Cansada de sofrer com preconceitos e descasos nas várias clínicas de estética em que trabalhou ao longo da vida, Zarah Flor Rizzo, moradora do Jardim Miriam, na periferia de São Paulo, decidiu abrir seu próprio negócio. Atualmente, a Zarah Flor Estética e Laser conta com duas unidades: uma em Bela Vista, na capital paulista, e outra em Copacabana, no Rio de Janeiro, que faturam cerca de R$ 300 mil ao ano. A empresa conta com colaboradores negros e dá descontos para pessoas trans.
“Minha história com a estética não começou hoje. Comecei minha trajetória há 17 anos como esteticista trabalhando em diversas clínicas. Nesse período, sempre percebi a ausência de outras profissionais pretas, além de vivenciar situações evidentes de racismo. Eu não me encaixava e não queria aceitar aquela realidade”, conta Zarah Flor em uma de suas publicações nas redes sociais.
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Mesmo com as dificuldades, esteve atenta para perceber que muitas clientes negras que buscavam serviços de estética também eram vítimas do preconceito de profissionais brancos, que se recusavam a atendê-las. Foram nesses momentos ruins que Zarah encontrou uma oportunidade para empreender. "Fui com a cara, a coragem e R$ 500", comenta ela.
“Eu queria fazer a diferença, trazer algo novo para essas mulheres, ter a chance de elas perceberem o quanto elas são bonitas e podem ficar ainda mais, pois as pretas são, sim, uma beleza única e especial e temos muito potencial não apenas na vida, mas no empreendedorismo”, conta Zarah ao portal Alma Preta Jornalismo.
Em suas redes sociais, a empresária explica que está satisfeita em ter construído um ambiente acolhedor. “Há seis anos, decidi abrir minha clínica e coloquei como objetivo e valor contratar e ter o máximo de mulheres pretas ao meu lado, e assim tenho feito desde então. Não é somente sobre abraçar mulheres apaixonadas pela estética como eu, mas sobre desenvolver um ambiente único de acolhimento para mulheres pretas que querem se sentir em casa e abraçadas num momento de auto amor e cuidado com o próprio corpo”, escreve ela.
Dificuldades
Apesar de, atualmente, ser um bom momento para Zarah, o começo de sua jornada como empresária não foi fácil. Em 2016, quando começou a estudar a ideia de um tratamento a laser que não machucasse peles negras, era difícil encontrar materiais com essa especificidade.
“Tínhamos que fazer testes em nós mesmos, amigos e familiares, até encontrarmos um protocolo adequado para nossa pele preta. Existe um despreparo da área de estética em geral. É tudo muito padronizado, feito para o mesmo tipo de pele. As pessoas não estão preparadas para atender às necessidades da pele negra”, conta ela que, por três anos, trabalhou sozinha e só foi contratar a primeira colaboradora assim que engravidou, em 2019.
No entanto, seus desafios ainda estavam longe de acabar. Em 2020, no dia em que foi assinar o contrato de locação do espaço onde abriria sua primeira clínica, Zarah recebeu o diagnóstico de um câncer de mama. Sem saber como seria o tratamento, ela e o marido, Anderson Rezende, venderam o carro e os equipamentos de DJ dele, e decidiram investir na clínica.
“Passei por todo processo de tratamento e fiz cirurgia para retirada da mama. Fiquei um ano em tratamento, sem poder trabalhar. Meu marido contratou funcionárias, administrou a empresa e me deu todo apoio para não desistir do meu sonho”, explica ela.
Assim que se recuperou, retomou à rotina como empresária e, principalmente, voltou a estudar e a experimentar maneiras de aperfeiçoar os procedimentos a laser em peles negras. Segundo a empresária, a pele negra mancha com mais facilidade que a pele branca devido à maior presença de melanina. Hoje, ela afirma que o procedimento é seguro quando realizado por profissionais capacitados.
O tratamento
O equipamento emite um comprimento de onda específico em que o alvo é o pelo. O mecanismo é capaz de distinguir o que é pelo e o que é pele, ao contrário do procedimento convencional, no qual o laser é atraído pela melanina, que é o pigmento presente nos pelos e na pele, sem distinção entre um e outro. "Por essa razão, no caso de peles negras e morenas, que têm muita melanina, os lasers convencionais podem causar queimaduras, dores e desconfortos”, conta Zarah.
Na técnica desenvolvida pela empresária, o laser emite um feixe de luz que, quando disparado, é guiado mais profundamente na melanina do pelo sem se dispersar, distribuindo, assim, menos calor na superfície da pele. O foco seletivo causa a destruição do folículo piloso por conta do aquecimento das estruturas e torna-se confortável tanto para peles negras quanto para peles brancas. “O laser proporciona um tratamento super confortável, por possuir um sistema único de resfriamento que gera um efeito anestésico e protetor na pele durante a aplicação", conta a profissional da estética.
Zarah Flor também afirma que, por conta das dificuldades enfrentadas ao longo de sua trajetória para encontrar um tratamento eficaz e indolor focado em pessoas negras, é uma vitória poder atender a esse público e compreender quais são suas demandas estéticas. “Hoje, já há profissionais falando e ministrando cursos sobre pele negra, porque entenderam que nós, negros, também somos consumidores”, diz ela, que afirma ser uma “alegria surreal” poder se conectar com mulheres tão incríveis e proporcionar a elas tratamento específicos e adequados para seu tipo de pele.
Visibilidade
Os serviços são a preços populares e, segundo Zarah. “O atendimento é humanizado e acolhedor, que busca as melhores maneiras de trazer e incentivar a população negra a se cuidar”. Atualmente, conta com sete colaboradores, todos negros, e ressalta a importância de se valorizar profissionais e compreendam o que é discriminação.
A Zarah Flor Estética e Laser também protagonizou um dos episódios do quadro “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”, da TV Globo, e há um planejamento para a abertura de um local maior que será voltado, além da estética, para a valorização e a educação da saúde da população negra.
Para a empresária, ter a presença de profissionais negros no mercado da beleza é mais uma das conquistas da comunidade, mostrando que estão ganhando cada vez mais espaço. “Atender a população negra é mais um passo para entender cada cliente e as particularidades de cada pele negra”, explica ela.
*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz
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