A Semana de Arte Moderna, ocorreu em São Paulo de 13 a 17 de fevereiro de 1922 e, no centenário comemorado neste mês, mais uma vez o mundo da arte levanta questionamentos acerca do tradicionalismo na cultura. Em comemoração a esse evento que mudou o rumo das artes no Brasil, o Museu Catavento realiza a exposição “Abaporu Periférico”, parte do projeto “Modernismo Hoje”.
As obras estão em exposição na Fábrica de Cultura de Sapopemba e seguirão em itinerância pelas outras unidades Fábricas de Cultura Setor A.
“Como foi a semana de 22, que os artistas se juntaram para romper com a arte vigente, o graffiti faz isso. É uma arte que ainda é muito marginalizada e muitas vezes nem é vista como arte. Então a gente consegue romper, trazendo o que é considerado marginal para uma exposição em um dos maiores museus de São Paulo”, conta Fernando Leite, assistente de Superintendência de Promoção e Articulação das Fábricas de Cultura.
As obras são releituras de quadros emblemáticos do modernismo brasileiro, como “O Homem Amarelo”, de Anita Malfatti e “Abaporu”, de Tarsila do Amaral, que dá nome à nova exposição, além de obras de Zina Aita, John Graz e Di Cavalcanti. Os 12 artistas convidados transportam as imagens já conhecidas do público para a atualidade e expressam suas vivências na periferia através do graffiti, em um encontro perfeito do velho com o novo.
Em 1922, um grupo integrante da elite intelectual paulista propôs quebrar os padrões estéticos tradicionais que eram realizados até então, dando vazão a um modernismo abrasileirado, com identidade própria, que se distanciasse da estética europeia. Resgatando a proposta de ruptura apresentada pela Semana de 22, “Abaporu Periférico”, por sua vez, oferece a oportunidade da sociedade focar o olhar na arte de rua, nas periferias, na pluraridade de manifestações artísticas que muitas vezes são menosprezadas pelo lugar comum da arte formal.
“O Graffiti torna a arte mais acessível, ela está em todo lugar, nas ruas, avenidas, prédios, bueiros, pode estar em qualquer lugar, inclusive no museu", afirma Pandora, uma das artistas convidadas para a exposição. Para ela, a exposição Abaporu Periférico traz dois movimentos opostos, e ao mesmo tempo interligados, que não se prendem às cores, formas, e pensamentos, exaltando a liberdade e criatividade artística.
Onde o passado e o presente se misturam
Uma das obras presentes na exposição foi feita pelo grafiteiro Banguone, que se descobriu daltônico aos 19 anos, e usou dessa característica para a releitura de “Pierrete”, de Di Cavalcanti. Na obra original é retratado uma moça francesa que vem para o Brasil passar o carnaval fantasiada de Pierrot, são usadas cores pasteis e é retratada uma azaleia. Na releitura feita por Banguone, a moça é uma dançarina de break que está subindo o morro com seu boombox no ombro, e, no lugar da azaleia, um pé de chuchu, muito comum em periferias.
Em relação às cores, o artista não conseguia identificar 75% dos tons pastéis presentes no original. “Esse projeto foi maravilhoso, porque eu tive o desafio de tentar fazer o quadro de forma que eu pudesse estar fazendo uma releitura que eu pudesse estar me desafiando também, mostrar para as pessoas que a arte também é inclusão”, conta Banguone. O uniforme vermelho foi escolhido justamente por ser uma cor que incomoda o grafiteiro devido ao daltonismo.
Outra obra que teve releitura é “O Mamoeiro” da Tarsila do Amaral, feita por Pamela Ramos, mais conhecida como Pandora. Inspirada pelos murais que via em seu cotidiano, tirou as ideias do papel e começou a fazer arte nos muros da cidade em 2013, aos 17 anos. Assim como a obra original foi inspirada nas primeiras ocupações dos morros do Rio de Janeiro, a releitura teve motivação semelhante em relação às ocupações da comunidade de onde mora Pandora.
A artista conta que a troca de cores trouxe um ar de nostalgia ligando o novo e o velho, passado e presente, fazendo uma relação entre o centenário da Semana de Arte Moderna e o Graffiti, sobre tudo de bom que é criado. “Como essa força e luta das pessoas periféricas em meio ao caos e à miséria, especialmente das mulheres, e mulheres negras como as da minha família e de tantas outras que deram vida e voz as comunidades que lutaram e lutam muito até por suas crenças e identidade”, declara Pandora.