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Duda Almeida, cria da Cidade de Deus, estreia na Fashion Week de Londres

A modelo carioca desfilou em Londres na última quarta-feira (16/2) e desabafou sobre suas origens no Instagram, levantando debates sobre a comunidade


21/02/2022 17:28 - atualizado 21/02/2022 18:02

Duda Almeida, modelo negra com cabelos cacheados e compridos, usa um terno cinza em uma passarela. O fundo é preto e algumas pessoas a observam.
Modelo, influenciadora e ativista Duda Almeida estreia nas passarelas da London Fashion Week (foto: GettyImages/Reprodução)

“Meu primeiro desfile em Londres, na Fashion Week. Para falar sobre isso, preciso respirar bem fundo mesmo, porque foram muitas memórias até pisar na passarela”. Este é o desabafo da modelo, influenciadora digital e ativista Duda Almeida em uma postagem no Instagram após desfilar na última quarta-feira (16/2) pela marca britânica Pretty Little Thing. Cria da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Duda celebra sua primeira participação em um dos eventos de moda mais importantes do mundo com um texto que relembra suas raízes.

“Lembrei de cada palavra da minha ‘vó’, mulher preta, mãe de santo”, escreveu a modelo. “Mas ontem, em especial, foi sobre minha tia Fernanda. Linda, talentosa, uma artista preta, favelada. Nos anos 80/90, tendo a ousadia de querer sonhar, ela foi finalista de um concurso importante de moda no Rio, mas, para o júri de preconceituosos, ela tinha corpo, boca demais para ser modelo. Quando disse que era da Cidade de Deus, foi o fim. Sempre me perguntava como fizeram isso com você, e mais tarde eu entendi o porquê”, completa.

Além de falar sobre a família, Duda, que é ativista premiada pela prefeitura do Rio e pelo Instituto Zumbi dos Palmares como influenciadora social pela sua luta contra o racismo, não pôde deixar de falar de onde veio e sobre as pessoas que convivem diariamente com ela. “Esse sonho não é só meu. Sei que também é o sonho de todos, ou da grande maioria de jovens pretos e favelados que me seguem aqui e que me veem passando o dia a dia na Cidade de Deus”, diz a modelo. “Acho que a minha história é isso [referência, afago, alívio, um pingo de esperança] para as pessoas que têm a mesma história que a minha, e que só querem uma oportunidade. Só uma”, reflete Duda.

Trajetória

Em entrevista ao portal "Notícia Preta", Duda Almeida conta que, apesar das pressões que sofria para agregar características que se distanciam da negritude, como o cabelo liso, pôde conquistar seu próprio espaço sendo ela mesma. “As meninas e mulheres negras encontram muita dificuldade para terem o seu devido reconhecimento. Muitas agências, no começo, queriam alisar o meu cabelo para me encaixar em um padrão”, conta ela.

Para além de seu trabalho como modelo, Duda ainda transmite seus valores aos seus seguidores, enfatizando que o povo negro é singular e que o respeito às raízes é o que a faz trilhar caminhos de sucesso. “Precisamos olhar com carinho para as nossas características, jeitos, somos únicos, acredite! E precisamos usar isso ao nosso favor”, conclui a influenciadora.
 

Duda ainda acredita que seu crescimento também é ponto de partida para que haja ainda mais descobertas dentro das favelas. “Para mim, ser reconhecida dentro e fora da minha comunidade, e por ser artista, é uma conquista. Eu sou uma exceção, mas acho que minha maior conquista ainda será transformar os jovens da minha comunidade realizando o sonho deles. Meu sonho é ter uma agência e um projeto social, pois sou fruto de um [CUFA - Central Única das Favelas]”, diz ela em entrevista à Glamour.

Sua relevância não existe à toa e traz consigo inspiração para outras pessoas que sonham em trilhar o mesmo caminho. “A minha maior mensagem como influenciadora é mostrar o poder da favela. É um lugar que não é só sobre violência. A favela é potência e poder ter, sim, uma modelo internacional. Desejo que, cada vez mais, as mulheres negras e periféricas acreditem que é possível realizar seus objetivos”, fala Duda.

A Cidade de Deus

Vista aérea da Cidade de Deus
Cidade de Deus é um bairro do Rio de Janeiro criado para abrigar pessoas despejadas do centro urbano da cidade (foto: Rede Globo/Reprodução)


O bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro já foi um sub-bairro pertencente ao bairro de Jacarepaguá, desmembrada por um decreto municipal em 1966, e abriga uma das maiores favelas do estado carioca, que também se chama Cidade de Deus.

Ao longo de sua primeira década, a região, que contou com novos conjuntos habitacionais, recebeu pessoas removidas de outras favelas da cidade pelo então governador Carlos Lacerda. A ação fez parte de uma política de remoção das favelas de outras áreas da cidade com o intuito de valorização desses ambientes e foi orientada pelos interesses das elites, promovida às custas de invasões de domicílio, despejo dos moradores e até incêndios criminosos.

Realocadas em regiões de difícil acesso aos centros urbanos onde há emprego, esses conjuntos habitacionais também não contavam com infraestrutura de serviços públicos essenciais ou sistema de transporte público eficiente.

“Por conta da precariedade de direitos fundamentais, como saúde, educação, segurança e moradia, teoricamente assegurados pela Constituição, cria-se espaços sociais conflituosos, focos de atividades violentas”, conta a advogada Caroline Silveira. O crime na Cidade de Deus é, em grande parte, decorrente da falta de direitos básicos que são, diariamente, negados pelo Estado e pela sociedade.

Apesar de estar situado próximo a bairros nobres da cidade, como Barra da Tijuca e Freguesia, está entre os bairros com indicadores sociais mais críticos da cidade. Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), o Índice de Desenvolvimento Social da comunidade é 0,559, o que a deixa em 127º lugar numa lista de 161 bairros cariocas que compara as qualidades de vida das respectivas regiões.

A Cidade de Deus é conhecida pelo tráfico de drogas e ficou nacionalmente conhecida em 2002, após o lançamento do filme de mesmo nome dirigido por Fernando Meirelles, sendo indicado a quatro categorias do Oscar. Com a cobertura midiática intensa sobre a região, a visão que se tinha da comunidade como lugar violento e perigoso foi ainda mais reforçada, favorecendo uma onda de preconceito e discriminação com seus moradores. Em 2020, segundo a plataforma Fogo Cruzado, a Cidade de Deus foi o segundo bairro que mais registrou trocas de tiros: 123, atrás apenas da Vila Kennedy, que registrou 319 trocas de tiros.


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