Uma mulher negra sendo acusada de arrogância, de ser agressiva, de mudar de humor o tempo todo. Baldes de água suja para punir o comportamente e, numa altura do jogo, uma batida violenta com o balde na cabeça dela. As cenas da mineira Natália Deodato no Jogo da Discórdia do BBB 22, na noite de segunda-feira (14/2), chocaram quem viu o ao vivo, devido à agressividade direcionada à jovem de 22 anos natural de Sabará.
No entanto, para as mulheres negras, a situação se tornou "gatilho", um termo muito usado para descrever situações que remetem a momentos e situações negativas de violência, humilhação e preconceito contra alguém.
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A solidão da mulher negra
À mulher negra está associada toda a forma de preconceito e desumanização. Entre os estereótipos está a sexualização do corpo, como se ela fosse apenas um objeto de desejo e nunca de afeto e consideração. A própria Nat passou por situações semelhantes dentro da casa nas quais essa condição ficou evidenciada.
Numa festa, paquerou Rodrigo, mas o brother não quis beijá-la. Depois, teve uma aproximação com Lucas, com quem trocou carinhos, mas na hora de escolher com quem "namorar" na casa, o brother escolheu Eslovênia. O preterimento gerou uma crise de choro e de revolta em Nat e jogou luz sobre a discussão em torno da "solidão da mulher negra".
O conceito não diz apenas do preterimento nos relacionamentos amorosos, mas de toda uma carga simbólica simbólica imposta. Ela é acusada de ser raivosa, de ser forte, de aguentar o tranco. A ela não se destina o afeto, o respeito e a admiração.
Violências físicas e simbólicas
Essa luta pela humanização vem de longa data e, no Brasil, essa situação foi teorizada e apresentada pela intelectual Lélia Gonzalez (1935-1994). Também foi tema do pensamento da escritora norte-americana bell hooks (1952-2021).
Outros nomes de expressão tematizam as violências físicas e simbólicas contra a mulher negra. A médica Jurema Werneck, cofundadora da organização governamental Criola, de defesa e proteção das mulheres negras. Outra referência importante é a filósofa Sueli Carneiro, criadora do Geledés, Instituto da Mulher Negra.
Na literatura, a voz é da escritora Conceição Evaristo apresenta a vivência das mulheres negras que aparecem como personagens de seus romances, um deles é "Olhos d'água" ( Pallas Editora, 2014). Além de revelar essa vivência, Conceição reivindica o lugar delas como intelectual, como escritora. Como a mulher negra costuma ser reduzida ao corpo sexualizada é retirado dela a dimensão de produção simbólica.