A exposição Negras Cabeças, em cartaz até 30 de dezembro, resgata a importância e ancestralidade de penteados africanos,que encontram ecos nos penteados resgatados pela população negra no Brasil e no mundo.
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A proposta da exposição começou a ser gestada em 2020, quando Íldima se deparou com penteados africanos na internet, e começou a pesquisar a fundo as origens e significados. Ficou encantada com as imagens.
"O não-dito da exposição está nesse lugar de mostrar a riqueza e a diversidade dessa herança cultural, e hoje sermos negros em diáspora, nos coloca em um lugar de reconexão, não com essas Áfricas que estão nos livros, mas com o que esse continente é na essência e foi violentado, usurpado, degradado, recortado”, afirma.
Íldima procura romper os estereótipos das mulheres negras representadas nas artes.“É uma história que o tempo todo o corpo negro está ali como objeto, como coadjuvante, às vezes, um acessório, às vezes, inclusive, para equilibrar a cor da tela como um todo, nem função de objeto ele tem. Isso tudo foi me deixando bem incomodada, então eu entendi que o meu trabalho, a minha contribuição, seria fazer esse deslocamento, dar protagonismo, posicionar essa mulher negra como protagonista dessas obras.”
O que a encantou foi o desenvolvimento de uma tecnologia que não precisava ser escrita para se comunicarem e passarem conhecimentos, sendo seus penteados e vestes utilizados como códigos visuais que se estabelecem para transmitir mensagens sociais.
“Eu percebi que trazer essas informações ia ajudar a derrubar esse imaginário do continente africano primitivo, rupestre, sem estrutura, sem a ideia de civilização, no sentido de estruturação social, e por acaso os penteados e adornos de colocaram como uma ponte para mim”.
RESGATE DA ANCESTRALIDADE
Na infância, Íldima passou por uma demanda de embranquecimento para ser aceita na escola, e na sociedade como um todo, e alisava o cabelo. “A exposição, quando eu vou para esse lugar do cabelo é dizer ‘esse seu cabelo que foi tão massacrado tão destruidor, tão invisibilizado e embranquecido ele é uma ferramenta rica, uma ferramenta de poder, artística, de poder, de comunicação, uma ferramenta estética mas que traduz conteúdos culturais então ele faz parte de quem você é também’”.
O movimento de auto aceitação e resgate das raízes africanas vem ganhando cada vez mais força. As tranças, em especial, carregam significados e histórias que vêm sendo redescobertas e valorizadas por trabalhos como de Ìldima, e a profissão de trancista ganha espaço e reconhecimento.
A trancista Milena Moreira, de 21 anos, conta que grande parte de suas clientes são mulheres que estão passando pela transição capilar e conta “Quando eu descobri o poder que meu trabalho tem na auto-estima de alguém, em questão de transição, de reconhecimento de identidade, eu vejo que é o que eu quero fazer pro resto da vida”.
O racismo força o embranquecimento da população negra, especialmente, na questão de alisamento dos cabelos, algo que vem mudando e, muitas vezes, passa pela importância da representatividade das celebridades. A cantora Iza e a jornalista Maju Coutinho, por exemplo, mostram toda a beleza dos cabelos crespos.
A própria Milena passou pelo processo de reconhecimento, quando se deparou com o clipe da música Esse brilho é meu, da Iza. “Ela se parece comigo, talvez se eu fizer uma trança igual a dela, eu não vou ficar feia, vou ficar bonita como ela. Peguei uma foto e usei de referência para fazer em mim.”
A trancista observa que não são apenas as celebridades que podem inspirar. "Referência não precisa ser muito longe, claro que é bom ter representatividade no jornal, novela, na música, mas tem referência próxima também. Eu tento inspirar minhas clientes, porque elas vão inspirar outras pessoas também”.
“É realmente isso que eu quero, eu tô exaltando a cultura de um povo lindo, que tem que ter o crédito devido de onde veio, tem que ser exaltado. Eu tô ajudando pessoas a se reencontrarem, a se reconhecerem, eu to fazendo sorrisos, meu trabalho é tudo que eu sou. Eu costumo dizer que eu faço arte na cabeça e mudança na alma”, completa Milena.
Diversas tranças feitas têm as origens em povos representados por Íldima em sua exposição, como as Fulani e Mbalantu. As mais antigas seriam as tranças Nagô, que se caracterizam por desenhos na cabeça. Na época da escravidão no Brasil, as mesmas tranças nagô eram usadas para desenhar rotas de fugas para os quilombos.
A trancista Nayara Luminata, de 27 anos, trabalha no salão Beleza Negra, um dos mais tradicionais salões afro de Belo Horizonte, onde também ministra cursos de tranças. “Nossos ancestrais trazem as tranças."
Nas aulas, Nayara ensina que cabelo é auto-estima, é o peso da cultura, de um legado. A cultura das tranças é repassada de geração para geração, pelas mulheres da família. “Meu contato com trança é desde criança, minha mãe trançava, minha tia trançava, eu vim desse meio de tranças. Minha mãe me ensinou a trançar e hoje minha menina trança, eu vejo que isso vai fazer parte da vida deles, mesmo que não profissionalmente, e vão passar para os filhos”, conta Nayara.
SERVIÇO
Exposição "Negras Cabeças"
Data: em cartaz até 30/12
Disponível em: https://negrascabecas.art/