Jornal Estado de Minas

POLÍCIA HUMANIZADA

Parlamentares denunciam LGBTFobia em livro para concurso da Polícia Civil

Um livro adotado no concurso da Polícia Civil de Minas Gerais está sendo considerado transfóbico e homofóbico. A obra é "Medicina Legal", de Genival Veloso de França, parte da bibliografia indicada para o concurso de perito, investigador de polícia e médico legista da instiuição cujas provas foram realizadas em dezembro de 2021.





Termos usados no livro foram considerados transfóbicos e homofóbicos pelas vereadoras de Belo Horizonte Bella Gonçalves (PSOL) e Duda Salabert (PDT) e pela deputada estadual Andréia de Jesus (PSOL). 
 
As parlamentares entram nesta quarta-feira (23/2) com uma representação junto ao Ministério do Trabalho com o pedido para a investigação. O encontro será como o promotor Allender Barreto, da Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as formas de Discriminação do Ministério Público de Minas Gerais.

Elas apontam que a representação não tem o objetivo de questionar o concurso público, mas promover o debate sobre a formação humanizada dos policiais. 
 
De acordo com as parlamentares, o livro usa o termo “transtorno de identidade sexual” ao se referir a pessoas trans ou travestis. O autor também trataria a homossexualidade e a transexualidade como transtornos sexuais junto a patologias, como necrofilia e pedofilia. Dessa forma, as parlamentares consideraram o livro transfóbico e homofóbico.




 
Duda Salabert destaca que a formação do futuro policial tem início com a preparação para o concurso público. Ela vê como um desrespeito aos direitos humanos que um dos livros indicados para o concurso trate as pessoas trans e homossexuais como se fossem doentes.
 
"Vamos deixar para que a Justiça apure e, a partir do edital e da legislação existente, decida a atitude cabível neste caso", afirma Duda. A vereadora defende a importância de a sociedade fazer o debate. "O que não poderíamos é deixar sem debate um episódio em que há a cobrança de um livro de conteúdo LGBTFóbico, deixar que passe sem debate ou nenhum tipo de resistência."

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Em nota, a Polícia Civil informou que "preza pelo respeito, pela inclusão, pela diversidade e pela pluralidade, repudiando toda intolerância em relação aos direitos e garantias fundamentais, pois sua atuação é balizada na promoção de direitos e no fortalecimento da democracia."




 
A instituição informou que a  sugestão bibliográfica dos editais constitui um referencial que deve ser lido e interpretado de forma sistemática, cabendo notar, por isso, outros conteúdos, como o da disciplina de Direitos Humanos, que traz expressa a importância do conhecimento sobre as liberdades fundamentais de grupos de sujeitos no item “direitos Humanos, minorias e grupos vulneráveis: mulheres, idosos, crianças e adolescentes, povos indígenas e comunidades tradicionais, pessoa com deficiência, LGBTQIA, refugiados".
 
"A obra 'Medicina Legal' de Genival Veloso França, médico, bacharel em direito e professor, tem mais de 10 edições e 40 anos de emprego no meio acadêmico e em diversos concursos no Brasil. O autor é membro efetivo da Academia Nacional de Medicina Legal (ANML), membro titular da Academia Brasileira de Ciências Médico-Sociais e da Academia Internacional de Medicina Legal e Medicina Social", traz a nota

Perpectiva ultrapassada

Duda pontua que o livro trata a transexualidade e a homossexualidade como patologias, como algo desviante. "Essa perspectiva já está ultrapassada tanto do ponto de vista científico, quanto ao que se refere ao entendimento da sociedade. Nesse sentido, Duda pontua que o livro cobrado faz um desserviço à luta pelos direitos humanos e "carrega um conteúdo considerado criminoso, de tratar a homossexualidade e transexualidade como doenças."
 
Até 1990, a homossexualidade era considerada doença pela OMS e até 2018 a transexualidade era considerada um transtorno mental. "Depois de séculos de luta, a homossexualidade e transexualidade foram despatologijadas".Ao adotar o livro o concurso vai contra a luta histórica, afirma Duda.




 
A parlamentar destaca a importância de formação do agente de segurança pública para um melhor tratamento no exercício da profissão com a diversidade. "Concurso é parte inicial do processo de formação. Se o concurso começa trabalhando com a ideia de que transexualidade e homossexualidade são doenças, já é algo negativo no processo de formação e humanização da segurança pública no Brasil", avalia.
 
Na mesma direção de Duda, a  deputada Andréia de Jeus defende a necessidade da investigação pelo fato de o livro ser base de formação aos profissionais da Polícia Civil. " Investigar e dar encaminhamentos necessários neste caso é fundamental, afinal, são estes os profissionais que lidarão com casos de homofobia nas delegacias", diz. 

No dia 15 de fevereiro, a deputada enviou um requerimento para a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) para que os profissionais de segurança pública do estado passem por cursos de formação, para que eles consigam acolher as vítimas que já estão em um momento tão difícil.