Jornal Estado de Minas

ARTE VISUAL

Museu de Arte Negra no Inhotim: veja acervo criado por Abdias do Nascimento

O acervo do Museu de Arte Negra, idealizado por Abdias do Nascimento, um dos principais nomes do Movimento Negro brasileiro e pioneiro na luta antirracista, ganhou nova morada e poderá ser visto por todo o público no Instituto Inhotim, em Brumandinho, o maior museu de arte contemporânea de céu aberto.




 
Denominada 'Primeiro ato: Abdias do Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra', a exposição foi feita em curadoria conjunta do Inhotim e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiros (Ipeafro). A exposição foi aberta ao público neste sábado (4/11) e fica até 17 de abril de 2022 na Galeria da Mata.

Inovadora, a proposta traz um museu dentro de outro museu: Inhotim, com acervo de arte contemporânea, e o Museu de Arte Negra, com obras da arte moderna.
 
Vistas da exposição Abdias Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra, na Galeria Mata, Inhotim (foto: Ícaro Moreno/Divulgação)
O Museu de Arte Negra é aberto ao público no ano em que completam-se dez anos da partida de Abdias. A cerimônia de abertura contou com a presença de Elisa Larkin, socióloga que foi casada com o ativista.
 
Antes de contar o processo de criação do museu em 1950, ela cantou a oração da Mãe Menininha, música que Abdias costumava cantar quando viveu nos Estados Unidos. “Desde 1968, quando houve a exposição inaugural, Abdias levou a mensagem da cultura e da resistência contra o racismo da população negra no Brasil”, recordou-se.





Abdias ficou 13 anos no exílio, nos Estados Unidos e Nigéria, período em que iniciou a produção nas artes visuais.

Outro simbolismo dessa exposição é o local onde o acervo foi montado na Galeria da Mata, uma das primeiras do Inhotim. São ao todo 90 obras de arte moderna, com 60 trabalhos assinados com o próprio Abdias, em diálogo com a obra do escultor Tunga (1952-2016). Tunga conecta Abdias ao acervo do Inhotim, de arte contemporânea. A galeria será ocupada até 2023.

Abdias entendia as artes como campo importante de produção simbólica. Foi um dos idealizadores do Teatro Experimental do Negro (1944-1961) e logo depois propôs a criação do Museu de Arte Negra. Os trabalhos de Abdias estabelecem diálogo com a mitologia iorubá, trazendo para as telas os orixás.
 
Retrato de Abdias do Nascimento na Galeria da Mata (foto: Ícaro Moreno/Divulgação)
Na tela Santíssima Trindade (1988), apresenta Yemanjá, a senhora das águas; Exu, a divindade dos caminhos que faz a ligação entre céu e terra; e Oxóssi, o senhor das folhas. Na tela Oxum no seu labirinto (1975), o encantamento da senhora das águas doces, homenageada também na cor amarelo ouro usado na galeria.





Dessa maneira, Abdias propunha um diálogo com a cosmogonia africana, movimento esse anunciado por Tunga também como um deslocamento estético. “Para mim, a arte negra foi a primeira a romper os grilhões das saturadas imagens renascentistas”, frase dita pelo artista em 1968. Tunga era filho do poeta Gerardo Mello Mourão que, em 1978, em artigo da Folha de São Paulo, indicou o nome de Abdias para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz. 
 
A proposta é ter um museu dentro de outro museu: Inhotim e o Museu de Arte Negra (foto: Ícaro Moreno/Divulgação)
 
 
A relação entre Gerardo e Abdias aproximou um dos principais nomes do movimento negro brasileiro a um dos principais nomes da arte brasileira, porém havia uma diferença de idade entre Tunga que, aos 15 anos, já pintava e Abdias, que, por volta dos 50, também passou a se expressar por meio das telas.

Das 90 obras do acervo, 60 são do próprio Abdias, que começou a produção audiovisual aos 54 anos. O ativista se tornou pintor quando estava no exílio nos Estados Unidos e na Nigéria, no período entre 1968 e 1981.




 
“Inhotim abriu esse espaço para uma coleção que não é da sua própria coleção. Receber e pensar essa coleção em contato com a sua e também pensar programas, a partir da sua missão, mas na missão do museu que a gente está recendo”, afirma o curador associado do Inhotim, Douglas de Freitas.

Douglas acredita que, nos próximos dois anos, a parceria trará mudanças para o Inhotim. É uma possibilidade de pensar o contemporâneo a partir das obras modernas. 
 
Exposição 'Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra' fica até abril de 2022 (foto: Ícaro Moreno/Divulgação)
 
 
“Abdias Nascimento pensou num museu pensado para o futuro. O que seria esse futuro? O futuro do museu é a arte negra. Quando ele fundou esse museu em 1950, os museus, em geral, eram fechados aos artistas negros, para mulheres negras. Eram concepções de museu eurocentradas, heteronormativas", inicia o curador, o pesquisador Júlio Menezes Silva.
 
"Abdias pensou em um museu que pudesse abarcar todos os grupos étnicos, conceito pioneiro. O segundo conceito trazer para o mainstream da arte os artistas negros, como Cleon Navarro, Sebastião Januário e José Heitor”, complementa. Também reinvidicava uma arte moderna referenciada na arte negra africana.

SERVIÇO
Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra
Primeiro ato: Abdias do Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra
Exposição em curadoria conjunta do Inhotim e Ipeafro
Galeria da Mata - até 17 de abril de 2022