Jornal Estado de Minas

ATO ANTIRACISTA

Coletivos estudantis manifestam contra o uso do 'blackface' dentro da UFOP

O protesto contra o episódio de blackface, ocorrido na última edição do evento Miss Bixo, reuniu cerca de 200 pessoas nessa quarta-feira. O ato ocorreu na porta do Restaurante Universitário da UFOP, entre estudantes e servidores dos campi de Mariana e de Ouro Preto, com o intuito de cobrar um posicionamento mais enérgico da instituição por meio de uma política institucional de combate ao racismo.




 
O movimento foi organizado pelo Coletivo Negro Braima Mané, contando com a participação do Diretório Central de Estudantes, o Sindicatos dos Trabalhadores Técnico-Administrativos e da Associação dos Docentes da UFOP, tendo como tema "Fortalecer nossos quilombos para juntos permanecermos".

Houve um abaixo-assinado, com o objetivo de apurar o acontecimento com profundidade, com abertura imediata de sindicância e de punições educativas e pedagógicas contra os envolvidos. Além disso, a coleta de assinaturas busca institucionalizar uma legislação interna e uma "Ouvidoria contra o racismo" na UFOP, também de fomentar discussões recorrentes sobre essa pauta.
 
Em entrevista à TV UFOP, a estudante de pós-graduação Leiliane Faustino, comenta que a manifestação tem um sentido mais amplo para a discussão do racismo que episódios de injúria racial e de blackface, que acontecem recorrentemente em festas como a Miss Bixo.



Segundo Faustino, o racismo se manifesta de diversas formas, como "quando não há representação negra no corpo docente, nos estudantes, ou nos intelectuais negros nas disciplinas cursadas". Essa ausência de representatividade se mostra como um problema, já que, segundo levantamento do Censo de 2010 do IBGE, Ouro Preto é uma cidade com 70% da população autodeclarada negra.


O Miss Bixo é um evento de recepção de calouros tradicional ouropretano, no qual os estudantes recém-chegados às repúblicas desfilam fantasiados, a fim de se eleger a melhor caracterização. No entanto, na última edição (29/4), moradores das repúblicas feminina Cravo e Canela e masculina Território Xavante foram acusados de cometer o crime de blackface, ao se pintar de marrom para incorporarem os personagens Irmãos Rocha, o cachorro Muttley do desenho animado Corrida Maluca, além de pombos, inspirados na música "Mundo animal", do antigo grupo Mamonas Assassinas. As fotos repercutiram pela internet, por meio das redes sociais, causando indignação nos internautas e na comunidade da UFOP.
 
Em nota divulgada pelas redes sociais, os estudantes da república Cravo e Canela pediram desculpas a quem se sentiu ofendido, alegaram que repudiam o racismo, apesar de ressaltar que não cometeram blackface. Já os moradores da Território Xavante não se manifestaram.




 
A UFOP se posicionou dizendo que a Ouvidoria da universidade recebeu denúncias e as encaminhou para a PRACE/UFOP - Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis -, que nomeou uma comissão de investigação que tem 30 dias para avaliar o caso; além disso, reforçou que é totalmente contra atos discriminatórios.

A Ouvidoria ainda salientou que o caso, que segue em processo administrativo, está sendo acompanhado pela CGU - Controladoria Geral da União - por meio da criação de Comissão para Sindicância, para apuração dos fatos ocorridos. Destacou, paralelamente, não concordar com ameaças de agressão física que os envolvidos alegam ter recebido, ressaltando que a violência não é o caminho para a condução do caso.
 
Sobre os posicionamentos, o Coletivo lançou nota no seu perfil no Instagram, no qual destaca que "o fato de 'não haver intenção' de representar pessoas negras, ou a fantasia ser sobre animais ou personagens de desenho animado, não exclui o caráter racista da prática".



Acrescentaram, ainda, que "se pintar de preto ou marrom num evento que tradicionalmente adota esta prática para representar pejorativamente pessoas pretas exclui qualquer possibilidade de equívoco, trazendo à tona o caráter racista" do evento e dos organizadores.
 
Na mesma nota, o Coletivo ainda destaca que, em um país com histórico escravocrata, a UFOP faz "vista grossa" em assuntos do gênero, a exemplo da "República Federal Senzala", cujo nome remete ao local no qual os escravos eram mantidos presos nas propriedades do escravizadores. Ademais, é citado que a mesma moradia estudantil "se refere a seus moradores através do termo 'escravos'", sem medo de sofrerem qualquer tipo de represália, uma vez que fazem publicações de destaque sobre a rotina dos moradores em redes sociais com o Instagram.
 

O que é o blackface?

O termo blackface surgiu nos anos 1930, em Nova Iorque, em um cenário de segregação racial, no qual pessoas brancas se pintavam de preto ou marrom em encenações teatrais para ridicularizar pessoas pretas e pardas. No período, negros não podiam atuar nas artes cênicas. E essa prática tem dois viéses: a carcaturização e do negro, estereotipando os seus comportamentos e aparência; e a exclusão deste povo de papeis na dramaturgia.




 

Como denunciar um crime de racismo?

Crimes de racismo podem ser denunciados presencialmente em delegacias, pela internet - em portais como o do Ministério Público e do Safernet -, ou por meio do Disque Denúncia - 190, ou do Disque Direitos Humanos, Disque - 100. 
 
Os crimes que são enquadrados como "racismo" são aqueles direcionados a todas as pessoas negras, de maneira coletiva. Quando o crime é cometido contra uma pessoa específica, e não a um grupo, é dado o nome de "injúria racial" - descrita no artigo 140 do Código Penal Brasileiro. 
 
A Lei 7.116, de 1989, prevê o crime de racismo como imprescritível e inafiançável. Isso quer dizer que o crime não prescreve e o tempo transcorrido desde a ocorrência não implica no julgamento. As penas variam de um a cinco anos de prisão, podendo ou não serem acompanhados de multa. Já para injúria racial, pode ser paga fiança e é prescrita em até oito anos. A pena pode ser de um a três anos de prisão e multa.