O caso da professora afastada de uma turma no Colégio Vitória-Régia, em Salvador, por indicar a obra ‘Olhos d’água’, de Conceição Evaristo, é apontado como discriminação e descaso com a literatura de autores negros do Brasil. Para a professora Aline Arruda, doutora em literatura brasileira pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as críticas feitas por alguns pais ao livro evidenciam o racismo estrutural, não havendo outros motivos para o afastamento da professora.
Os pais encaminharam à direção da escola questionamentos relacionados ao vocabulário adotado no livro e à temática em evidência, a violência contra as mulheres negras, para questionar a indicação. O livro em questão traz contos sobre mulheres em situação de vulnerabilidade social e é uma das mais importantes obras da escritora mineira, que, inclusive, recebeu a maior premiação da literatura brasileira, o Prêmio Jabuti, em 2015, na categoria contos e crônicas.
Aline destaca que a professora está amparada pela Lei 10.639, de 2003, complementada pela Lei 11.645, de 2008, que prevê o ensino de conteúdos relacionados à história da África e à cultura afro-brasileira nas escolas. Para Aline Arruda, a indicação do livro se encaixa no que prevê a lei, de forma que foi uma escolha correta e coerente a indicação da autora pela professora.
De acordo com a pesquisadora, estudiosa da obra de Conceição, o episódio em Salvador elucida situações que autores negros ainda enfrentam, no país, ao verem a literatura negra barrada. “O racismo estrutural é evidentemente o verdadeiro motivo do cerceamento e não o argumento de que os contos seriam ‘inadequados para a faixa etária’. Sabemos que um adolescente pode e deve lidar com a temática da violência, tão presente no país em que moramos”, comenta Aline.
Afastada de uma das turmas da instituição de ensino que trabalha há 17 anos, a educadora, que não teve identidade revelada, indicou a leitura do livro ‘Olhos d’água’ para os alunos do primeiro ano do ensino médio. No entanto, ela foi criticada por pais e responsáveis, que ‘não se sentiram confortáveis com a obra’.
Para a pesquisadora, o fato como a presença de autores e autoras negras ainda traz incômodos para alguns grupos da sociedade brasileira. Para ela, mesmo com a importância e relevância nacional da obra de Conceição, alguns pais se sentiram autorizados em desqualificar a publicação.
No entanto, a excelência do livro é atestada não só por pesquisadores de literatura como também pela maior premiação literária do país. “O livro foi premiado com o importante Jabuti, é estudado por acadêmicos em todo o país, aclamado pelos críticos e ainda assim sofre censura”, destaca Aline.
Na contramão do reconhecimento nacional da obra de Conceição, a direção da escola, em nota oficial divulgada, há certa 'insatisfação com os vocabulários presentes na obra". No entanto, a defesa da escola foi entendida como uma censura ao livro.