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Estado de Minas AUTISTA E TRANSGÊNERO

Pesquisadora da UFMG apresenta histórias de trans e autistas como ela

Mulher trans e autista, Sophia começou a transição há dois anos, mas desde os cinco anos de idade se vê como mulher


10/02/2022 09:44 - atualizado 10/02/2022 13:27

Sophia usa vestido floral e aponta para um vaso de flor
Sophia Mendonça defenderá dissertação sobre interseccionalidade do autismo e transgeneridade (foto: Radija Ohanna/Divulgação)

Desde os 5 anos de idade, Sophia se percebe como menina e age como uma. Colocava a toalha enrolada na cabeça para simular o cabelo comprido, característica que costumamos associar às pessoas do gênero feminino.
 
No entanto, a maneira que se apresentava ao mundo, que era confortável para ela, como uma menina e não um menino, levantava dúvidas aos profissionais de saúde que a acompanhavam. No registro de nascimento, ela era menino e  recebeu o diagnóstico de pessoa no espectro autista aos 11 anos.
 
A situação de ser autista e a inadequação entre o gênero com que foi registrada e o que realmente ela é tornou o processo de busca de identidade por Sophia um pouco mais difícil. 
 
Ela teve que ir atrás de informações para demonstrar que não havia nada de errado com ela, demonstrando que era necessário que a sociedade compreendesse a sigularidade de sua existência: uma mulher transgênero e autista.
 
No dia 23 de fevereiro, defenderá a dissertação "A interseccionalidade entre autismo e transgeneridade: diálogos afetivos no Twitter" pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
 
"É uma pesquisa com dimensão afetiva. Parto da minha experiência singular como mulher autista e transgênero e produtora de conteúdo para tecer diálogos e interações com vivências de outras  que também são autistas e transgêneras que publicaram no Twitter."
 
O percurso Sophia transformou em conhecimento, que não ficou só com ela. Deu um jeito de compartilhar. Viu como possibilidade as redes sociais. A coluna de Sophia é publicada semanalmente no DiversEM.

A jovem entendeu que era preciso produzir conhecimento a partir da própria vivência, deixando para trás o papel de ser apenas objeto das pesquisas acadêmicas. Entrou para a universidade, já está no mestrado. 
 

A pesquisa

Sophia usa vestido floral e está sentada em uma poltrona vermelha
Desde os 5 anos de idade, Sophia se vê como mulher (foto: Radija Ohanna/Divulgação)
 
A pesquisa de Sophia traz diversos ensinamentos. O primeiro deles é uma maneira distinta de ser. O autismo não é uma doença a ser curada, mas uma variação da condição humana, espectro em que estão pessoas neurologicamente diferentes, um grupo social. 
 
Outro ensinamento diz respeito ao que usualmente as pessoas pensam em relação à transição de gênero, como se fosse um processo necessário para que a pessoa performar o gênero do qual se identifica. Sophia demonstra que para quem é transgênero o processo de transição somente é a confirmação social do gênero na qual ela sempre se percebeu desde a infância.
 
A pesquisa também nos revela que a prevalência de transgeneridade entre pessoas autistas é oito vezes mais prevalente do que das pessoas que não estão neste espectro. No entanto, por a pessoa ser autista, muitas vezes, a identificação do gênero apontada por ela é ignorada.
 
Por essa razão, Sophia entendeu que era importante dar visibilidade aos processos de pessoas autistas e transgêneras como ela. Na pesquisa para o mestrado, ela acompanha o perfil de quatro pessoas no Twitter, que narram como é viver nesse lugar de intersecção, de ser autista e transgênero.

"É uma pesquisa realizada em dimensão afetiva, ou seja, estou inserida naquele contexto. Busco deixar os processos de afetação, que são esse diálogo com o que estou pesquisando. Não é uma pesquisa com o distanciamento tradicional. Não estou aqui em cima olhando para as pessoas lá embaixo", revela.
 
