Jornal Estado de Minas

DISCRIMINAÇÃO

Jovem denuncia racismo em academia: 'Dinheiro vale menos porque sou preto?'


Na tarde de terça-feira (5/4), o estudante universitário Gabriel Souza foi a uma unidade da Academia Pratique Fitness, no Bairro Floresta, em Belo Horizonte, para assinar um plano. Na ocasião, entretanto, afirmou ter sido destratado desde o momento em que pisou no local. Alegou, inclusive, ser vítima de racismo.





Segundo Gabriel, "apesar da imagem positiva que a rede passa em plataformas digitais", o atendimento não é equivalente.

Ele disse que logo na recepção, percebeu que não seria bem-vindo. Gabriel conta que a atendente hesitou em apresentar os planos e, que, com muita insistência, acabou conseguindo. Assim que partiu para os exercícios, não recebeu instrução alguma dos profissionais, relatou.

"Não me mostraram onde ficavam os equipamentos, onde eram os banheiros, os bebedouros ou qualquer outra informação básica", relata Gabriel, em uma postagem no Instagram. "Não consegui terminar meu treino justamente porque não fazia sentido pra mim, ter acabado de pagar uma mensalidade e ser tratado com total desprezo", completa o estudante que, logo em seguida, pediu o cancelamento do plano.

Contato recusado


Uma taxa de anuidade foi cobrada, o que ele não se negou a pagar, mas o valor da mensalidade não seria devolvido, o que gerou indignação. Gabriel afirma que tentou, de várias formas, ressarcir a cobrança, mas relatou que todo o atendimento era automático. 





"Retornei, a coordenadora não estava lá e ninguém quis me passar o contato dela ou de qualquer outra pessoa que pudesse me ajudar. É incabível que uma rede de academia que possui mais de 40 unidades não tenha uma pessoa que possa me dar uma resposta", diz ele.


Racismo


Gabriel também tentou o atendimento on-line direto com a unidade Floresta, que o deixou sem resposta por mais de um dia. Suspeitando que estava sendo ignorado, pediu para que duas de suas amigas, não-pretas, mandassem mensagem para o mesmo número, que as respondeu prontamente em menos de meia hora.

"Liguei várias vezes, mandei mensagem no dia anterior e fui cobrando depois disso. Não é que não tivessem tempo, só não queriam me atender", relata ele.

Denúncia nas redes

Por não conseguir resolver diretamente com a rede de academias, Gabriel recorreu às redes sociais e fez postagens de texto, imagens e vídeos no Instagram e no Twitter cobrando uma resposta sobre o valor que debitado injustamente. Segundo ele, a resposta da Pratique Fitness foi bloqueá-lo no Instagram, mesmo sem resposta ou posicionamento.






"Para mim, foi mais uma forma de mostrar que eles não queriam me responder. Tipo assim, problema seu, entendeu?", fala o estudante em entrevista ao EM. "Me senti impotente. Ninguém quer ser maltratado dessa forma, e eu não fui lá pedindo favor, eu estava pagando pelos serviços deles. Meu dinheiro vale menos que o dos outros porque eu sou preto?", completa ele.

Na manhã desta sexta-feira (8/4), Gabriel conta que recebeu uma ligação da rede pedindo desculpas pelo ocorrido e que fariam o possível para que ele não saísse no prejuízo com a situação. "Mas foi a primeira vez, em toda a situação, que me perguntaram como eu estava me sentindo. Eles me ligaram, mas fico me perguntando se isso teria acontecido se não tivesse tanta repercussão nas redes sociais", relata o jovem.

Segundo Gabriel, a equipe da Pratique Fitness disse a ele que o valor da mensalidade e da anuidade serão devolvidos.

Procurada pelo EM, a rede de academias de Belo Horizonte ainda não deu resposta sobre o caso, mas um pronunciamento é aguardado.





