O dia 19 de abril é ao longo da história marcado como Dia do "Índio". Essa nomenclatura, entretanto, é ultrapassada e, desde 2019, está em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 5.466/19, de autoria da deputada federal Joênia Wapichana (Rede), que propõe dar à data o nome de “Dia de Luta e Resistência dos Povos Indígenas”.
Para além de comemorações, o dia marca as batalhas diárias de quase 900 mil brasileiros autodeclarados indígenas no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).
O último Censo revelou que, das 896 mil pessoas que se autodeclaram indígenas, 572 mil (63,8%), vivem na área rural e 517 mil (57,5%) moram em terras indígenas oficialmente reconhecidas. O Instituto Socioambiental (ISA) afirma que cerca de 13,8% de todas as terras do Brasil são reservadas aos povos originários, e que o governo de Jair Bolsonaro (PL) é o primeiro, desde a redemocratização do Brasil, a não demarcar nenhuma terra indígena.
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A antiga nomenclatura dos povos indígenas, no entanto, não é mais aceita e carrega diversos estereótipos. A jornalista indígena Juliana Lourenço explica parte deste processo em seu perfil no Twitter. “‘Índio’ é ofensivo, pois foi o nome dado pelos invasores e nega o que somos. Como diz Daniel Munduruku, a palavra ‘índio’ é uma ficção que foi introduzida na mente dos brasileiros pelo sistema oficial de ensino. É uma palavra que não diz quem somos, mas o que as pessoas acham que somos”, relata ela.
“Costumam nos chamar de preguiçosos, selvagens, atrasados e inúteis. Todos esses adjetivos estão dentro da palavra ‘índio’. Ela nega o que somos porque assim aprendemos. Para que novos significados façam parte de nosso repertório, é necessário criarmos consciência de que os povos indígenas são de verdade”, completa a jornalista.
Para Avelin Kambiwá, uma das principais lideranças indígenas de Minas Gerais e organizadora do coletivo Comitê Mineiro de Apoio às Comunidades Indígenas, a mudança da nomenclatura dá mais peso ao significado e fortalece ainda mais a luta dos povos. “No dia 19 de abril, antigo Dia do Índio, ressignificado e mudado no próprio Congresso Nacional através da vitória da guerreira Joênia, é um dia em que marcamos o nosso território e lutamos pela Mãe-Terra”.
A luta por territórios
Avelin também comenta que, para além de uma missão ecológica e de posse, a luta pelos territórios indígenas faz parte de sua ética. “Nós lutamos pela Mãe-Terra, e não por um sentido ecológico; não por no sentido de uma terra enquanto número de hectares. Quem pensa em terra enquanto hectares são fazendeiros. Nós lutamos porque faz parte de nossa missão ancestral; parte de nossa ética enquanto indígenas”, explica ela em entrevista ao EM.
“Nós estamos nos organizando do ponto de vista comunitário, principalmente. Com outras ferramentas, também nos apropriamos de Projetos de Lei; temos ajuda de não-indígenas. Em Belo Horizonte, nós criamos a Semana Municipal dos Povos Indígenas através da vereadora Duda Salabert (PDT), na qual tratamos de temas relevantes para que a população geral conheça mais sobre a cultura indígena”, completa Avelin.
Para o cacique Almir Suruí, entretanto, a data não é para ser comemorada, mas é importante que exista um dia para que as lutas por território e direitos básicos estejam em maior evidência. “Não temos nada a comemorar nesse dia, porque ainda continuamos cheios de problemas, como invasões das terras indígenas, ameaças de mineradoras, governo usando discurso de ódio contra a nossa riqueza, que é o meio ambiente, e os nossos direitos de povos indígenas no Brasil”, afirmou, em entrevista à CNN.
Em 2021, Brasília foi palco de manifestações contra o Marco Temporal sobre terras indígenas, que estabelece que a demarcação de terras indígenas só pode acontecer se comprovado que os povos estavam sobre o espaço requerido antes de 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.
Defendido por ruralistas e combatido pelos indígenas, o Marco Temporal teve seu julgamento suspenso em setembro de 2021, mas voltará ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda este ano.
Defendido por ruralistas e combatido pelos indígenas, o Marco Temporal teve seu julgamento suspenso em setembro de 2021, mas voltará ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda este ano.
Situação em Minas Gerais
Na tarde desta terça-feira (19/4), foi publicado no perfil do Instagram da deputada federal Áurea Carolina (Psol) que o Ministério Público Federal e outros órgãos foram acionados para revogar uma resolução do governador estadual Romeu Zema (NOVO) que viola os direitos de povos e comunidades tradicionais no estado.
Segundo a assessoria da deputada, essa determinação, publicada pelas secretarias estaduais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Social, apesar de ser responsável por regulamentar a consulta livre, prévia e informada de povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais - direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais - passa por cima de seus direitos para beneficiar grandes empresas de mineração e do setor de energia.
Até o momento, mais de 80 organizações e movimentos se manifestaram contra a medida do governador em carta pública.
Até o momento, mais de 80 organizações e movimentos se manifestaram contra a medida do governador em carta pública.
*Estagiária