Jornal Estado de Minas

AMPLIAÇÃO DE DIREITOS

Ciganos reivindicam inclusão no Censo 2022

Família cigana da etnia Calon (foto: Arquivo pessoal )

 
Com a aproximação do Censo 2022, que será realizado em todo o território nacional a partir de 1º de agosto, está sendo discutido quais novos grupos deverão integrar a pesquisa, como a população LGBTQIA e a população cigana. A reivindicação dos povos ciganos para fazer parte do censo vem desde o início dos anos 2000, mas nunca foram incluídos pelo governo brasileiro.





“Qual é a lógica disso: se você não está no censo, como serão elaboradas políticas públicas para essa população? Tem que saber onde essa população está, quais são seus contextos de saúde, sociais, educacionais, enfim, as condicionantes de vida dessa população, para fazer políticas públicas. Se não tem essa informação fica difícil, e fica só nos números abstratos”, afirma Aluízio de Azevedo Silva Junior, cigano da etnia Calon, jornalista, pesquisador das culturas ciganas e representante dos povos ciganos no Conselho Nacional de Igualdade Racial.

No Brasil, existem três grandes grupos ciganos: os Calon, que viviam na Península Ibérica e vieram para o Brasil durante a colonização; os Rom, do Leste Europeu, e os Sinti, do centro europeu. Os dois últimos grupos migraram para o Brasil durante a 2ª Guerra Mundial, fugindo das perseguições nazistas.

Ciganos Rom presos em um campo de concentração nazista (foto: Holocaust Memorial Day Trust/Reprodução)


“Na verdade, são várias culturas, como são povos diferentes. Há uma tendência a generalizar, assim como a palavra indígena, ou índio, ou a palavra negro esconde vários povos com línguas e costumes diversos sob um mesmo nome. Os povos ciganos também são assim, então a gente tem culturas e identidades diferentes, algumas coisas são semelhantes ao ponto de serem chamados ciganos”, explica Aluízio.  

Estereótipos e perseguições

O histórico de perseguição e racismo é comum a todos os grupos de ciganos, independentemente do estado ou do país, que faz com que muitos não assumam sua ascendência publicamente e não procurem equipamentos públicos do Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede pública de ensino, por medo de represália. 





“Essa visão racista e estereotipada é do senso comum brasileiro, mas há em outros países também. É uma visão ou muito negativa, de que o cigano é bandido, ou higienista, de que cigano é sujo, ou é uma visão romantizada e ligada ao misticismo, que é aquela coisa do viver livre, com belas mulheres, na natureza, sem obrigação nenhuma”, explica Aluízio. 

Por esse motivo, parte da população cigana tem ressalvas em relação ao recenseamento dos ciganos. Marcos, cigano e ativista família Claudomiro Cigano, da etnia Calon na Zona da Mata mineira, trabalhou por 29 anos na Cemig e não contava para os colegas que era cigano por receio de preconceito no ambiente de trabalho. Da mesma forma sua filha, que hoje cursa direito, também não assume a identidade.

Marcos acredita que o censo é importante para a garantir direitos e embasar políticas públicas, mas tem receio de que a identificação - da quantidade e das localidades onde estão -  possa trazer algum problema para essa população.




Nonamdismo ou por escolha?

Um dos pontos em comum entre os diversos povos é o nomadismo. Aluízio conta que o nomadismo nos povos ciganos surgiu não por uma característica da própria cultura, mas foi incorporada  em decorrência de políticas de expulsão em diversos países ao longo da história. As leis que proibiam que permanecessem longos tempos no mesmo local ou proibiam costumes ciganos. Em Portugal os ciganos eram proibidos de falar suas línguas e não era permitido que andassem em grupos. No período colonial, essas leis vigoraram no Brasil. 

Aluízio, à esquerda, com sua família (foto: Arquivo pessoal )


Porém, por um movimento que ocorre, há 40 anos, a maioria opta por residências, ou em acampamentos fixos, ou pequenas comunidades. Segundo Aluízio, os nômades representam 10 a 15% das comunidades, ou seja, o conceito mais correto atualmente seria viajante ou itinerante, pois têm uma residência fixa, viajam por algum tempo em uma rota pré-determinada, e voltam. 
Ciganos em números


Já foram empreendidas tentativas de contabilização da população cigana na Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic). Os pesquisadores perguntavam às prefeituras se existia acampamento cigano no município e se adotavam alguma política pública para essa população. 





Segundo a pesquisa, em 2011, foram identificados 291 acampamentos ciganos em 21 estados, entre eles Bahia, Minas Gerais e Goiás, estados que apresentavam maior concentração de acampamentos. Porém esse método é falho, pois não contabiliza quantos acampamentos tem na cidade e quantas pessoas vivem neles.

Políticas públicas para os cigangos

Em 2006, o dia 24 de maio foi estabelecido como Dia Nacional do Cigano e no ano seguinte o Decreto nº 6.040 reconheceu os povos ciganos como povos tradicionais.

Na última quinta-feira (02/06), o Senado aprovou projeto de lei 248/2015, que cria o Estatuto dos Povos Ciganos, que segue para análise na Câmara dos Deputados. O projeto, apresentado em de 2015 pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em parceria com a Associação Nacional de Etnias Ciganas (Anec ), com propostas de políticas públicas em diversas áreas de desenvolvimento humano.

Até a aprovação pela Câmara dos Deputados, os ciganos seguem se baseando na portaria 940, do Ministério da Saúde, de 2011, que retira a exigência da apresentação de comprovante de endereço para os ciganos nômades, facilitando o acesso aos serviços de saúde; e na Resolução 3 do Ministério da Educação, de 2012, que garante o direito à matrícula em escola pública e gratuita a crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância, tais como ciganos. 





*Estagiária sob supervisão.
 

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