tem um documento base, a Política Nacional de Educação Especial, criado para orientar essa modalidade de ensino no Brasil.
Audiência no STF debate educação inclusiva
Representantes de entidades e coletivos de defesa de grupos com deficiências e necessidades especiais diversas participaram de audiência pública promovida pelo STF nos dia 23 e 24 de agosto. Apresentaram as posições representantes de pessoas com síndrome de down, deficiências múltiplas, superdotados, surdos, deficientes visuais, transtorno do especto austista.
As entidades, de modo geral, apresentaram as inconsist~encias do decreto que institui a PNEE. A defesa é que uma educação inclusiva não exclui as possibilidade de escolha dos pais entre a escola regular e a escola especializada. Em outras palavras, as entidades defendem o direito dos pais e crianças que querem estudar em escolas regulares, mas também apontam a necessidade de ensino especializado.
Foi o que defendeu Viviani Pereira Amanajás Guimarães, do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab). No entanto, a representante da Associação Paulista de Autismo (AUTSP), Adriana Godoy afirmou que são necessários ajustes o sistema educacaional, mas não pode existir uma política de Estado que promova a exclusão. “Ninguém se prepara para aquele que não está presente. Fazemos a inclusão incluindo, não há outro meio”, defendeu.
Para César Achkar Magalhães, representante da Associação de Amigos dos Deficientes Visuais (AADV), defendeu a importância dos centros de ensino especializados para as crianças cegas. É esse acesso que permite a elas o direito à educação no mesmo nível das outras crianças. O representante da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), Clovis Alberto Pereira, defende o direito da família pela escola especializada. No entanto, o Estado não pode negar o direito de matrícula em escolas regulares a crianças com deficiência.
Contra o decreto do governo Bolsonaro, Margarida Araújo Seabra de Moura, da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), defendeu a a perspectiva da inclusão editada pelo MEC em 2008, política baseada na Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que foi incorporada à Constituição Federal de 1988. Segundo ela, essa política está sendo a'chincalhada" pelo decreto de Bolsonaro.
O que é a PNEE?
A Política Nacional de Educação Especial (PNEE) é um documento elaborado pelo Ministério da Educação no governo de Jair Bolsonaro, instituído pelo Decreto 10.502, de 30 de setembro de 2020, para orientar o ensino da educação para alunos com deficiência no país. Na PNEE são apresentados conceitos sobre o que é a educação especial, os atores envolvidos no processo de ensino, as formas de implementação de ensino e a importância da avaliação diagnóstica.
O decreto também determina que a União, estados, municípios e o Distrito Federal deverão promover ações para garantir o direito do ensino e aprendizado de alunos com deficiência no país. Por isso, o documento se torna uma das principais referências para esta modalidade de ensino no Brasil.
Retrocesso educacional e jurídico
Especialistas da educação no país vem discutindo a PNEE desde o momento da instituição do decreto. O principal ponto da discussão é a socialização dos alunos com deficiência, que em ambientes restritos e fechados não teriam contato com os outros colegas, criando a exclusão dos mesmos.
Márcia Rezende, terapeuta ocupacional e presidente da Efeito Consultoria para Inclusão Escolar, aponta que a PNEE é um retrocesso educacional, jurídico, de políticas públicas e nos conhecimentos científicos e que não busca o apoio aos alunos com deficiência.
Para a educadora, compreender as diferenças é a base da educação plena e de qualidade a todos. “Inclusão significa respeito. Uma sociedade se constrói fundada no respeito às diferenças. Só se aprende a respeitar no convívio com as diferenças” menciona Márcia.
Além disso, esta forma de ensino seria mais excludente do que inclusiva, pois estaria limitando mais um acesso de pessoas com deficiência, no caso as escolas regulares.
Em estudo revelado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi revelado que 67% dos alunos com deficiência não possuem instrução e ensino adequado, demonstrando como a situação necessita de mais debate e da participação de profissionais da área. Para Márcia Rezende, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que está em vigor desde 2015, deve ser um documento a ser seguido, por oferecer melhor instrução às escolas sobre o ensino a pessoas com deficiência.
Qual a diferença entre educação especial e educação inclusiva?
O ensino a pessoas com deficiência vem tomando duas vias principais no país. No modelo da educação especial, o atendimento e acompanhamento do aluno é feito de forma específica esperada de alunos sem deficiência. Ou seja, em classes e escolas especializadas no ensino.
Já a educação inclusiva é uma modalidade que busca a integração de alunos com e sem deficiência no mesmo ambiente. Não há separação, somente adequações, práticas e adaptações realizadas em escolas regulares para a inclusão de alunos com deficiência.
*estagiário sob a supervisão de Márcia Maria Cruz