Na última sexta-feira (28/01), o perfil da Vogue França publicou uma série de fotos da atriz e modelo Julia Fox com o cantor Kanye West durante a Semana de Moda de Alta-Costura em Paris. Ela utilizava um lenço em sua cabeça e ele, uma balaclava, uma espécie de gorro que deixava apenas os olhos à mostra. O post continha a legenda "Sim ao lenço de cabeça", o que gerou revolta entre internautas muçulmanas que, desde 2011, são proibidas de usar véus que cubram seus rostos em locais públicos na França.
O caso ocorreu na mesma semana em que o Senado francês votou a favor da proibição do uso do hijab em competições desportivas com o argumento de que a imparcialidade é um requisito no "campo de jogo". Em caso de não arquivamento após reunião para a publicação da emenda ao projeto de lei, a regra passará a valer para competições organizadas pelas federações esportivas francesas.
Islamofobia na França
Após a ampla repercussão da publicação da Vogue França, o perfil resolveu apagar a parte da legenda que se referia diretamente ao lenço usado por Julia Fox. O caso levantou discussões sobre a islamofobia, o racismo e a xenofobia existente na França. "Então um lenço de cabeça é OK numa não muçulmana? A moda é permitida, mas não a religião? Liberdade de escolha é só para pessoas brancas?" comentou um usuário do Instagram.
Os casos de intolerância contra o Islã se dá de diversas formas. Além da proibição do uso de véus que cobrem totalmente o rosto em locais públicos na França desde 2011 e da recente decisão do Senado em vetar o hijab em competições desportivas, em 2021 foi proibido o uso do hijab por menores de 18 anos e o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que empresas podem proibir mulheres de usarem véus em determinadas ocasiões.
Em publicação nos stories do Instagram, a página DesOriente-se diz que a intolerância só restringirá as mulheres de frequentarem esses ambientes. "Proibir mulheres de véu em espaços públicos não vai fazer com que elas abandonem a vestimenta, e sim que elas deixem de frequentar esses espaços. Cada vez mais mulheres estão confinadas a espaços privados, já que não podem exercer sua fé livremente", comentam.
O hijab e os estereótipos
O uso do hijab e das vestimentas modestas (que cobrem a maior parte do corpo e não evidenciam as formas da mulher) estão relacionados à fé islâmica. As mulheres que usam esses recursos fazem essa escolha por conta própria, e não por exigência de terceiros, como muitas pessoas acreditam por conta da visão de conservadorismo extremo que ainda existe sobre o Oriente Médio. "Deus ordenou que as mulheres muçulmanas se cobrisse em submissão a Ele, e não a nenhum homem, mas a mulher tem o livre arbítrio e é ela quem deve escolher [se usará ou não]", é o que comenta Mariam Chami, criadora de conteúdo brasileira e muçulmana.
O uso do hijab é considerado obrigatório no islamismo a partir do momento em que as meninas têm a menarca, primeira menstruação. Apesar disso, o uso não deve ser imposto às mulheres. "Deus impôs que a mulher deve usar o hijab, mas Ele também deu a ela o livre arbítrio, e se Deus me deu o livre arbítrio, uma pessoa impor o uso ou não do hijab, seria pecado.Quem é o ser humano, quem é o homem, para obrigar [o uso]?", comenta Fatima Cheaitou, criadora de conteúdo do Líbano. "É uma decisão exclusiva da mulher, mas não compulsória", completa Mariam.
Ainda se cria, no Ocidente, uma visão sobre as mulheres islâmicas que vai contra os princípios feministas. Associando o véu islâmico ao patriarcado, apagam a religião e a crença delas. "Vejo muitas páginas de feministas que, ao mesmo tempo que dizem estar lutando pelo direito das mulheres serem livres, também falam que o hijab é uma opressão", comenta Fatima. "Sempre digo que o feminismo é seletivo. 'Seus corpos, suas regras' não era o lema? Então, por que no caso da mulher muçulmana esse lema não se aplica?", adiciona Mariam.
Apesar de o hijab estar associado à religião, alguns países islâmicos mais conservadores impõem o uso às mulheres, tornando-o um ato muito mais político que religioso. Com a volta do domínio do Afeganistão pelo Talibã, a burqa tornou-se obrigatória. "Quando o Estado passa a obrigar as mulheres a usarem o véu, deixa de ser uma questão religiosa para se tornar política e cultural. O Talibã é um grupo extremista e militar que não representa a religião islâmica, mas vejo muitas pessoas falando como se as atitudes deles refletissem o Islamismo como um todo", comenta Mag Halat, criadora de conteúdo brasileira de ascendência libanesa.
Há muitos perigos em se confundir o Islamismo com o fundamentalismo religioso e o terrorismo. "Tratar esses conceitos como sinônimos e associá-los ao Islã faz com que se construa, no imaginário social, uma imagem da religião e dos muçulmanos como indissociáveis da violência e do radicalismo", diz o grupo DesOriente-se em uma publicação no Instagram, que explica as diferenças dos termos. Confira: