O domingo, 12 de junho, era dedicado aos namorados, no entanto, centenas de mulheres demonstraram o amor à escrita. Elas chegaram pouco a pouco, algumas levando exemplares dos livros que escreveram, conversavam, trocavam autógrafo e não escondiam a emoção de fazer parte dessa iniciativa que procura mapear as escritoras mulheres.
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"É muito significativo. Estou surpresa com o número, apesar de saber que tem muita mulher que escreve. É lindo ver tanta mulher se reconhecendo como escritora. É muito difícil você ter coragem de escrever, você ter coragem de se assumir como escritora, preencher um cadastro dizendo que você é escritora. É emocionante. É admirável ver a mulher ocupando esse espaço que por tanto tempo era ocupado majoritareiamente por homens", afirmou a escritora Cristiana Rodrigues que junto à Academia Mineira de Letras (AML) organizou o evento em BH. As fotos foram feitas pelos jornalistas Liliane Pelegrino e Élcio Paraíso, da Bendita Conteúdo & Imagem.
Elas têm conseguido, cada vez mais, consolidar a presença na cena literária brasileira, com um número maior de mulheres que publicam e também como mulheres vencendo prêmios de literatura e liderando ranking de livros mais vendidos. "A Carla Madeira teve um número muito expressivo de venda no ano passado e temos escritoras mais novas surgindo. Também ganhamos cada vez mais publico e cada vez mais expressão", afirma.
No entanto, o mercado editorial para mulheres pode expandir. "Ainda sinto uma falta que as mulheres se reconheçam como leitoras de outras mulheres", afirma Cristiana. Os livros escritos por mulheres não precisam versar apenas sobre questões do universo feminino, no entanto, certamente, não têm melhor escritoras do que nós próprias para tratá-los. "Não existe um homem que consiga escrever sobre menopausa, por exemplo, como uma mulher consegue escrever, ou como é a primeira menstruação", diz Cristiana que é autora de "Vastidão", pela Editora Vasta.
A organização cadastrou todas as escritoras que participaram da foto histórica. A expectativa é que, futuramente, elas possam formar coletivos e grupos de escrita para que possam trocar experiências e livros.
Mercado em expansão
O movimento de mobilização de mulheres que escrevem literatura vai modificar o mercado editorial no país. A avalição é da escritora Elaine Moraes: "vamos ter mais livros escritos por mulheres, e veremos, cada vez mais, nas livrarias, nos eventos literários, nas estantes de livros, em muitas casas, livros de autoras. Mulheres que escrevem histórias sobre outras mulheres".
Elaine lembra que, por muito tempo, as histórias contadas por mulheres foram consideradas menores, mas agora esse quadro está mudando. "Já foi considerado uma literatura menor. Uma literatura confessional num sentido muito pejorativo. O cotidiano, a vida, os problemas, as mazelas sociais vivenciadas pelas mulheres vão ocupar, definitivamente, as páginas da literatura brasileira." Elaine foi finalista do Prêmio Jabuti 2021 com o livro "Genealogia dos afetos", da editora Letramento.
As escritoras se emocionaram com o momento, considerado histórico por nunca ter tido um encontro de tantas mulheres escritoras juntas. "Quando eu cheguei aqui meus olhos encheram d'água. Vim para ver todo mundo e foi uma emoção tão grande ver tanta mulher junta. Tem gente escrevendo há tantos anos, esforçando-se para conquistar um lugar", diz Marcela Dantés autora de "Nem sinal de Asas", pela editora Patuá, e "João Maria Matilde", pela Autêntica.
Na avaliação dela, as mulheres têm conseguido reconhecimento e espaço, em na crítica literária, nas editoras e nas premiações. "Vejo muito companheirismo, mulheres lendo mulheres. Mulheres comentando e indicando. É muito simbólico ver todo mundo junto celebrando a escrita", pontua Marcela.
Levantamentos apontam que as mulheres costumam ser a maioria entre os leitores. "Temos muitos livros lidos de autoras mulheres. Estamos nesse caminho. É um caminho longo e lento, mas vejo isso acontecer", avalia. Marcela, que foi finalista ccom "Nem sinal de asas", em 2021, dos prêmios Jabuti e São Paulo.
Escritoras negras
A jovem escritora Lara de Paula comemorou o encontro. "É muito importante que a gente possa se reunir para que tenha uma dimensão da quantidade de mulheres autoras em Belo Horizonte e outros lugares", afirmou. A jovem sentiu falta de muits escritoras negras, mas ainda assim um grupo esteve no local, com destaque para Madu Costa, autora de "Meninas negras", pela Mazza Edições.
Lara começou a escrever em 2018 com o projeto Preta Poeta. Depois de quatro anos, é autora de dois livros solos e participou de dez coletâneas. Ela conseguiu o financiamento da Lei Aldir Blanc para produzir o primeiro livro solo, o "Nuvilíneas", pela Alecrim Edições, e, no ano passado, lançou a HQ "Por um fio", pela Kitembo Edições do Futuro.
"Ser escritora é padecer no paraíso. É uma delícia, porque você tem a possibilidade de criar outros mundos, compartilhar outros mundos, outras histórias, exercer a criatividade. No entanto, enfrenta-se muita dificuldade em um país que se tem pouquíssimo incentivo para leitura e para manutenção da literatura", afirma.
A jovem lembra que é muito difícil alguém se manter como escritora ainda mais se for mulher negra. "É um ofício que requer muito amor e muita dedicação", faz uma reflexão. Ela avalia que o o mercado de consumo literário ainda é muito embranquecido e masculino. A jovem lembra que escritoras como Conceição Evaristo abrem caminhos.
*Márcia Maria Cruz, que é autora dos livros "Morro do Papagaio", da Coleção BH.A cidade de cada um, e Maria Mazarello - preto no branco, lutas e livros, da editora Contafios, também participou da foto.