Jornal Estado de Minas

FOTOGRAFIA CEGA

Conheça João Maia, fotógrafo cego que quebra barreiras


O mundo pode ser visto e interpretado de diversas maneiras, inclusive por meio da fotografia. João Maia sempre foi apaixonado por essa arte de registrar momentos. Nem o fato de ficar cego o afastou de sua vocação. Além de fotografar profissionalmente, ele também realiza oficinas de fotografia e palestras pelo Brasil.



João é natural de Bom Jesus, no Piauí, e ganhou visibilidade na cobertura de esportes. Foi um dos poucos fotógrafos com deficiência a estar presente na Paralimpíada de Tóquio, e o único cego. 

"Fiquei muito feliz, porque essa é a oportunidade que eu tenho de dar vez e voz, não é só a voz do João Maia não, mas de milhares de pessoas com deficiência no Brasil e no mundo. As pessoas podem olhar a minha história e podem falar ‘esse cara tem algo bom para me transmitir’”, conta João.

Futebol de 5 disputado na Paralimpíadas de Tóquio (foto: João Maia)


Além do mundo dos esportes, João se dedica a retratos, paisagens, fotografia de rua e fotojornalismo, seguindo sua filosofia “a minha fotografia é cega, e eu transformo sons em imagens”.




Ver além da visão

João é idealizador e fundador do Fotografia Cega. Nas ofiicinas, aberta para pessoas com ou sem deficiência,  ele venda os participantes para transformar a fotografia em uma experiência sensorial e ensina os alunos a verem com os sentidos.

“Quero poder inspirar as pessoas”, afirma João. “Eu fico muito feliz de saber que as pessoas se inspiram no meu trabalho, que quando eu indico um profissional que é uma pessoa com deficiência, para que ele tenha oportunidade de trabalho como eu tenho”, completa.

Foto de João Maia intitulada "Meu lindo cabelo crespo" (foto: João Maia)


O fotografo acredita que empatia e amor formam o caminho para derrubar o preconceito. Por isso está desenvolvendo um livro infantil em que conta a  própria história e de dois irmãos, Samuel Maia, com esquizofrenia, e Salim Filho Maia, que tem deficiência intelectual. A obra trata deadeficiência de uma forma sutil para que as crianças possam entender e respeitar as diferenças.



João também conta as histórias com seus irmãos nas redes sociais. “Existe uma invisibilidade da pessoa com deficiência, e então eu estou fazendo esse papel de formiguinha dizendo ‘olha, eu estou vivendo aqui com eles, a gente dá risada, a gente dança, fica injuriado', para as pessoas verem como é a rotina de uma pessoa com deficiência”, declara. 

Paixão que supera barreiras

João está se dedicando à biografia, que está sendo escrita pela jornalista Luciene Tonon. Os amigos de infância relatam a paixão dele pela fotografia desde muito jovem. Antes mesmo de ganhar a primeira câmera, aos 16 anos, lia sobre o assunto e buscava aprender a teoria. Como tinha um espírito empreendedor, e revelar o filme era caro na época, levava a câmera para passeios e eventos da escola e cobrava pelas fotos que tirava dos amigos.

“Na época, eu tinha um amigo que era profissional, o Emiliano, ele era fotógrafo mesmo, e toda vez que eu chegava em um evento que ele tava eu colava nele e ficava perguntando que tipo de filtro ele tava usando, que tipo de flash, que câmera era, que objetiva era, e sonhando...", conta João.



João se conecta com o ambiente para construir suas imagens através se sua sensibilidade e dos sons do ambiente (foto: Arquivo pessoal)


Em 2004, quando morava em São Paulo e trabalhava nos Correios, descobriu uma uveíte bilateral, doença ocular inflamatória que pode atingir o nervo ótico e a retina. Passou pelo processo de reabilitação no Hospital das Clinicas e pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, no qual aprendeu o Braile e atividades da vida diária, e onde atualmente é conselheiro.

João se preparou para morar sozinho e manter sua independência. “Toda pessoa com deficiência tem que ser ouvida, saber o que ela quer, o que ela pensa, não podemos sair tomando decisões para a pessoa com deficiência, a gente precisa dar essa liberdade e essa autonomia para que essa pessoa possa estar bem e poder crescer e ter sonhos como qualquer outra pessoa”, afirma.

Com apenas 15% da visão, João teve que mudar os elementos objetivos da fotografia, a câmera e suas configurações, para os elementos subjetivos, explorando o sentimento, se guiando pelos sons. “Toda essa mistura de sons e o complemento da minha baixa visão, os borrões coloridos que eu vejo, é assim consigo compor minha imagem”. 



O fotógrafo participou de exposições coletivas nacionais e internacionais, como a Brasília Photo Show, em 2018 e 2020, realizou exposição fotográfica na cidade de Yokohama no Japão em 2019, deu palestras e oficinas no TEDX, SESC Pinheiros, SESC Belenzinho, entre outros.
 
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz