Jornal Estado de Minas

Como assassinos racistas estão se radicalizando pela internet



O ataque racista que deixou 10 pessoas mortas em 14 de maio em um supermercado em Buffalo, no Estado americano de Nova York, é apenas o exemplo mais recente da violência impulsionada pelo extremismo online.





O ataque a tiros na cidade de Buffalo seguiu um roteiro muito parecido ao de ataques semelhantes nos EUA e em outros países — em cidades como Pittsburgh, Poway, El Paso, Christchurch (Nova Zelândia) e Halle (Alemanha) —, em que homens brancos racistas atacaram deliberadamente membros de uma comunidade específica, deixando vários rastros de suas visões extremistas na internet.

Assim como outros antes dele, Payton Gendron, de 18 anos, o principal suspeito por trás do ataque em Buffalo, postou um longo "manifesto" explicando seus motivos e crenças.

Parte do texto é copiado e colado de manifestos racistas do autor do massacre em Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019, Brenton Tarrant, e de outros agressores violentos. Gendron cita Tarrant como sua principal inspiração e porta de entrada para o mundo do extremismo online e da supremacia branca.





Autores de outros ataques recentes já citaram a internet como o ponto de partida para suas jornadas em direção à radicalização. Seus escritos mostram que eles eram bem versados nas subculturas online, nas teorias da conspiração e nos memes.

Notavelmente, todos eram antissemitas engajados e negavam o Holocausto, citando uma ampla gama de teorias da conspiração.

Quase todos fazem referência às teoria das conspiração do "genocídio branco" e da "substituição branca", assim como ao seu ressentimento contra imigrantes e grupos minoritários, como a base de seu sistema de crenças e a principal motivação para sua violência.

"A ideia de um 'genocídio branco' cria um senso de urgência e de necessidade de ação imediata", explica Rajan Basra, pesquisador do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização (ICSR, na sigla em inglês) da universidade King's College London, na Inglaterra.





"Para os nacionalistas brancos, isso pode ser um motivador poderoso, e em vários momentos eles agiram violentamente a partir disso."

O autor dos assassinatos em Buffalo também postou cerca de 700 páginas de seu diário pessoal, relativas aos últimos sete meses, às quais a BBC teve acesso por meio de cópias.

Os registros são uma janela para a mente de um jovem claramente perturbado que falava regularmente sobre seu vício em jogos e sobre navegar em circuitos extremistas online.

Ele fez uma extensa pesquisa e várias viagens de reconhecimento ao supermercado em Buffalo para planejar cuidadosamente a forma e o momento do ataque, além de realizar simulações.

Ele menciona brevemente ter tido problemas com as autoridades um ano antes, depois de escrever algo que as alarmou. Em um trabalho de escola, ele citou sua vontade de cometer assassinatos ou suicídio.

Há breves momentos de dúvida, como quando ele se pergunta se será capaz de executar os disparos sem "bagunçar" as coisas. Há também detalhes sobre um ato de crueldade animal e sobre pensamentos suicidas por não ter realizado o ataque na data que havia planejado inicialmente.





Repleto de teorias da conspiração racistas e antissemitas, memes e piadas internas, seu manifesto também é claramente influenciado pelo fórum de mensagens 4chan, uma das maiores e mais controversas redes vinculadas a subculturas da internet.

É o berço de muitos memes famosos, de campanhas de assédio e trollagem, assim como de movimentos conspiratórios.

Gendron faz referência a um fórum do 4chan dedicado a armas e diz que foi radicalizado pelo fórum do "politicamente incorreto". Ele menciona ainda outros espaços online extremistas que visitou, incluindo o site neonazista The Daily Stormer.

Ele transmitiu ao vivo seus assassinatos na plataforma de transmissão de vídeos Twitch por meio de uma câmera acoplada em seu capacete. Assim como Tarrant, ele escreveu slogans da supremacia branca e insultos raciais em sua arma de fogo.





A transmissão foi assistida apenas por 22 pessoas, e o Twitch a derrubou em poucos minutos. No entanto, em poucas horas, cópias do vídeo já estavam sendo amplamente circuladas na internet, atraindo milhões de visualizações no Facebook e em outras plataformas.

Impacto máximo

A combinação de um manifesto online e a transmissão ao vivo em vídeo é feita para gerar o máximo impacto nas mídias e espalhar as opiniões do assassino o mais longe possível.

Cópias do vídeo e do manifesto provavelmente serão compartilhadas online nos próximos anos, para fins de propaganda e como ferramenta de recrutamento. E embora as principais redes sociais removam as cópias, há vários sites marginais em que o vídeo pode ser facilmente encontrado.





Eliminar conteúdo da internet é praticamente impossível. Por exemplo, após os atos violentos na cidade americana de Charlottesville, em 2017, o site neonazista Daily Stormer foi pressionado por empresas de hospedagem e proteção da web.

Mas, com bastante esforço, esse site ainda pode ser encontrado online, e o autor do ataque em Buffalo diz ter sido um frequentador assíduo.

E, como visto anteriormente em plataformas como o 8chan — na qual manifestos de três assassinos apareceram um atrás do outro em 2019 —, mesmo que o acesso a um site seja interrompido, novas plataformas vão surgir rapidamente.

"Na internet, sempre haverá um lar, por mais obscuro ou de nicho que seja, para o conteúdo extremista", diz Basra, do ISCR.


Homenagens às vítimas do ataque em Buffalo (foto: EPA)

Textos desconexos como de Gendron visam inspirar o próximo atirador racista, assim como ele próprio se inspirou em Brenton Tarrant — e Tarrant, por sua vez, no assassino neonazista norueguês Anders Breivik.





"Pessoas que antes eram colocadas à margem podem formar comunidades inteiras de culto em todo o mundo", diz o autor e jornalista David Neiwert, que escreve sobre o extremismo de extrema direita há décadas.

"Um dos resultados disso é que o terrorismo doméstico de extrema direita assumiu um aspecto em cadeia ou em série: um ato de violência inspira o próximo, que inspira o próximo."

Programas preventivos

Em resposta ao aumento dos ataques terroristas internos, alguns governos tentaram elaborar planos preventivos.

O programa Prevent, do governo do Reino Unido, é um exemplo. Embora criticado por não conseguir impedir algumas pessoas conhecidas das autoridades, como o extremista islâmico Ali Harbi Ali, que em 2021 esfaqueou até a morte o parlamentar David Amess, o governo afirma já ter detido centenas de supostos terroristas.

Nenhum programa semelhante existe nos EUA mas, em junho de 2021, a Casa Branca divulgou um plano nacional para combater o terrorismo doméstico. O plano se concentra principalmente no trabalho das forças policiais locais, que receberiam US$ 77 milhões (cerca de R$ 382 milhões) em subsídios.





Neiwert diz que, embora a polícia dos EUA tenha o poder de se envolver quando atividades criminosas estão sendo discutidas online, há pouca coisa que pode ser feita até que um suspeito efetivamente aja.

O assassino de Buffalo não ficou totalmente fora do radar. No ano passado, seu contato com as autoridades — quando a polícia foi acionada pela escola após ele escrever sobre seus planos ameaçadores — resultou em uma breve hospitalização, na qual ele passou por uma avaliação de saúde mental.

O Estado de Nova York tem uma lei que permite que a polícia confisque as armas de pessoas consideradas perigosas. A polícia local e o FBI (federal) vão enfrentar agora questionamentos sobre se poderiam ter feito mais.

Mas o problema maior permanece: um movimento global e difuso de jovens extremistas violentos, radicalizados na internet, alguns dos quais estão preparados para atacar e matar pessoas inocentes.

Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!