Natural de Belo Horizonte, Lélia Gonzalez completaria, neste 1° de fevereiro, 87 anos. O legado da intelectual inspira artistas e ativistas negros, inclusive Angela Davis, e o ator Denilson Tourinho, que comemora aniversário no mesmo dia de uma das fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU). Coordenador do Prêmio Leda Maria Martins, que reconhece produções teatrais negras de destaque, Denilson homenageou Lélia na última edição do prêmio em dezembro.
"Lélia vem como referência não só de localidade, Belo Horizonte, Minas Gerais, lugar de origem da premiação e de nascimento dela. Ela é referência não só muncipal, estadual ou nacional. É referência mundial, como Angela Davis mesmo disse quando ela esteve, recentemente, em visita ao Brasil", afirma Denilson, que é mestre em educação pela UFMG.
Lélia é uma referência fundamental para o feminismo negro. No entanto, o nome dela passou a ter visibilidade ampliada somente depois da visita de Angela Davis ao Brasil em outubro de 2019. A intelectual e ativista norte-americana dos Panteras Negras em uma conferência, disse que aprendeu muito com Lélia e que as pessoas deveriam ler mais a obra da belo-horizontina.
"Minha avó foi precursora do feminismo negro no Brasil. No entanto, só agora ela tem visibilidade devida ", afirma Melina Lima, neta de Léla, cofundadora do projeto "Lélia Gonzalez Vive" e diretora de educação e cultura do Instituto Memorial Lélia Gonzalez.
Melina lembra que precisou de Angela Davis trazer à tona o nome de Lélia para esse reconhecimento vir. "Foi nesse momento que esse boom de reconhecimento. Quando Angela Davis esteve no Brasil, todo mundo ovacionando ela, falando como ela era importante para luta racial, para luta feminista e ela falou: 'vocês precisam ler Lélia Gonzalez. Lélia Gonzalez me ensinou'".
Trata-se de um reconhecimento mais geral, uma vez que no movimento negro Lélia sempre teve destaque. "No movimento negro o lugar da minha avó sempre foi correto. O movimento negro sempre deu a importância e a visibilidade que ela merece. O movimento feminista começou a se aprofundar em Lélia depois da Angela Davis falar."
Pretuguês
Uma das contribuições teórica de Lélia é o conceito "pretuguês", termo criado para pensar a formação da identidade cultural brasileira por meio das palavras provenientes de idiomas africanos.
Lélia estuda aes referências das línguas bantos no jeito de falar brasileiro. "O pretoguês também vai para as artes. Nesse sentido, o prêmio Leda trouxe como referência para analizarmos a singularidade dos espetáculos pensando no pretuguês", diz. Um exemplo é o espetáculo "Q'eu isse", da Companhia Será quê? "'Que eu isse' significa 'que eu fosse'. Costuma dizer que esse jeito de falar é uma mineiridade, mas essa mineiridade é mais, é o pretuguês em si."
O pretuguês reforça a beleza da fala cotidiana das pessoas simples. "Essa fala tem suas origens. Não parte do nada. Não parte apenas de uma alteração do termo. É uma alteração que tem referênciais. Tem origens na construção cultural do Brasil, que são os idiomas africanos, que vieram também, assim como foram mecanismos de resistência. Uma forma de resistência é por meio da linguagem, do idioma."
Lélia destaca também a entonação e o ritmo das falas. "A cultura brasileira é uma cultura negra por excelência, até o português que falamos aqui é diferente do português de Portugal. Nosso português não é portuguê, é pretuguês [...] com todo um acento de quimbundo, de ambundo, enfim das línguas africanas", disse Lélia em entrevista a Patrulas ideológicas, conforme citação no livro "Por um feminismo Afro Latino Americano."
Lélia Gonzalez Vive
Projeto "Lélia Gonzalez Vive", em parceria com a organizção não-governamental Nossa Causa, trabalham para manter o legado, explicando o pensamento, o que ela lia, a produção intelectual dela. Em 2019, foi lançado o livro "Por um feminismo afro-latino-americano", organizado por Márcia Lima e Flávia Rios, foi a primeira vez editora de alcance nacional. A obra tem entrevistas, textos, traduções de conferências que ela fez no mundo e artigos de Lélia.
Nascida em Belo Horizonte, no dia 1° de fevereiro de 1935, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde graduou-se em História e Geografia, fez mestrado em Comunicação e doutorado em Antropologia Política. Atuou como professora em escolas de nível médio, faculdades e universidades.
Foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1978. O seu primeiro livro "Ludar de Negro" apresentava panorama histórico dos movimentos negros.
Lélia transitou por várias áreas do conhecimento para apontar a perversidade do racismo, linguística, história, geografia, psicanálise, ecologia e também na teologia, onde pesquisou as religiões de matriz africana. "Tudo isso para apontar essa falsa ideia de democracia racial que, infelizmente, existem pessoas que acham que vivemos num paraíso racial e somos iguais. Não somos."
A família mantém o legado dela com o projeto "Lélia Vive". "A potência Lélia Gonzalez rodou o mundo para falar que no Brasil o racismo existe, que não somos iguais não. Temos que lutar por essa igualdade. Em 2022, lutamos bastante para que isso aconteça."
Melina segue os passos da avó. "Toda mulher negra é uma ativista. A gente estar vivo é um ativismo. A gente vive em um país que a gente luta para sobreviver, luta para ser visto como igual, infelizmente longe desse ideal. Minha avó é minha grande inspiração. Orgulho danado ser neta dela". Milena é ativista da luta antirracista e da luta LGBTQIA.
Lélia teorizou a questão da mulher negra brasileira, mulher negra afro-latino-caribenha.Melina destaca que o racismo no Brasil é diferente do racismo nos Estados Unidos, aqui ocorreu a miscigenação e lá a segregação racial. "Essas diferenças de tentativa de aniquilação da população negra refletem na sociedade. Então no Brasil precisa ler Lélia Gonzalez para entender a estrutura do racismo e superar esse grande mal que é o racismo à brasileira."