"Um ponto fora da curva". Assim se define Eloá Rodrigues, 29 anos, moradora de Jardim Catarina, comunidade do município de São Gonçalo, que vai representar o Brasil no concurso Miss International Queen, o "Miss Universo" trans, em 25 de junho na Tailândia.
Apesar da aparente vida de "glamour" que a coroa lhe confere e do apoio da família, ela admite: ainda é difícil se permitir sonhar no Brasil sendo uma mulher trans e negra.
Na cozinha da casa em que mora com a tia e duas irmãs, Eloá conversa enquanto prepara o almoço. Falta pouco tempo para o concurso, mas o clima descontraído com a família a faz se esquecer do nervosismo para o grande dia às vésperas da viagem, neste domingo (12/6).
"É importante apoiar o sonho dela", afirma sua tia Ivone, que criou Eloá junto com a avó. "Ela faz de tudo para chegar aonde quer. Se não der certo, vai ter nosso apoio também quando voltar".
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"Acho que o maior medo das pessoas trans e travestis que conheço é morrer", afirma.
"Isso já foi uma realidade na minha vida", confessa, referindo-se ao medo da violência no início da transição. "Mas hoje não é mais. Claro que não ocupo um lugar de privilégio, porque continuo sendo uma mulher trans e preta, mas tenho a possibilidade de correr atrás dos meus sonhos", acrescenta.
Falta de reconhecimento
Eloá começou a carreira de modelo junto com sua transição, ainda na adolescência. Ao contrário de muitas pessoas trans e travestis, teve apoio familiar desde o início, o que considera ter sido crucial para chegar até aqui. Vencedora do Miss Beleza T 2020, equivalente ao 'Miss Brasil' para pessoas trans e travestis para representar seu país contra outras 23 candidatas do mundo inteiro no concurso que foi adiado por dois anos devido à pandemia.
Mesmo com o peso do título nacional, os desafios de reconhecimento ainda são grandes.
"Muita gente não entende a relevância que isso tem para pessoas com uma realidade como a minha, não só pessoas LGBTQIA+, mas também quem mora na minha comunidade", lamenta, enquanto se maquia com agilidade em seu quarto.
Com dificuldade para conseguir patrocínio, quase todos os custos saem de seu bolso.
Como prêmio do concurso nacional, ganhou as passagens de ida e volta para a Tailândia, a inscrição no Miss International Queen e o traje típico. Mas ainda precisa arcar com quase 30 'looks' para os dias de "confinamento", quando participará de uma série de eventos e viagens com outras candidatas.
"As pessoas nas redes sociais não querem saber, elas querem a miss preparada, porque eu tive dois anos para me preparar. Mas foram dois anos de muito sufoco", confessa.
Nestes dois anos como miss Brasil trans, Eloá enfrentou dificuldades para encontrar parcerias com marcas ou receber cachês. "Muitas pessoas e marcas não acreditam de fato no projeto ou não querem atrelar sua imagem a uma pessoa como eu", aponta.
"Não foi fácil, mas é possível"
Apesar das dificuldades, desistir não é mais uma opção. Estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense, modelo e atriz, Eloá trabalhou no almoxarifado de uma empresa de ônibus. Hoje, representa muito mais do que um sonho para pessoas que se identificam com ela - ela simboliza a possibilidade de escolha.
"Quero mostrar que não foi fácil chegar até aqui, mas que é possível", afirma. "Que as pessoas olhem para mim e pensem: 'nossa, ela conseguiu, então eu também posso!".
Se ganhar o concurso, pretende usar o prêmio de THB 450.000, além do troféu e de parcerias VIPs, para ajudar a família e realizar um de seus maiores desejos pessoais: ser mãe.
"Óbvio que quero muito a coroa, mas meu foco principal é que, quando as pessoas lembrarem do Miss International Queen 2022, lembrem que a representante brasileira deu muito orgulho", conta, com um sorriso tranquilo.
"Se eu voltar de lá com essa certeza, já ganhei tudo".