O Dia Internacional da Mulher costuma ser uma data em que as homenageadas são presenteadas com flores. No entanto, a efeméride é sinônimo de uma história de lutas, que demarca a mobilização pela igualdade de direitos e, sobretudo, pelo fim da violência. Mais até do que comemorar, é momento de apontar que ainda são necessárias muitas conquistas para que haja igualdade de gêneros. A origem da data está relacionada a mobilização das mulheres por melhores condições de trabalho.
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Outra pesquisa do grupo aponta que 76% delas já sofreram violência e assédio no trabalho. Reforçam o quadro preocupante e outras realidades: uma mulher é vítima de estupro a cada 10 minutos, e três são vítimas de feminicídio a cada dia, de acordo com o Fora do Eixo, uma rede de coletivos culturais.
"Quem ama não mata"
Era agosto de 1980, Elizabeth Fleury declamou o poema “Aos homens nosso mel e nosso fel”, em manifestação no adro da Igreja São José, no Centro de Belo Horizonte. A mobilização foi um dos marcos do movimento Quem Ama Não Mata. A mobilização nasceu como resposta à violência contra a mulher, aos assassinatos cometidos por homens e para reivindicar direitos sobre o próprio corpo. Questões que, 42 anos depois, continuam atuais.
O movimento é considerado fundamental para mudar o arcabouço jurídico em relação aos crimes cometidos contra mulheres. Na década de 1980, os assassinatos de Heloísa Ballesteros e Maria Regina Souza Rocha foram o estopim para a criação do grupo. O ato público realizada na escadaria da Igreja São José reuniu cerca de 400 mulheres.
Anos antes, outra morte havia chocado a opinião pública: o assassinato da mineira Ângela Diniz pelo companheiro, Doca Street, em 1976. No julgamento, a defesa do assassino usou o argumento de legítima defesa da honra. Foi graças à mobilização feminina em todo o Brasil que o tema ganhou debate público que resultou em mudança na compreensão de crimes cometidos contra as mulheres. Mas foi somente em 2015 que o Código Penal Brasileiro foi alterado, com inclusão da Lei 13.104, que tipifica o feminicídio como homicídio cometido por motivações de gênero.
Transformação
A mobilização das mulheres para garantia de direitos é o tema do debate “Feminismo no Brasil: memórias de quem fez acontecer”, hoje, às 18h30, que terá a participação de Branca Moreira Alves, Jacqueline Pitanguy, Benedita da Silva e Maria Betânia Ávila. A mediação será realizada pela jornalista Aline Midlej, no canal do YouTube da editora Bazar do Tempo.“Ser feminista é lutar para que as mulheres possam ter protagonismo sobre sua vida”, afirma Dirlene Marques, professora de economia da UFMG, militante social e feminista. Ela considera a luta pelos direitos da mulher a mais antiga de todas as batalhas, marcando toda a história.
Mobilização em frentes diversas
A luta feminista não é única. A interseccionalidade mobiliza diversos grupos de mulheres, como mulheres LGBTQIA e negras. As três mulheres que, no final da década de 1970 e início da década de 1980, motivaram a luta do movimento feminista eram brancas e da classe média alta. Os números na atualidade demonstram, no entanto, que as mulheres negras e mulheres trans são as vítimas mais frequentes de violência.
Em todos os indicadores sociais, mulheres negras aparecem em maior vulnerabilidade. A perda de emprego é mais recorrente entre elas, assim como a violência e o assédio. A doutoranda da UFMG Dalila Maria Musa Belmiro, de 28 anos, que pesquisa a atuação de mulheres negras que se tornaram celebridades, destaca que a mulher negra é negada em termos de gênero e raça.
Na mesma direção aponta a jornalista Eneida da Costa. “Eu sou feminista pela falta de opção de não ser feminista. Não tem outra opção na vida de uma mulher negra, operária, que não ser feminista”, afirma Eneida, que integra o movimento Quem Ama Não Mata e o Grupo de mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Eneida aponta que a mulher negra é vítima de hipersexualização, de machismo e de racismo. Em ambientes de trabalho, por exemplo, são quase sempre minorias. A própria jornalista conta que já passou por situações em que era qualificada para um cargo, mas foi preterida em favor da contratação de um homem branco.
“Se você olhar o que os homens fazem, nesse sentido de se protegerem, a gente tem que aprender com isso. Se tem uma vaga, um espaço, uma oportunidade, vou colocar uma mulher, porque se deixar por conta do sistema, as mulheres vão para a borda”, afirma.
Militância
Ana Fê é transfeminista militante pelo movimento Afronte! e a primeira pessoa trans a ocupar cargos de diretoria e coordenadoria na União Estadual dos Estudantes e no Diretório Central dos Estudantes da UFMG. Começou a atuar em ações que promovem a dignidade feminina no território do Barreiro, em 2020 e luta, na universidade, pela aplicação de cotas trans e pela inclusão do critério de violência de gênero nas políticas de assistência estudantil.
O feminismo interseccional é parte importante de sua trajetória, pois inclui sua existência, apagada e silenciada por muito tempo. “Foi através dessa abordagem que o movimento feminista pôde se tornar um espaço de unificação de diversos corpos e lutas”, afirma Ana Fê. “A luta contra a violência de gênero é uma das muitas questões importantes que vários corpos diferentes sofrem. Mulheres cisgênero, mulheres trans e travestis são colocadas, de formas diferentes, em situações de violência dentro de casa e, dessas, as mais vulnerabilizadas são as negras”, completa.
Ela conta que participará do 8 de março unificado – ato que reunirá em Belo Horizonte 80 coletivos de mulheres com o lema “Mulheres do fim do mundo em luta por justiça social: abaixo o capital e fora Bolsonaro” – e relembra algumas das lutas que serão reivindicadas na mobilização, cujo slogan faz alusão à cantora Elza Soares, nascida em 1937 e que morreu este ano. “Será um dia importante para lutar contra os retrocessos promovidos pelo governo atual. Estaremos lá para exigir o direito à vida das mulheres, para resistir contra a violência de gênero e pela dignidade menstrual e direitos reprodutivos”, diz ela. “Vamos às ruas contra esse governo, mas muito inspiradas pela luta que outras mulheres latino-americanas têm realizado”, completa.
Origens e versões
O 8 de março foi oficializado em 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional da Mulher. No entanto, a origem da data tem versões diferentes: uma delas relata que, em 8 de março de 1857, 129 mulheres foram carbonizadas em uma fábrica têxtil em Nova York, de onde teriam sido impedidas de sair pelo proprietário. Outra versão é que a data remonta a 8 de março de 1917, em protestos liderados por mulheres na Rússia. De todo modo, ano a ano, os movimentos feministas reafirmam que é uma data de apresentar reivindicações, e não de comemorações.