Na dissertação ela aborda cinco eixos: reflexões pertinentes às identidades de gênero; o paradigma da neurodiversidade no espectro autista; interseccionalidade entre autismo e transgeneridade; comunicação mediada por computador e narrativas de vida.
 
Sophia observa como as pessoas constróem as narrativas de vida. "Narrativa de vida surge de maneira expontânea numa conversa, numa comunicação corriqueira nas mídias digitais".
 
São narrativas que demonstram que essas pessoas existem, querem ser vistas e têm demandas específicas. "Ao longo da minha pesquisa fui descobrindo algo que eu vivi nas narrativas de outras pessoas e também na pesquisa de estudiosos, muitos até fora do Brasil, que olharam para autismo e interseccionalidade. A condição se ser trans é oito vezes mais comum em pessoas autistas do que em pessoas que não são autistas. Isso é demonstrado por um estudo quantitivo que usa metodologia muito boa".
 

Como autismo e transgeneridade são tratados

 
Estudos apontam que há maior prevalência de autistas trans do que entre população de forma geral. Apesar disso, os profissionais de saúde, que lidam com a população autista, costumam ver essa condição a partir de uma perspectiva capacitista.
 
"É muito comum pessoas autistas que são trans terem a condição de transgênero invalidada ou desqualificada por serem autistas, até mesmo por avaliadores que deveriam conhecer as trajetórias delas", diz Sophia. Na dissertação, ela mostra que as pessoas trans e autistas existem. 
 
Sophia lembra que a pessoa com autismo pode ter uma dificudade de autopercepção da hora que está com fome. O autista pode perceber um mal-estar mas sem identificar, por exemplo, se é fome ou vontade de ir ao banheiro. No entanto, ela reforça que a pessoa autista percebe a incongruência entre o gênero que foi designado no naascimento e a forma como o autista se vê e quer se expressar socialmente. 

A transição

 
Sophia está com 25 anos e há dois anos ela passou a fazer a transição social do gênero. "Como diz Simone de Beauvoir não se nasce mulher se torna. O meu tornar-se mulher foi muito cedo e não estou falando da transição em si. Desde a primeira infância, eu dou mostras de comportamento, jeito de agir, mais feminino. Tinha uma forte disforia de gênero. Colocava uma toalha na cabeça para simular um cabelo grande".
 
Aos cinco anos, uma psicóloga falou aos pais de Sophia que ela estava preocupada com a homossexualidade da menina. "Eu sabia que não era isso. Não era uma questão de atração sexual. Era uma questão de como eu me sentia, me percebia no mundo e como queria me expressar. Na adolescência tentei falar com profissionais de saúde sobre isso, mas fui muito rechaçada por causa de preconceitos por eu ser autista. Achavam que eu não tinha capacidade de perceber qual era o meu gênero".
 
É uma transição social, porque o gênero já se manifesta na pessoa, na interação com o mundo. "A sociedade que vai perceber a mudança para que a pessoa possa se expressar do jeito que ela é."
 
Aos 23 anos, no início da pandemia, Sophia ficou muito depressiva, porque não se identificava com o rótulo de homem gay. "Na época, falei com a minha mãe que não dava conta mais". Ela começou a frequentar um psiquiatra especialista em gênero, fez tratamento multidisciplinar com psicóloga e endocrinologista. "Muita gente achou que poderia ser um grande erro essa minha transição como se fosse uma escolha. E não é".
 
Ela lembra que, como pessoa pública, ficou muito exposta, mas que foi muito bem recebida por seguidores, no meio acadêmico e no meio religioso - ela segue o budismo. "Estou com o cabelo maior, domino muito mais os aspectos de performar a feminilidade, maquiagem e o jeito que me visto".
 
Sophia obteve aprovação dos médicos para fazer cirurgia de redesignação sexual. "Não é o desejo de todas as pessoas trans, mas é o meu desejo como a mulher que eu sou."


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