Jornal Estado de Minas

RACISMO

Blackface: repúblicas de Ouro Preto são acusadas de prática racista


Moradores de repúblicas de Ouro Preto (MG) foram acusados de fazer blackface, uma prática racista há pelo menos 200 anos, na qual pessoas brancas pintam seus rostos com cores escuras com o intuito de ridicularizar os negros com fins de entretenimento. Segundo o perfil de uma das repúblicas, o evento em que isso ocorreu, chamado de Miss Bixo, faz parte de um costume da cidade. “Os estudantes têm a tradição de se fantasiar e se pintar para a apresentação da equipe”, diz nota de retratação.





De acordo com estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), cada república é responsável por escolher um tema e, assim, pensar nas fantasias. Os casos que mais geraram repercussão procuravam representar o cachorro Muttley e os Irmãos Rocha do desenho animado Corrida Maluca, além de pombos, pensando na música “Mundo Animal”, do grupo Mamonas Assassinas.

Nas redes sociais, as críticas envolvem a má execução das fantasias, além de um histórico problemático que nunca foi revisto pelas repúblicas.



Nota de um abaixo-assinado contra o racismo na Ufop afirma que “as pinturas foram associadas a blackface, despertando gatilhos em pessoas negras e pardas, caracterizando racismo”. O abaixo-assinado foi criado com o intuito de iniciar um processo dentro da universidade contra a ação dos envolvidos.

No Instagram, o perfil do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufop se pronunciou dizendo que a prática de pintar o rosto de preto ou marrom para representar pessoas negras é um ato racista, doloroso e ofensivo, além de reforçar estereótipos. Também foram repostados stories de usuários que marcaram o DCE, mostrando o nome de algumas das repúblicas responsáveis pelo ato.





Uma das repúblicas diz, em nota, que entrará em contato com o DCE pessoalmente para conversar sobre a situação. “Pedimos desculpas aos que se sentiram ofendidos pela forma como representamos esses personagens. Em nossa república, repudiamos qualquer ato de racismo e estamos abertos para esclarecer e debater sobre essa questão, mas esclarecemos que não fizemos blackface para representar pessoas pretas. As fantasias pretendiam representar os personagens fictícios”, explica a nota.

A reportagem do EM entrou em contato com a assessoria da Ufop e ainda não obteve.

O que é Blackface?

O blackface é uma prática que remete aos anos de 1830, cuja origem, acredita-se, tenha se dado em Nova York, nos Estados Unidos. Trata-se de pintar a pele de pessoas brancas em cores escuras a fim de ridicularizar pessoas negras associando-as a piadas e a estereótipos negativos, principalmente no cinema e no teatro - numa época em que pessoas negras não eram autorizadas a atuar por conta da cor da pele.

A prática é ofensiva por ter uma base no entretenimento de audiências brancas às custas de um grupo que lutava por direitos civis após séculos de escravidão, além de pregar estereótipos negativos sobre pessoas negras. Para Kehinge Andrews, da Birmingham City University, no Reino Unido, “o blackface tem raízes no racismo, que está ligado ao medo de pessoas negras e à ridicularização delas”, conta à BBC News.





Apesar de muitas pessoas ainda não reconhecerem o blackface como preconceito  e ainda entenderem a pintura como forma de entretenimento, críticos explicam que desconhecer a prática não pode ser usado como desculpa para cometê-la.

Em coluna da Folha de S.Paulo, o jornalista Matheus Moreira comenta que fazer blackface vai além de uma brincadeira, pois representa a caracterização de uma violência diária que pessoas negras sofrem. “A nossa cor e o nosso cabelo não são piada porque eles ditam quem vive e quem morre. A cor da pele de uma pessoa no Brasil representa a linha tênue entre viver mais um dia ou virar estatística”, diz.

O que é racismo?

O artigo 5º da Constituição Federal prevê que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”



Desse modo, recusar ou impedir acesso a estabelecimentos, recusar atendimento, impedir ascensão profissional, praticar atos de violência, segregação ou qualquer outra atitude que inferiorize ou discrimine um cidadão motivada pelo preconceito de raça, de etnia ou de cor é enquadrado no crime de racismo pela Lei 7.716, de 1989.

Qual a diferença entre racismo e injúria racial?

Apesar de ambos os crimes serem motivados por preconceito de raça, de etnia ou de cor, eles diferem no modo como é direcionado à vítima. Enquanto o crime de racismo é direcionado à coletividade de um grupo ou raça, a injúria racial, descrita no artigo 140 do Código Penal Brasileiro, é direcionada a um indivíduo específico e classificada como ofensa à honra do mesmo.

Leia também: O que é whitewashing?

Penas previstas por racismo no Brasil

A Lei 7.716 prevê que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, ou seja, não prescreve e pode ser julgado independentemente do tempo transcorrido. As penas variam de um a cinco anos de prisão, podendo ou não ser acompanhado de multa. 




Penas previstas por injúria racial no Brasil

O Código Penal prevê que injúria racial é um crime onde cabe o pagamento de fiança e prescreve em oito anos. Prevista no artigo 140, parágrafo 3, informa que a pena pode variar de um a três anos de prisão e multa. 

Como denunciar racismo?

Caso seja vítima de racismo, procure o posto policial mais próximo e registre ocorrência.
Caso testemunhe um ato racista, presencialmente ou em publicações, sites e redes sociais, procure o Ministério Público e faça uma denúncia.




Ouça e acompanhe as edições do podcast DiversEM



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