Racismo institucional

O racismo institucional é definido como práticas discriminatórias motivadas pela raça dentro de organizações, sejam elas empresas, grupos, associações ou instituições públicas. Ele pode se manifestar de várias maneiras, incluindo normas, práticas e comportamentos, como foi o caso de Gabriel, que teve serviços negados por sua aparência.

De acordo com a Lei Nº 7.716/89, que criminaliza o racismo no Brasil, entretanto, a prática do racismo institucional ainda não é considerada crime, uma vez que o agente criminoso só pode ser uma pessoa, e não uma instituição.

Pesquisa aponta que 79% das corporações intensificaram seus esforços em DE&I em um ano, mas apenas 42% firmaram que viram aumento nos níveis de contratação (foto: fauxels no Pexels)


A pauta da diversidade conquista, cada vez mais, espaço nas empresas e é vista como uma tendencia para o futuro do mercado de trabalho. A pesquisa “DE&I pós-2020: progresso real ou ilusão?”, realizada pela Korn Ferry, empresa de consultoria organizacional global, traça um quadro da diversidade, equidade e inclusão na América Latina.



O estudo analisou as respostas de 823 entrevistados, sendo 250 brasileiros, sobre impasses relacionados a DE&I, como os desafios das organizações, as práticas e processos, entre 2020 e 2021. Os resultados mostraram que as mudanças ainda são superficiais, a nível de conscientização, sendo necessárias mudanças nas estruturas das empresas para que haja uma mudança real.

A pesquisa aponta que 79% das corporações intensificaram seus esforços em DE&I em um ano, sendo que tais esforços foram impulsionados principalmente pelos CEOs e time de executivos (74%), pela marca e reputação (60%) e pelos funcionários (55%).
 
Porém, foi verificado que essas mudanças não são acompanhadas de orçamento para serem implementadas já que apenas 36% dos entrevistados responderam que a empresa possui um orçamento destinado a DE&I. Além disso, apenas 42% dos entrevistados firmaram que viram aumento nos níveis de contratação de talentos subrepresentados.



O que são grupos subrepresentados?

Grupos subrepresentados são aqueles compostos por pessoas pertencentes a grupos que são historicamente e tradicionalmente colocados à margem das decisões e atividades sociais, como mulheres, negros, pessoas com deficiência, entre outros.

A pesquisa mostra que as mulheres são o principal foco das iniciativas de DE&I Na América Latina, sendo foco de 79% das empresas, seguido de Pessoas com deficiência (57%) e talentos LGBTQIA (43%). Tendo em vista que o perfil de pessoas que ocupam cargos de liderança nas organizações é majoritariamente formado por homem e branco, os esforços para contratação de mulheres são relativamente alto. No entanto, talentos  negros é preocupante, sendo foco de apenas 21% dos entrevistados.
 

Dificuldades e desafios

Além da dificuldade de formação de times inclusivos e diversos (73%) e de recrutamento de talentos subrepresentados (72%), outro impasse identificado foi a dificuldade de retenção desses talentos (56%). Os dados apontam para um baixo nível de maturidade em DE&I, com baixa perspectiva de crescimento dentro das empresas pelas pessoas em grupos de diversidade, o que faz com que grande parte deixe a organização.



Sobre as praticas de DE&I abordadas pelas empresas, a principal citada foi desenvolvimento de políticas de não-discriminação, bullying e assédio, com 70%. Em seguida, com apenas 57%, vem o foco em uma cultura de expressão e segurança psicológica.
 
Medidas para mudar a estrutura, como Desenvolvimento de processos e práticas de talento equitativos e diminuição das taxas de saída voluntária de talentos subrepresentados nas organizações, aparecem em 12º lugar e 26º, respectivamente. Este último com 81% dos respondentes afirmando nem ter planos de introduzir a prática na empresa.

A conclusão da pesquisa aponta que é preciso que as organizações desenvolvam não apenas comportamento inclusivo, mas também uma estrutura inclusiva, com processos e práticas equitativas que promovam ativamente a contratação e desenvolvimento de grupos diversos em todos os níveis de poder.




 
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz 


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