As paralimpíadas atraem atenção do mundo para atletas dos mais diferentes países. Mas, depois do que pode ser o auge da carreira de qualquer esportista, a realidade longe das câmeras e da cobertura esportiva internacional é bem diferente.
Neste décimo episódio do podcast DiversEM, o Estado de Minas conversou com duas atletas do Centro de Treinamento Esportivo (CTE) da UFMG, que fica em Belo Horizonte. Míriam Pio, atleta de para-taekwondo e Cristiane Alves, do halterofilismo adaptado, contaram um pouco sobre como conheceram o esporte que praticam, as dificuldades de ser uma paratleta profissional no Brasil, a falta de patrocínios e o que as motiva a continuar treinando.
Cobiçada por muitos pela condição financeira e status que pode proporcionar, a realidade da carreira esportiva é bem diferente fora dos holofotes, principalmente modalidades que não sejam o futebol masculino.
Mesmo sabendo disso, elas entraram nesse mundo de coração aberto e de formas nada convencionais. Míriam já tinha um emprego fixo quando conversou com um amigo em comum de seu atual treinador, que a convidou para conhecer o projeto (do CTE). No início ela não se interessou, pois nunca havia feito nenhum esporte antes, mas resolveu dar uma chance.
Já Cristiane trabalhava como caixa em um supermercado na região da Pampulha, em BH, quando um dos treinadores do CTE conversou com ela durante um dia normal de compras. Foi quando veio o convite para treinar.
“Ele me falou que o nanismo nesse esporte leva tipo uma vantagem, por os membros superiores serem menores. Aí ele viu que eu tinha potencial e me chamou”, disse a atleta.
Agora, Cristiane deixou o emprego como caixa e vive do esporte enquanto aguarda o nascimento de seu primeiro filho, que em breve estará entre nós.
Falta de visibilidade e o impacto nos patrocínios
Apesar de todo o esforço dos atletas de diversas modalidades, os esportes paralímpicos recebem uma visibilidade ínfima se comparado aos olímpicos. Eles carecem de divulgação e investimento, o que é diretamente sentido pelos atletas durante as competições.
“A gente fica muito triste. O panamericano, por exemplo, ninguém vê, não tem uma rede de televisão que divulga, que mostra, que lança, que bomba, sabe?”, desabafa Míriam.
A principal fonte de renda dos atletas são os patrocínios, contratos em que uma marca oferece financiamento para aquele esportista em troca de divulgação do nome ou produtos da empresa. Para isso, tais marcas precisam identificar os atletas como influenciadores que têm um grande alcance de pessoas. Sem visibilidade, este acordo fica prejudicado.
Atualmente, Míriam e Cristiane não possuem nenhum patrocínio e elas não são exceção.
Nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, dos 309 atletas brasileiros, 131 não tinham patrocínio algum, 36 realizaram permutas, 41 fizeram vaquinhas para arrecadar dinheiro e 33 conciliaram o esporte com outros empregos.
Para participar de eventos grandes como o Parapanamericano deste ano, Míriam precisou realizar campanhas de doação, como vaquinhas e rifas, para comprar as passagens aéreas e hospedagem. Foram quase R$ 3.000 arrecadados para que ela conseguisse competir no segundo evento internacional dela.
Bolsa Atleta
O Bolsa Atleta é um programa do governo federal de incentivo ao esporte ativo desde 2005. A bolsa contempla os competidores que ficam entre os três primeiros lugares de um torneio com um valor que varia entre R$ 925, no caso de pódio nacional, a R$ 15 mil, valor máximo para atletas que estão entre os 20 melhores do mundo.
Segundo dados do próprio governo federal, 99,74% dos beneficiados não têm qualquer patrocínio a não ser o do programa. É o caso da Cris, que se sustenta com o valor da bolsa nacional. Segundo ela, o valor supre as necessidades básicas, mas não é suficiente para oferecer uma qualidade de vida razoável ou até mesmo possibilitar investir na própria carreira.
No entanto, para continuar a receber precisa se manter competindo, mesmo grávida.
“Lá não tem essa de atestado, que não pode treinar porque você está gestante, Corre o risco de o governo perguntar porque que eu não estava treinando”, explica Cris, que não pode se afastar para ter o filho.
Identificação com o esporte
Apesar do início incomum e das dificuldades do caminho, Míriam e Cris se encontraram no esporte e não se imaginam voltando para a vida antiga.
“Eu me senti melhor, mais capaz, eu vi que eu era capaz de muita coisa. Muito gratificante uma pessoa chegar perto de mim e dizer ‘nossa, mas eu não consigo fazer isso que você faz’. Então quer dizer que eu sou especial em algo”, relata Cris.
“Mudou minha autoestima, mudou saúde, mudou tudo”, afirma Míriam. E quando perguntada se ela se sente uma guerreira, a resposta de Míriam foi rápida: “Com certeza! Super... mulher maravilha!”