As mulheres, em especial as negras, foram as que mais sofreram com a falta de alimento e, até mesmo a fome, durante a pandemia em Minas, São Paulo e Vale do Jequitinhonha. A informação é parte do relatório “Covid-19, risco, impacto e resposta de gênero”, desenvolvido pela Fiocruz em parceria com CEFET-MG, FGV, UFMG e UFGRS.
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Congresso jurídico debate racismo, saúde e violências em tempos de pandemiaCor da pele:relatório da ONU aponta mais desigualdade no Brasil na pandemiaMulheres negras morrem mais por COVID-19, em mesmas profissões de brancosSistema de plantio quilombola se torna patrimônio cultural do BrasilA pesquisadora da Fiocruz Mariela Rocha destaca que o levantamento é importante para realizar um diagnóstico que podee embasar políticas públicas.
O estudo acompanhou mulheres com idades entre 21 e 64 anos, de dois aglomerados urbanos, Cabana do Pai Tomás, em Belo Horizonte, e Sapopemba, em São Paulo, além de duas comunidades quilombolas do Vale do Jequitinhonha, Córrego do Rocha, na Chapada do Norte, e Córrego do Narciso, em Araçuaí.
“A maioria das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, chefiadas no sentido econômico mesmo, de serem as mulheres as provedoras financeiramente das casas. E mesmo nas em famílias em que elas não são as únicas provedoras, elas são as responsáveis por comprar e manejar os alimentos, cozinhar, então faz muito sentido trazer essa discussão da insegurança alimentar para o âmbito da discussão de gênero”, declara Mariela.
Cerca de 60% das entrevistadas relataram que o acesso aos alimentos foi prejudicado pela pandemia, sendo a diminuição da renda e a alta do preço dos alimentos apontados como as principais causas. Para conseguir manter a alimentação, 72% das entrevistadas disseram ter recebido doações de cestas básicas, sendo que a maioria afirmou as ter recebido de alguma esfera do poder público.
Além disso, a questão do gênero na insegurança alimentar é agravada por fatores de outras esferas sociais, como desigualdade social, ineficiência de políticas públicas voltadas para comunidades carentes, saúde e segurança, fazendo com que as mulheres sofram a soma de todos esses problemas em seus dia a dia.
“Com ausência das políticas eficientes nessas áreas elas ficam com o déficit, e elas precisam enfrentar uma realidade de ausência. De ausência de alimentos, de apoio, falta de energia e água por falta de renda. Então faltam políticas públicas que as ajudem a atravessar essas dificuldades das suas responsabilidades”, declara Mariela.
O auxílio emergencial, apesar de importante, foi apontado como não sendo suficiente para manter qualidade e quantidade ideal de alimentos em casa, e a avaliação geral do governo foi de ineficiência e descaso.
O relato de Paula, de São Paulo, apresentado no relatório, sobre o presidente Jair Bolsonaro diz que: “Eu vi uma matéria que o presidente tava dizendo que no Brasil ninguém passava fome não, que essa conversa era mentira. E aí eu queria tanto por alguns instantes passar na frente dele e dizer assim ‘onde que você viu isso meu filho, então dá uma voltinha comigo que você vai mudar sua concepção’. E aí você vê o descaso né?”
A distribuição de cestas básicas, por não ser uma política de nível federal, foi desigual. Em Belo Horizonte a distribuição foi ampla, diferente da cidade de São Paulo, mas em ambas cidades tiveram distribuição a partir de organizações das próprias comunidades, sindicatos e associações, inclusive religiosas.
A mobilização das comunidades foi essencial na arrecadação e distribuição de cestas básicas. Lúcia Helena Apolinária, vice-presidente da Associação Comunitária Vila Imperial do grande aglomerado Cabana do Pai Tomás em Belo Horizonte, declarou que
“Na pandemia, com um agravante em 2021, a gente tem muito mais pessoas passando fome. E isso é literalmente, às vezes, não ter nada em casa para comer ou para dar para a família ou pros filhos comerem. E a gente tem lidado com isso com muita preocupação e tentando, de alguma forma, amenizar e buscar recursos para tá suprindo essa necessidade do alimento pras famílias que neste momento tão passando por isso”.