O artista paulistano João Luis Prado Simões França, mais conhecido como M.I.A. (Massive Ilegal Arts), lançará nesta sexta-feira (10/6) a Black Contemporary Art, exposição solo que reunirá obras desenvolvidas ao longo dos últimos anos. M.I.A. ficou amplamente conhecido por realizar intervenções de larga escala em monumentos históricos da cidade de São Paulo.
Homem preto natural do bairro do Butantã, na Zona Oeste da capital paulista, João França teve seu primeiro contato com a arte urbana aos 13 anos através de seu irmão, que era pichador. Aos 16, começou a espalhar sua expressão pelas ruas através do picho, para ele uma arte de rua, de resistência e dos picos dos prédios. Futuramente, passou a grafitar e a desenvolver de outras formas suas críticas e ideias.
Enquanto crescia, experimentou o crack, um subproduto da pasta de cocaína, o que lhe tirou sete anos de juventude. Se recuperou e encontrou novas motivações e perspectivas para expressar em sua arte, que tem sua experiência no que chama de submundo como atributo e recurso principal de pesquisa. A partir da expressão suas vivências, já marcou presença em diversas exposições, colaborações artísticas e recebeu convites para palestras, seminários e mesas de debate sobre arte decolonial, contracultura e racismo.
Arte contra a discriminação
Em sua arte, M.I.A. tem a intenção de traduzir o cenário de uma sociedade que possui um caráter discriminatório e preconceituoso com as massas mais populares, que são frequentemente silenciadas. Seus atos político-artísticos, entretanto, dividem opiniões e geram questionamentos, o que, para ele, é o princípio mais genuíno no campo da arte.
A cada intervenção realizada em espaços até então considerados elitistas e restritos a uma parcela específica da sociedade, M.I.A. pode ser considerado um vândalo que deve ser desqualificado, temido, preso e punido; ou um artista militante expressivo que utiliza sua formação na cultura do picho como forma de protesto e denúncia em atos de desobediência civil.
Seus trabalhos mais conhecidos são aqueles em que bate de frente com símbolos que sustentam o heroísmo da época colonial no Brasil. Ao pichar monumentos históricos que contradizem a realidade da história do país, ele dá protagonismo aos pretos, indígenas e pobres, grupos sociais silenciados e excluídos que sobrevivem, até hoje, à margem da sociedade.
Monumento às Bandeiras e Borba Gato
O ano de 2016 foi quando M.I.A começou a ganhar notoriedade. No final de setembro daquele ano, pichações no Monumento às Bandeiras e na estátua de Borba Gato foram amplamente compartilhadas tanto em grandes veículos de mídia quanto nas redes sociais.
João França e seus parceiros foram detidos e multados pelo ato, que foi considerado vandalismo. De acordo com o art. 65 da lei nº 9.605/1998, o ato de pichar uma edificação ou monumento é crime com pena de três meses a um ano, além do pagamento de multa. No inciso um do artigo, a pena mínima sobe para seis meses em caso de obras tombadas pelo valor artístico, histórico ou arqueológico.
O inciso dois, entretanto, explica que o grafite não contraria a lei. “Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional”, diz o texto.
Pateo do Collegio
Em 2018, o Pateo do Collegio foi pichado com a frase “Olhai por Nóis”. O local onde foi levantada a primeira construção da cidade de São Paulo também foi onde se firmou o primeiro núcleo de catequização jesuíta no Planalto e representa um marco do genocídio indígena. Para M.I.A., assim como nos outros casos, a intervenção não foi direcionada a nenhuma personalidade em específico. “A crítica é geral, para as pessoas olharem umas às outras. Para quem vestir a carapuça”, afirma ele.
A intenção do artista no dia em que realizou a intervenção, entretanto, não envolvia o Pateo do Collegio. A 250 metros dali, fica o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), alvo inicial de M.I.A. naquela noite, onde pichou a frase “Samo is not dead”, em referência a uma exposição do artista norte-americano Jean-Michel Basquiat, morto em 1988 e que, quando vivo, assinava suas obras com o pseudônimo “Samo” e passou a escrever “Samo is dead” quando passou a grafitar.
Satisfeito e voltando para casa, passou em frente ao Pateo do Collegio, onde observou que havia um agrupamento de pessoas em situação de rua. “Passamos pelo local e vi umas 300 pessoas deitadas dormindo. Aí veio a ideia de fazer uma ação e na hora veio o insight do ‘Olhai por nós'”, explica o artista.
Por conta da ação, a polícia o procurou e chegou a interrogá-lo, mas França garante que não sofreu nada além de uma dor de cabeça. “Era eu, uma amiga filmando e mais um ‘mano’. Os policiais vieram atrás de mim, foi a maior pressão, mas me chamavam de M.I.A. com respeito, sem ofender”, conta ele.
SP-Arte
Os desdobramentos da intervenção, no entanto, ainda ecoariam para novas ações do artista. Em 2019, M.I.A. compareceu à abertura da 15ª edição da SP-Arte, maior evento de arte da América Latina, onde estava exposta uma foto do picho no Pateo do Collegio. A fotografia teria sido feita, segundo ele, sem autorização por um estudante branco da Belas Artes, uma instituição privada de São Paulo.
“Descobri dois dias antes, quando o fotógrafo entrou em contato comigo. Fiz algumas exigências: dobrar o valor para venda da foto, que estava em R$ 4 mil, me repassarem metade deste dinheiro e ter meu nome assinado”, relata. “Mas a foto já estava lá, depois de passar pela curadoria. Estava no fim do processo”, complementa França.
Com o pedido ignorado, M.I.A. decidiu intervir mais uma vez. Com uma lata de spray em mãos, entrou no evento e escreveu “negro” em cima da foto emoldurada. Depois disso, distribuiu pelo espaço notas falsas de dinheiro, onde lia-se que, na “República Federativa da Elite, a Arte é sem valor”. Tudo foi registrado em vídeo e publicado posteriormente nas redes sociais.
Ao ser abordado por um homem que, segundo França parecia ser segurança do local, ele diz que pichou a palavra “‘Negro pela exploração do povo e do trabalho do negro. Eu sou de periferia, jamais teria uma obra exposta na SP-Arte. Quem expôs foi um fotógrafo estudante da Escola Belas Artes, branco, não o autor da intervenção, um homem negro”.
Para o artista, escolher monumentos amplia o impacto de sua arte, mas garante que já cumpriu sua meta. “Já fiz todos que eu tinha vontade e estava no propósito”, afirma ele ao portal Ponte Jornalismo. Ele também diz que o intuito de sua arte é atiçar o julgamento crítico. “O que me motiva a fazer arte é a reflexão, fazer com que as pessoas reflitam.”
Black Contemporary Art
Chamada de Black Contemporary Art, a exposição solo de M.I.A. promete apresentar obras desenvolvidas pelo artista entre os anos de 2019 e 2022 e acontecerá entre esta sexta-feira (10/6) e 9 de julho no Fenda Bar e Restaurante, localizado na região de Pinheiros, na capital paulista. A exposição ficará aberta entre as quintas-feiras e os sábados, das 16h às 22h.
Para França, será a representação de “muita vivência transformada em arte, fragmentos da realidade que vivo no meu dia a dia, arte de rua na mais pura essência”.
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