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Estado de Minas RACISMO

Governo Bolsonaro: autoridades públicas proferiram 94 discursos racistas

Levantamento da Conaq e da Terra de Direitos mostra que discursos racistas de autoridades públicas, além de numerosos, também impulsionam o racismo no cotidiano


24/03/2022 10:00 - atualizado 24/03/2022 10:25

Presidente Jair Bolsonaro profere discurso em microfone. Ao fundo a bandeira do Brasil
Levantamento apresenta discursos racistas proferidos durante o governo Bolsonaro (foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil)

 
Um estudo realizado pelo projeto Quilombolas contra Racistas, organizado pela Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e pela Terra de Direitos, aponta que, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021, foram feitos 94 discursos racistas por autoridades públicas e, dentre eles, apenas um teve responsabilização de envolvidos. 

“O discurso de autoridades revelando seu racismo potencializou as pessoas a fazerem o mesmo, com muita violência”, é o que fala Sandra Maria Andrade, coordenadora executiva da Conaq e residente do Quilombo Carrapatos da Tabatinga, em Bom Despacho, no Centro-oeste de Minas.
 
Desde o início do governo Bolsonaro, ela tem percebido que, com o aval das autoridades, o racismo tem crescido em diversos contextos do cotidiano de pessoas negras e, principalmente, de quilombolas.
 
Sérgio Camargo posa em frente a um banner. Ele é um homem negro e usa óculos e um terno e uma grava azuis com uma camisa branca.
Autoridades públicas já deram 94 discursos racistas entre 2019 e 2021 (foto: Reprodução/Facebook)
 
 
Sérgio Camargo, atual presidente da Fundação Cultural Palmares, e o presidente Jair Bolsonaro lideram o número de discursos registrados nos três anos do levantamento. 

Segundo o levantamento, dos 94 pronunciamentos racistas, 18 ocorreram em 2019, subindo para 42, em 2020, e chegando a 36 em 2021. De acordo com a análise, 41% do total focam no reforço de estereótipos racistas - empregados para inferiorizar e/ou degradar a dignidade de indivíduos ou grupos -; 25% negam a existência do racismo; 96% foram proferidos por homens e 33% partiram de cargos de direção e assessoramento do Governo Federal - ministros, secretários e presidentes de autarquias.

Discursos recorrentes

Página inicial do site do projeto Quilombolas Contra Racistas
A plataforma Quilombolas Contra Racistas reúne dados sobre os 94 discursos racistas de autoridades públicas computados (foto: Quilombolas Contra Racistas/Reprodução)


A proximidade que os autores das falas têm com o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) pode não ser uma coincidência. Segundo o projeto Quilombolas Contra Racistas, “a reprodução do discurso de ódio racial no Brasil tem cada vez mais sido abraçada por representantes políticos, membros de alto escalão do governo e integrantes do sistema de Justiça”, uma vez que as próprias propostas de Bolsonaro durante as eleições de 2018 envolviam o desmonte de políticas públicas de auxílio a comunidades quilombolas e indígenas.

A justificação ou a negação da escravidão e do genocídio está entre os cinco tipos de discursos recorrentes dentre os 94 computados pela plataforma.

Além dela, estão, em ordem crescente, a promoção da supremacia branca; a incitação à restrição de direitos; a negação do racismo; e o reforço de estereótipos racistas. Essas práticas evidenciam que há uma estratégia e um esforço governamental em fazer o desmonte de pautas voltadas à população negra e indígena. 

Para Givânia Silva, pesquisadora e co-fundadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), os dados revelam uma realidade alarmante sobre como o discurso de ódio racial no Brasil tem se manifestado.

"Esses números representam práticas constantes de governos autoritários, racistas e excludentes que usam as instituições públicas para manifestar suas patologias, como o racismo, a homofobia, entre muitas outras. Não podemos mais permitir que tais práticas passem e fiquem impunes", comenta a pesquisadora. 

Impactos nas vidas de quilombolas

Discursos racistas vindos de autoridades públicas acabam reforçando, na população, comportamentos equivalentes e, até mesmo, piores. Além do desmonte de pautas direcionadas às comunidades quilombolas e indígenas, o cotidiano de pessoas desses grupos também mudou. “Estamos sofrendo com ataques racistas nas ruas, nas escolas, nos postos de saúde, nos restaurantes e na própria Justiça”, conta Sandra Maria Andrade.

“O discurso racista se propaga muito facilmente e tem se levantado contra nós, lideranças quilombolas. Ele é fácil e disseminador porque traz o ódio, a discórdia, o levante contra nosso povo e traz a desconstrução dos nossos valores”, conta Sandra Pereira Braga, coordenadora executiva da Conaq residente do Quilombo Mesquita, em Goiás. “Muitas vezes, a gente pensa em parar a luta, mas percebemos que a luta não nos deixa parar”, complementa ela.

A plataforma do projeto ainda reúne diversos depoimentos que dimensionam os impactos desses discursos. “Escutamos termos pejorativos e insultos de várias autoridades, desde juízes, promotores a presidente, governadores e prefeitos, pessoas que são formadoras de opinião pública e que deveria cuidar dos direitos e das pessoas”, relata Celia Cristina Pinto, coordenadora executiva da Conaq que reside no Quilombo Nazaré, no Maranhão. “Vivemos permanentes ameaças aos nossos territórios e às nossas vidas”, continua.

O estudo avalia que a baixa apuração e a ausência de responsabilização desses pronunciamentos são um dos maiores motivadores para a continuidade de práticas racistas nos discursos e nas ações de autoridades e da população. Do total de ocorrências em 2021, 33% delas tiveram algum pedido de apuração dos fatos e/ou responsabilização, mas desses pedidos de providência, apenas um teve algum tipo de responsabilização, que foi o caso do vereador Jonathas Gomes de Azevedo (PROS-BA).
 
A reportagem entrou em contato com a Casa Civil da Presidência da República para um posicionamento sobre os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro, mas até o momento, não foi enviado um retorno.
 
 
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz 


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