As camisas da Seleção Brasileira de Futebol, as bandeiras, os bonés e bandanas com as cores do Brasil não deixam dúvida sobre as preferências de quem foi às ruas, neste 7 de setembro, em apoio ao governo Bolsonaro. Era visível a alegria de quem estava ali, congraçando com pessoas de um mesmo clube. O passaporte para as manifestações eram as cores verde e amarela. Mas as cores exibidas como orgulho por muitos simbolizavam mais do que o Brasil, identificavam posições, sobretudo, relacionadas à diversidade.
A Praça da Liberdade recebeu os manifestantes, que cantaram o Hino Nacional, rezaram o Pai- nosso, cantaram sucessos de Sérgio Reis, enquanto manifestavam apoio ao presidente Jair Bolsonaro e insatisfação com o Supremo Tribunal Federal (STF).
O verde-amarelo estava acima do arco-íris, que simboliza o movimento LGBTQIA%2b, acima do preto, verde e vermelho que representam as cores pan-africanistas; ou do branco das religiões, de matrizes africanas, e também do azul e rosa, que identificam o movimento trans.
Para atestar o nível de diversidade de um ambiente, existe o que muitos chamam de 'teste do pescoço', que consiste em olhar ao redor para saber quantas pessoas negras estão no mesmo ambiente. A reportagem percorreu a manifestação também com esse olhar.
A maior parte dos manifestantes era formada por pessoas brancas, casadas ou em relacionamentos heterossexuais. Não foi difícil identificar as pessoas negras que estavam na Praça da Liberdade. Eram poucas, dava para contar nos dedos. Muitos estavam ali em duas condições: apoiador de Bolsonaro ou vendedor ambulante.
Manifestar apoio ao governante e a necessidade de conseguir renda para sustentar as três filhas levaram Wellington Osvaldo de Jesus, de 47 anos, ao protesto. Ele trabalhava como caixa em uma farmácia, mas, ficou desempregado com a pandemia, e teve que encontrar uma forma de sobreviver.
Perguntei a ele se ele encontrou pessoas negras na manifestação. "Sim. Eu e aquele ali", diz, apontando para um homem negro que usava camisa preta com desenho de Bolsonaro. O homem estava com a família apenas como manifestante. No outro lado da praça, Nilson Félix dos Santos, de 41, também aproveitou a manifestação para conseguir renda.
Como não usava máscara, chamava atenção a cor verde da borracha do aparelho dentário para ajeitar o sorriso generoso que oferecia a quem chegava. Negro, ele disse que, como Bolsonaro é cristão, não pode apoiar o racismo. "O racismo num país de terceiro mundo como o Brasil é muito grande. Já sofri, sim. Bolsonaro defende a igualdade por ser um homem de Deus. Eu acredito que sim", disse ele. No último protesto que esteve como ambulante, vendeu R$ 1,8 mil de produtos nas cores verde e amarela, bandeiras, bonés e bandanas.
Os ambulantes aproveitaram para faturar com os produtos que eram garantia de venda. A bandeira do Brasil saía por R$ 25, mas o casal de mãos dadas negociava para comprar duas por R$ 40. O vendedor não perdeu a venda e saíram os dois iguais, com a bandeira nas costas como se vestissem uma capa de super herói.
O pertencimento também se expressava na forma como homens e mulheres se colocavam abaixo de um bandeirão, que circulava pelas ruas que circundam a Praça da Liberdade. O lema "Deus acima de tudo. Pátria acima de todos" estava estampado em camisas, nos cartazes.
Muitos casais, de homens e mulheres, usavam o mesmo figurino: a camisa do Brasil, a bandeira, uma bandana e boné nas cores da Pátria. Os bolsonaristas colocavam embaixo da bandeira: uma Pátria, uma família e uma Nação.
De fora, deviam ficar os "esquerdistas", "esquerdalhas" ou "esquerdopatas" que os bolsonaristas diziam conhecer de longe. O rechaço também apareceu em cartazes: 'Esquerdistas aqui, não'.
As demonstrações de que o valor maior é um modelo de família estavam nos casais que chegavam com os filhos ou na senhora que se sentou, no banco improvisado, para rezar o terço com as contas brancas.
Percorremos toda a Praça da Liberdade para saber quem foi manifestar apoio ao presidente no dia da Independência do Brasil. Vimos uma pessoa trans, moradora de rua, que aproveitou para pedir uma garrafa de água para se hidratar. Ela entrou em meio à multidão, mas logo se destacou e seguiu seu caminho. Palavras como transexualidade ou transgênero não existem para o vocabulário conservador. Não encontramos sequer uma pessoa trans com as camisas verde-amarelas. Nada de arco-íris. Não havia rainbow.
Os símbolos da masculinidade foram festejados. Diferentemente do verde-amarelo, os casacos de couro ou as estampas camufladas do Exército. As motocicletas e os caminhões foram aplaudidos quando chegaram fazendo buzinaço. Os versos "Eu te amo, meu Brasil! Meu coração é verde, amarelo, branco, azul e anil" só perderam para o Hino Nacional na reverência de quem estava ali em homenagem à pátria e à família.